30 Março 2015
Não é a radicalidade, mas sim a profecia que é o específico da vida consagrada. O léxico e a prática da profecia, da fidelidade à história e ao Evangelho que salva é o caminho seguro, que conecta o presente da vida consagrada ao seu futuro.
A opinião é do frei franciscano italiano Ugo Sartorio, diretor da revista Il Messaggero di Sant’Antonio. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 26-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Estamos definitivamente avançando no Ano da Vida Consagrada, impulsionados também pelos encorajamentos não formais do Papa Francisco. A palavra de ordem é "profecia", e o caminho, não muito diferente de toda a Igreja: abandonar toda inclinação autorreferencial para reencontrar a via clara do Evangelho.
Nesse contexto, florescem intervenções e estudos que buscam interpretar o tempo delicado e, em muitos casos, difícil que a vida consagrada está passando há pelo menos algumas décadas.
Terminada a estação da "renovação" pós-conciliar, embora vivida com grande generosidade, e encerrado o pretensioso parêntese totalmente centrado na "refundação", os consagrados fazem as contas com a escassez crônica de vocações, com grandes obras que já esgotaram o seu precioso serviço, com o inevitável envelhecimento dos quadros.
Por outro lado, não faltam sinais positivos, como o cuidado da forma fraterna das comunidades religiosas, o novo impulso missionário que leva a explorações evangélicas rumo às periferias e às fronteiras, embora sempre se perceba mais a necessidade de trabalhar nas raízes, em torno do sentido da própria identidade e do modo com que esta se abre à missão.
Nessa direção, uma contribuição é oferecida pelo livro de Dom Vincenzo Bertolone, arcebispo de Catanzaro-Squillace, que relê o documento conciliar Perfectae caritatis à distância de 50 anos e o faz de modo prospectivo, ou seja, recolhendo as cinco décadas posteriores aos desdobramentos magisteriais e teológicos, sem perder de vista o concomitante quadro eclesial e social (Perfectae caritatis, cinquant’anni dopo. Né estranei agli uomini né inutili alla città. Catanzaro: Grafiche Simone, 2015, 253 páginas).
Uma ideia retorna muitas vezes, isto é, a de uma consulta de ampla alcance destinada à reforma da vida consagrada: "Na minha modesta opinião, a necessidade de uma reflexão teológica (de âmbito eclesiológico, antropológico, espiritual, mas também econômico-administrativo e pastoral) mais ampla, profunda e de nível internacional, pluriespecializada e pluridisciplinar, sobre a identidade da vida consagrada a 50 anos do Concílio se torna cada vez mais urgente" (p. 56).
O autor não diz, mas talvez tenha em mente algo que se assemelhe com a mobilização que ocorreu em torno do Sínodo sobre a família, que, de fato, exaltou a reivindicação participativa. Pessoalmente, eu estenderia esse estilo sinodal na reescrita em curso do famoso documento Mutuae relationes, de 1978: primeiro, é necessário que as partes em causa – não só bispos e consagrados, mas também leigos – tenham a possibilidade de se expressar livremente e de se confrontar evangelicamente.
Olhemos agora mais de perto o texto, rico e articulado, de Dom Bertolone, que insiste muito em uma hermenêutica do Concílio na linha da continuidade, também no que diz respeito à vida consagrada.
A dupla de termos "fidelidade-renovação" parece a mais adequada para indicar a direção de um caminho que, a partir da leitura dos "sinais dos tempos", conduza a Igreja e a vida consagrada dentro do presente e rumo ao futuro.
Aproveitando as muitas intervenções que, nos últimos 50 anos, se seguiram, a partir do próprio decreto conciliar: embora não estando entre documentos mais audazes, o Perfectae caritatis é o único que, de fato, fala de accomodata renovatio, ou seja, de renovação.
Como? "A conveniente renovação da vida religiosa compreende não só um contínuo retorno às fontes de toda a vida cristã e à inspiração original dos institutos, mas também a sua adaptação às mudadas condições dos tempos" (n. 2).
O que significa nem arqueologismo, nem contemporaneidade a todo o custo, mas sim conversão ao presente, sem perder contato com o espírito das origens, renovação conjugada e medida na fidelidade, com a necessidade – quando se manifeste a necessidade – de abandonar algumas coisas, reequilibrar outras, empreender novas.
No afiado posfácio, o capuchinho Paolo Martinelli, bispo auxiliar de Milão, distingue entre "retorno às origens e recuperação da origem", lendo, na lembrança dos inícios, uma imagem fundamentalmente utópica e, na recuperação da origem, a busca contínua de um fundamento para hoje: "O nosso acesso aos inícios é sempre através do presente, da vida presente" (p 227).
Também são interessantes as questões que Bertolone convida a tomar em mãos depois do amadurecimento doutrinal – nem sempre plenamente recebida –, ocorrido principalmente com a exortação pós-sinodal Vita consecrata. Aqui, embora permanecendo fundamental o fundo eclesiológico que torna nítida a leitura da vida consagrada e determina o seu papel insubstituível na Igreja, valoriza-se a sua referência cristológica central e fundadora: "A profissão dos conselhos evangélicos está intimamente ligada com o mistério de Cristo, já que tem a função de tornar de algum modo presente a forma de vida que Ele escolheu, apontando-a como valor absoluto e escatológico. O próprio Jesus, ao chamar algumas pessoas a deixarem tudo para O seguirem, inaugurou esse gênero de vida" (VC 29).
Depois de 30 anos comprometidos em recolocar a vida consagrada dentro da Igreja, identifica-se o ponto decisivo da questão no seu perfil cristológico e, movendo a partir daí, ela se qualifica como um dos três estados de vida que constitui a seiva vital da Igreja. Não mais o estreito binômio clérigos-leigos, mas também a mais dinâmica e fundamentada tripartição clérigos-leigos-consagrados.
Ao mesmo tempo, Bertolone revisita a questão do estreito e indissolúvel vínculo entre batismo e profissão dos conselhos evangélicos. Muitas estradas interpretativas, até mesmo de autoridade, foram percorridas a esse propósito, e, talvez, hoje, chegou o momento de dizer novamente o caráter peculiar da vida consagrada, sem nada subtrair da plenitude da vocação batismal de cada cristão, tão peremptoriamente recordada pelo Vaticano II.
Uma operação que leva a reconhecer o "a mais" de cada estado de vida em relação aos outros e, portanto, a relatividade de todos em relação à plenitude do mistério de Cristo.
Além disso, as páginas dedicadas a comentar os parágrafos do Vita consecrata sobre a profecia, alinham o texto aos vibrantes discursos do Papa Francisco sobre a vida consagrada: não é a radicalidade, mas sim a profecia que é o seu específico. O léxico e a prática da profecia, da fidelidade à história e ao Evangelho que salva é o caminho seguro, que conecta o presente da vida consagrada ao seu futuro.
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A 50 anos da Perfectae caritatis: a força da ''profecia''. Artigo de Ugo Sartorio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU