18 Mai 2015
O vaticanista Sandro Magister, em seu blog Settimo Cielo, 16-05-2015, publicou a seguinte "reflexão para o Sínodo dos bispos de outubro de 2015". O autor, Giovanni Parise, é doutorando pela Faculdade de Direito Canônico da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A verdade e o "evangelho" do matrimônio e da família
Por Giovanni Parise
Ao aproximar-se do Sínodo de outubro, assistimos a um aceso debate sobre as várias dinâmicas que podem, de algum modo, ser inerentes ao vasto mundo da família, com expectativas mais ou menos surpreendentes sobre sexualidade, uniões e casais de fato, uniões homossexuais, divórcio, segundas uniões.
No entanto, como o próprio Sumo Pontífice lembrou, o importante é chamar a atenção para o "Evangelho da família", para o fato de que a própria família seja "Evangelho", para a verdade da e sobre a família, mostrando o seu fundamento e indicando os problemas e os mal-entendidos que estão na base da atual "crise".
Um primeiro erro em que se cai é considerar que o matrimônio foi definido nas suas características essenciais – união entre homem e mulher, fidelidade, indissolubilidade, abertura à vida; cf. cânones 1.055-1.056 do Catecismo da Igreja Católica – a partir de fora, ou seja, que essas características tenha sido conferidas a ele por uma autoridade "humana" e, portanto, em uma ótica de suposta e pressuposta evolução, que eles mesmos podem ser mudados se, por exemplo, parece ser mais conforme à dignidade do homem e à sua liberdade o fato de poder dissolver um vínculo contraído, em vez de ser escravo para sempre, se se considerada como "morto" essa relação, ao menos em nível sentimental.
Ou, em uma exasperação enganosa do "direito à igualdade", seria justo reconhecer a casais homossexuais a possibilidade de verem reconhecida a sua relação como um matrimônio, assim como os casais heterossexuais, e assim por diante.
É um pouco aquilo que acontece também no positivismo jurídico, bem exposto por Hans Kelsen: uma norma qualquer, justamente por ser positiva, ou seja, posta e imposta pela autoridade ou pela maioria, é por isso mesmo válida, boa e se torna "direito justo".
A falácia e a perniciosidade suprema de tal pensamento foram desmascaradas por muitos (Hervada, Errázuriz...), e a inconsistência perigosa de tal abordagem é evidentes para todos, por exemplo, se pensarmos nas leis raciais impostas pelo regime nazista de Hitler, mas certamente qualificáveis como "direito justo".
O Papa Emérito Bento XVI, no seu monumental discurso ao parlamento de Berlim em setembro de 2011, respondeu bem a essas posições, recordando o conceito clássico do realismo jurídico, em que o direito é a "ipsa res iusta" na natureza, e a justiça é "cuique suum tribuendi" (Ulpiano).
E isso vale, sem dúvida, para uma realidade acima de tudo natural como o matrimônio: Cristo assumiu como sacramento aquilo mesmo que é in natura (cânone 1.055 § 1) e, como ensina o Concílio Vaticano II, é Cristo mesmo, novo Adão, que, na redenção, revela o homem ao homem, mostrando-lhe a sua altíssima vocação divina (cf. Gaudium et spes, 22).
Não se trata, portanto, de um discurso ligado a um dado credo religioso: não! "O matrimônio – aquele mesmo que, sem nenhuma adição conjugal, é fonte de graça sacramental para os batizados – corresponde à verdade antropológica do homem, de qualquer homem ou mulher, independentemente da sua raça, religião, convicção, posição social e política, e por isso, é válido e verdadeiro em si mesmo, in natura" (Pedro-Juan Viladrich).
Portanto, a ótica correta para se superar o impasse, em que parece que caímos acerca do matrimônio e da família, é a de voltar ao realismo, assumindo uma correta antropologia realmente respeitosa do homem, combatendo, assim, o individualismo e o relativismo imperantes especialmente nas nossas culturas ocidentais.
O matrimônio e a família, portanto, da forma como foram concebidos até agora e da forma como a Igreja os propõe, não são fruto de uma cultura que pode mudar, mas são assim in natura e, portanto, são por si só respondentes da melhor forma possível à verdade do homem: mudá-los significa nada mais do que perverter a verdade do homem, embaralhando-a com substitutos desviantes e prejudiciais à dignidade da criatura feita à imagem e semelhança de Deus-Amor.
A normativa canônica vigente sobre o matrimônio e, consequentemente, sobre a família, portanto, se lida nessa ótica e combinada com o magistério sobre o assunto (pense-se especialmente na exortação apostólica Familiaris consortio de São João Paulo II), aparece em toda a sua correspondência à exigência de proteger a verdade dessas importantes e fundamentais realidades.
É justamente inserindo-se nesse caminho de redescoberta do Evangelho da família e, antes, portanto, do matrimônio que podemos superar todo reducionismo funcionalista dessas mesmas instituições, como por exemplo o fato de curvá-los a concepções estranhas, tais como: a união homossexual; as coabitações que se caracterizam pela sua instabilidade e pelo não compromisso assumido em relação ao para-sempre-contigo, que faz dos dois "una caro" [uma carne]; o divórcio; a admissão da possibilidade de "romper" vínculos validamente contraídos ou de "admiti-los" de qualquer modo ou através de qualquer prática que possa levar a pensar nesse sentido.
"É o cúmulo do paradoxo que, talvez por causa do patrimônio jurídico e da honrabilidade da família matrimonial, aquelas ideologias que, no século XX, combateram o matrimônio, acusando-o de ser uma arcaica estrutura patriarcal e um instrumento-chave para a submissão da mulher, tenham feito uma frente comum no século XXI para reivindicar justamente aquela contestada forma matrimonial para a coabitação homossexual. Tais oscilações, aparentemente contraditórias, só são possíveis com base no relativismo profundo que 'unificada' a Babel antropológica" (Viladrich).
A família não deve ser defendida apenas por ser funcional à sociedade, da qual é célula primordial e fundamental. Também essa posição, no fim, de fato, seria curvar o matrimônio e a família a mero dado funcional, embora seja muito verdade que essas realidades naturais sejam indubitavelmente a base primeira da convivência humana (basta pensar que todas as relações se definem com base no parentesco decorrente justamente do matrimônio e que tem como paradigma a família, em que nascem e se formam tais relações vitais primárias e imprescindíveis para o próprio ser do homem), mas é esta que deriva daquelas, e não vice-versa.
Por isso, a unidade, a indissolubilidade, a monogamia não são características funcionais que são dadas a essas realidades apenas para um maior bem da família humana, mas pertencem a elas como essenciais em si mesmas e, justamente por corresponderem ao homem, existem e correspondem, depois, ao maior bem da sociedade.
Portanto, não se pode negar que unidade e indissolubilidade se conectam plenamente à verdade do homem e só são compreensíveis, portanto, se voltarmos a abraçar uma reta antropologia respeitosa do próprio homem, isto é, considerando-o capaz de amar, de se doar total e exclusivamente e para sempre; trata-se de uma verdadeira antropologia sobre a sexualidade e sobre o amor humanos, que são a intimidade ôntica do próprio ser do homem.
Por fim, não devemos definir a nossa reflexão com base na falaciosa casuística humana. Jesus, interrogado e posto à prova por alguns fariseus sobre o repúdio (Mateus 19, 3-12) não dá respostas com base na casuística, indultando uma falsa misericórdia, mas se remete ao princípio, àquele princípio natural da verdade sobre o matrimônio e sobre a família, e acrescenta: "Vocês leram".
Isso nos permite entender que essa verdade, esse Evangelho da e sobre a família é algo de inteligível para o homem, sendo para nós "sinais que indicam a verdade do homem, macho e fêmea" (Viladrich); não está ligado a nenhuma visão cultural ou religiosa, mas é in natura e, justamente por isso, é acessível ao homem, a qualquer homem, independentemente do credo que professa.
No máximo, a Igreja, justamente porque ensina e defende a verdade, nesse sentido, está defendendo a família verdadeira e o matrimônio verdadeiro que são bem correspondentes à liberdade e à essência ontológica do homem, e não, ao contrário, que eles assumem determinadas características e elementos porque a Igreja, ou uma determinada cultura, interveio.
Viladrich enfatiza: "Só o consentimento dos dois contraentes funda o "una caro" e, acima de tudo, não é Deus o contraente, que consente no lugar dos esposos, nem compensa uma eventual falta de vontade ou capacidade dos noivos. A verdade da união, com as suas propriedades intrínsecas, é oferecida ao homem e à mulher, mas são estes, com a sua livre vontade, que acolhem essa possibilidade e, colocando-a em ato, tornam-se esposos". A liberdade é respeitada e, ao mesmo tempo, doa-se aos esposos o fato de poderem ser o que devem ser.
Portanto, é nessa ótica que, a nosso ver, deveriam se colocar tanto as discussões quanto as reflexões pré-sinodais sobre o assunto. O esforço pastoral da Igreja, que, pela sua instituição divina, deve continuar a presença de Cristo, bom pastor ao lado do homem, deveria tender justamente à reta formação antropológica dos homens e das mulheres destes tempos, ricos em potencialidade, mas também muito ameaçados pelas trevas.
E, por fim, a humilde tarefa do canonista, mas também do juiz chamado à grande responsabilidade de avaliar sobre uma matéria tão importante por estar diretamente relacionada com a salvação das almas, também deveria se voltar para o esforço de interpretação e de aplicação da norma segundo uma visão justa do homem e, portanto, do matrimônio e da família, segundo a verdade.
Assim, entre os desafios do mundo contemporâneo, a família poderá ser Evangelho, anúncio e testemunha, respondendo à sua altíssima vocação e à sua missão de ser manifestação da verdade do homem e, assim, configurar-se como bem para a vida da humanidade inteira.
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