Por: Cesar Sanson | 23 Março 2015
Após greve, eles têm alta salarial de 8% e auxílio-funeral, mas ganho é menor que em 2014.
Eram quase oito da noite da última sexta-feira no centro do Rio de Janeiro e a sensação era de fim de linha. Sentada em uma calçada em frente ao Ministério Público do Trabalho, a gari Cláudia Valeria da Silvia, de 42 anos, esperava o resultado de uma negociação entre a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e os representantes dos garis para encerrar uma greve que havia começado uma semana antes.
Em uma assembleia no dia 12, Claudia e a maioria de seus 15.000 colegas que cuidam da limpeza diária da cidade se negaram a aceitar a oferta da Comlurb de aumentar apenas 3% o salário inicial da categoria, de 1.100 reais, e manter o vale refeição a 20 reais diários. Pediram mais: um reajuste de 47,7% e vale a 27 reais. Votaram em uma assembleia deixar suas vassouras e uniformes de cor laranja de lado para tomar as ruas e gritar: “Ôôô, o gari acordou!”.
A reportagem é de Felipe Betim, publicada por El País, 22-03-2015.
Os garis cariocas, na verdade, “acordaram” há um ano atrás, no sábado de de Carnaval, quando entraram em greve pelos mesmos motivos. Naquela ocasião, a paralisação não foi apoiada pelo sindicato do setor; começou com a dissidência de um grupo de 300 garis, que não aceitou continuar com um salário base de 803 reais e um vale alimentação de 12. Uma “revolução laranja” explodiu sem que ninguém esperasse: mais de 70% dos garis aderiram a paralisação que, durante oito dias, deixou quase 20.000 toneladas de lixo acumuladas nas ruas do Rio.
Toda essa contaminação não impediu que grande parte da população respaldasse suas demandas. Os garis e seus uniformes laranjas são símbolos do Rio de Janeiro e considerados a imagem perfeita do trabalhador carioca: aquele que, apesar do trabalho duro e das dificuldades, mantém a irreverência, o sorriso no rosto e o samba no pé. Não à toa um gari abriu a apresentação do Brasil em Londres, as boas-vindas dos Jogos do ano que vem.
Durante aquela semana de Carnaval, se tornaram também símbolos de resistência. A pressão fez com que a Prefeitura subisse o salário base em 37%, a 1.100 reais (além do adicional de 40% de insalubridade sobre o salário a que têm direito), e aumentasse o vale refeição a 20 reais e outros benefícios (seguro de vida, plano odontológico, auxílio creche, entre outros).
“Não recebíamos um reajuste há três anos e o salário estava completamente defasado. Tinha muito companheiro passando necessidade”, lembra-se Claudia. Esta gari mora em Campo Grande, na zona oeste do Rio, e trabalha de segunda a sábado (além de dois domingos por mês) como varredora em Fazenda Botafogo, na zona norte. Para começar a sua jornada às seis da manhã, tem que sair de casa as quatro e pegar um trem e um ônibus. Seu turno de termina às 14h20 e, para voltar, são mais duas horas -quando não tem engarrafamento. “Mas é com esse trabalho que pago uma escola privada para meus dois filhos, de 13 e 10 anos. Não abro mão disso”, conta. Com os 600 reais que recebe de vale refeição por mês, compra comida para toda a família. “Levamos marmita de casa, todos fazem isso. E o supermercado ficou muito mais caro, todo mundo sabe que a inflação é muito mais alta que essa que dizem”.
Nivo embate
Este ano, no entanto, a Prefeitura se negou, em principio, a conceder qualquer tipo de aumento. Depois ofereceu 3%, abaixo da inflação anual de 7,7%. O mesmo coletivo grevista dissidente, liderado pelo varredor Célio Viana, e o sindicato se uniram então para demandar um aumento “digno” da administração do prefeito Eduardo Paes (PMDB). Em uma das negociações no Tribunal Regional do Trabalho, na última quarta-feira, a Comlurb propôs subir em 7,7% o salário e um auxílio funeral de 800 reais, mas manter o vale refeição a 20 reais; os grevistas pediram então 15% de acréscimo, mas insistiram em aumentar o vale a 27.
“Nós não queremos morrer, nós queremos comer!”, diziam vários garis em resposta ao aumento do auxilio funeral. Mais uma vez não houve acordo e um grupo de uns 200 garis saiu em passeata da sede do centro ao Copacabana Palace, um trajeto de oito quilômetros durante quatro horas. “Ei, prefeito, agora tu vai ver… A zona sul vai feder!”, anunciaram. Mas conforme entravam nos bairros do Flamengo, Botafogo e Copacabana, os moradores dessa zona de classe média da cidade paravam para tirar fotos, buzinavam seus carros, acenavam de suas janelas e piscavam as luzes de suas casas como sinal de apoio aos manifestantes. Estes respondiam: “Muito obrigado! Estou aqui pelo meu salário!”. Ao chegar ao hotel de luxo, fizeram uma oração e e acusaram os atuais governantes de querer jogar os prejuízos da corrupção e da crise nas costas dos trabalhadores. “Nós cuidamos dessa cidade maravilhosa, trabalhamos no Carnaval, no Natal, no Ano Novo… Sempre para deixá-la impecável. Queremos mais respeito, mais valor!”, afirmou Célio Viana no microfone.
Lixo nas ruas e tensão
Os garis, munidos com um carro de som, percorreram o Rio durante toda a semana (num movimento que alimentou a mobilização de outros varredores pelo país, como os de cidade de São Paulo, que prometem greve para esta segunda). Enquanto isso, toneladas de lixo se acumularam nos lugares mais pobres da cidade; na zona sul, em bairros como Copacabana e Botafogo, as ruas deixaram de ser varridas e varias lixeiras ficaram abarrotadas.
Ainda assim, a situação não se deteriorou como no ano passado. A Prefeitura ativou um plano de emergência e contratou uma empresa terceirizada para fazer a coleta do lixo domiciliar -os garis disseram ter visto menores realizando o trabalho enquanto eram acusados de ameaçar, inclusive fisicamente, quem furasse a paralisação. Em declarações à Rede Globo, o prefeito Eduardo Paes argumentou que a proposta original de subir apenas 3% do salário dos garis se deve ao alto reajuste do ano passado e citou a retração econômica. "Demos um aumento de quase 40%. Acho que o gari merece muito mais do que isso, mas temos que trabalhar dentro daquilo que é possível pagar."
Já a Justiça do Trabalho decretou que pelo menos 75% da categoria estivesse trabalhando. Os garis asseguram que a ordem foi cumprida, enquanto que para a Comlurb “somente 50% do efetivo operacional para limpeza e coleta” saíram as ruas “para realizar os serviços”.
A Justiça também considerou a greve ilegal por seu início não ter sido informado com 72 horas de antecedência. Um julgamento foi marcado para a próxima segunda-feira e, caso o juiz decretasse a ilegalidade da greve, o sindicato teria que pagar uma multa de 100.000 reais por cada dia de paralisação e os trabalhadores poderiam ser demitidos por justa causa. A pressão só aumentava.
“Essas experiências fazem parte da gente, são historias que vamos contar para os nossos netos”, dizia Claudia na última sexta-feira enquanto aguardava o fim da negociação sentada na calçada. Às nove da noite, as noticias: a Prefeitura decidiu subir o salário base em 8%, a 1.188 reais, concederia auxílio-funeral de 800 reais, mas não quis reajustar o vale refeição, a principal reivindicação da categoria. Se decidissem parar a greve, o julgamento da Justiça do Trabalho sobre a legalidade da greve seria cancelado e ninguém seria demitido.
Os garis cederam à pressão e decidiram voltar ao trabalho. Os ganhos foram menores do que em 2014, mas longe de desprezíveis num ano da retração econômica e demissões em alta no Rio. No ano que vem - de Olimpíadas e eleições municipais-, asseguram, voltarão com tudo. “Mas não queremos nos aproveitar de nenhum evento para conseguir um aumento. Só esperamos que nos valorizem”, afirmou Célio. Cláudia acrescentou: “Você acha que gosto de deixar de trabalhar? Claro que não. Mas se a Prefeitura não reajusta nosso salário no ano que vem, vai ter greve com certeza”.
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Nova vitória de garis do Rio de Janeiro mantém viva a 'revolução laranja' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU