11 Mai 2015
"Devemos, portanto, esperar para ver um novo tipo de cristianismo emergir da África e do resto do mundo em desenvolvimento. Esses cristãos serão fiéis a instituições formais e levarão o nome de 'católico' ou 'anglicano', mas haverá muito mais que os une através de uma cultura compartilhada, de seus desafios comuns e de sua espiritualidade do que aquilo que os divide".
A opinião é de Dwight Longenecker, escritor e padre católico convertido do Anglicanismo, pároco na Igreja Nossa Senhora do Rosário, na Carolina do Sul, Estados Unidos. O artigo foi publicado no sítio Crux, 05-05-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Na semana passada, a Comissão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC) reuniu-se em Roma para uma nova rodada de discussões ecumênicas. Agora que os anglicanos têm bispas, bispos homossexuais e estão bem adiantados no longo do caminho em direção ao casamento de pessoas do mesmo sexo, há algum ponto de comunhão?
Os cínicos argumentam que esse tipo de reunião ecumênica é mera fachada. Um analista comparou o evento às rodadas intermináveis de détente [relaxamento das tensões diplomáticas entre EUA e URSS na década de 1970] durante a era soviética, em que ambos os lados apertavam as mãos e sorriam para as câmeras, mas estavam realmente esperando para ver que lado iria criar a divisão primeiro.
O Papa Francisco pensa o contrário. Embora reconhecendo os "sérios obstáculos para a unidade" erguidos pelos anglicanos, em seu discurso de abertura, ele disse aos delegados para não desistir da esperança.
"A causa da unidade não constitui um compromisso opcional, e as divergências que nos dividem não devem ser aceites como inevitáveis. Alguns gostariam que, depois de cinquenta anos, houvesse mais resultados no que se refere à unidade. Não obstante as dificuldades, não podemos deixar-nos levar pelo desânimo, mas temos o dever de confiar ainda mais no poder do Espírito Santo, que pode purificar-nos e reconciliar-nos, realizando assim aquilo que, humanamente, parece impossível".
Não só a unidade parece impossível, a essas alturas, mas os movimentos dentro do anglicanismo mundial em si estão se movendo em direção a um cisma em vez de unidade. No início deste mês, os líderes de uma organização chamada GAFCON reuniram-se em Londres. A sigla GAFCON significa Global Anglican Future Conference [Conferência do Futuro Anglicano Global]. Liderado por bispos anglicanos africanos, a GAFCON agora inclui representantes da América do Norte, Austrália e América do Sul.
Com base porotestante evangélica, a GAFCON foi formada em reação à deriva liberal dentro do anglicanismo estabelecido. À medida que a Igreja Episcopal dos EUA e a Igreja da Inglaterra movimentavam-se para ordenar bispos do sexo feminino e abraçar a agenda LGBT, os bispos do mundo em desenvolvimento primeiro protestaram, e depois começaram a formar a sua própria Igreja paralela. Contornando a problemática palavra "cisma", os bispos da GAFCON insistem que eles continuam sendo a voz autêntica e emergente do Anglicanismo, e sua organização simplesmente fornece às Igrejas membros uma alternativa à Comunhão Anglicana mundial.
A Comunhão Anglicana é a confederação mundial histórica de Igrejas anglicanas. Chefiada pelo arcebispo de Canterbury, os bispos das várias Igrejas nacionais e independentes reunem-se uma vez a cada década na Conferência de Lambeth. No entanto, a última Conferência de Lambeth, em 2008, foi boicotada pelos fundadores da GAFCON, que realizaram uma conferência global alternativa em Jerusalém, um mês antes de Lambeth. Em uma manobra significativa, o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, anunciou em setembro que a próxima Conferência de Lambeth prevista para 2018 foi cancelada. Deve-se supor que a ausência dos bispos africanos faz a conferência global um absurdo. Além disso, o cancelamento de Lambeth por parte de Welby indica a consciência genuína de que a Comunhão Anglicana como um organismo global está em seus últimos dias.
Com sua liderança africana, a GAFCON representa o futuro da Igreja Anglicana. A Igreja Episcopal dos EUA, sob a liderança da bispa Katherine Jeffers Schori, sofreu um declínio desastroso. Usando táticas de força para intimidar os episcopais desencantados e colocá-los na linha, Schori tem visto o número de fiéis em queda livre, além da queda das receitas. Enquanto isso, a Igreja da Inglaterra, na sequência do entusiasmo dos episcopais para as causas liberais, compartilhou uma queda drástica em seguidores. O número de membros da Igreja Episcopal caiu de 3,6 milhões em 1960 para menos de 1,4 milhão hoje; os números da Igreja da Inglaterra cairam pela metade nos últimos 40 anos.
Enquanto isso, como relata John L. Allen Jr. em "The Future Church" [A Igreja do Futuro], o cristianismo na África está em expansão e a Igreja Anglicana é responsável por uma parte significativa do crescimento. O instituto de pesquisa Pew Forum relata que no início do século XX, os anglicanos da África subsahariana compunha apenas 0,4% de anglicanos em todo o mundo. Hoje, eles compõem mais de 45%. Quando isso é contrastado com o fato de que a Igreja Episcopal representa menos de 4% na esfera global, pode-se entender o desencanto dos bispos africanos pela presença imensamente desproporcional que os anglicanos norte-americanos têm na mesa global anglicana.
A menos que haja alguma reviravolta inesperada na Igreja da Inglaterra e nas Igrejas anglicanas do mundo desenvolvido, a GAFCON é a Comunhão Anglicana do futuro. Se assim for, o que isso significa para o desenvolvimento do ecumenismo entre anglicanos e católicos romanos?
Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que a antiga forma de diálogo católico-anglicano está encerrado. Iniciado no otimismo fresco da década de 1960, o ecumenismo entre anglicanos e católicos incluía a convergência em matéria litúrgica em paralelo com discussões regulares entre teólogos de ambos os lados. O problema com esse modelo é que os teólogos anglicanos eram invariavelmente da ala mais anglo-católica da Igreja Anglicana. Eles também eram quase que exclusivamente oriundos da Igreja da Inglaterra e da Igreja Episcopal. Os africanos eram raros. Como o cardeal Walter Kasper, a maioria dos membros da Igreja Anglicana e Episcopal achava que não valia a pena ouvir os africanos.
À medida que os anglicanos em ambos os lados do Atlântico prosseguiam com sua agenda progressiva, as discussões com a Igreja Católica tornaram-se cada vez mais tensas. Apesar de ruídos diplomáticos de ambos os lados, é reconhecido que, de uma forma geral, foram os anglicanos que introduziram esses "obstáculos graves à unidade", colocando todas as esperanças ecumênicas reais à espera. O Papa Bento XVI não melhorou a situação ao criar o Ordinariato Anglicano - uma estrutura dentro da Igreja Católica que fornece aos anglicanos desiludidos uma casa geminada dentro do catolicismo.
A conexão interessante aqui é que os anglicanos e católicos africanos estão descontentes com os anglicanos tradicionais no Reino Unido e nos EUA, pelas mesmas razões. Se a ARCIC tem alguma relevância, então, as discussões devem mudar seu foco de Nova York e Canterbury para a Nigéria e o Quênia. As discussões atuais da ARCIC são antigas, obsoletas e estão num impasse. O papa está correto em encorajar a esperança, porque o futuro pode ser brilhante se anglicanos e católicos africanos se encarregarem das discussões.
Tal avanço não será fácil, porque a maioria dos anglicanos africanos defendem uma teologia protestante evangélica. Nos lugares onde os ingleses colonizaram, eles também evangelizaram, e no século XIX foram principalmente os evangélicos da Igreja da Inglaterra que enviavam missionários. A maioria dos anglicanos africanos são, portanto, protestantes que levam consigo os mal-entendidos e os habituais preconceitos contra os católicos que acompanham o protestantismo evangélico.
No entanto, há também uma razão positiva porque o ecumenismo no estilo ocidental não funciona na África: ele não é necessário. Sob a ameaça do islamismo, da decadência ocidental e do materialismo, das religiões tribais pagãs e dos regimes políticos tirânicos, os cristãos africanos estão em modo de sobrevivência. Católicos, anglicanos e outros cristãos estão rodeados por uma variedade de inimigos, e onde a perseguição e o martírio são iminentes, existe o que o Papa Francisco chama de o "ecumenismo de sangue". Os católicos e evangélicos africanos provavelmente não sentem a necessidade de conversações teológicas e ecumênicas formais porque eles já são irmãos e irmãs de mãos dadas - apoiando-se uns aos outros contra seus inimigos mútuos.
Em seu discurso aos membros da ARCIC, o Papa Francisco também reconheceu esse fator. Ele reconheceu um vínculo de unidade entre católicos e anglicanos que vai além da divisão teológica e histórica: o testemunho dos perseguidos.
"O sangue destes mártires alimentará uma renovada época de compromisso no ecumenismo, uma nova e apaixonada vontade de cumprir o testamento do Senhor: para que todos sejam um (cf. Jo 17, 21). O testemunho destes nossos irmãos e irmãs exorta-nos a ser ainda mais coerentes com o Evangelho e a esforçar-nos a fim de realizar, com determinação, aquilo que o Senhor deseja para a sua Igreja. Hoje em dia, o mundo tem urgentemente necessidade do testemunho comum e jubiloso, da parte dos cristãos, tanto na salvaguarda da vida e da dignidade humana como na promoção da paz e da justiça. Invoquemos juntos as dádivas do Espírito Santo, para sermos capazes de responder intrepidamente aos «sinais dos tempos», que convocam todos os cristãos à unidade e ao testemunho comum".
Devemos, portanto, esperar para ver um novo tipo de cristianismo emergir da África e do resto do mundo em desenvolvimento. Esses cristãos serão fiéis a instituições formais e levarão o nome de "católico" ou "anglicano", mas haverá muito mais que os une através de uma cultura compartilhada, de seus desafios comuns e de sua espiritualidade do que aquilo que os divide. As razões históricas para a divisão entre protestantes e católicos são, para os africanos, coisas de séculos passados da história europeia.
Sua Igreja é jovem, crescente e sob ameaça, e eles têm problemas muito mais urgentes com que se preocupar.
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Acabou o ecumenismo entre católicos e anglicanos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU