18 Março 2015
Nem a caricatura de uma passeata inteira de banqueiros e golpistas nem a apaziguadora imagem televisiva do Brasil, heterogêneo, unido e de verde-amarelo contra corrupção. O retrato que as reportagens e os institutos de pesquisa, o Datafolha em São Paulo e pelo Index em Porto Alegre, revelam sobre domingo é um pouco mais complexo e nem por isso menos aterrador para a presidenta Dilma Rousseff. O que os números mostram é que há potencial de crescimento na onda anti-Governo, entre outras coisas, pelo "contágio afetivo" e potente das contundentes imagens dos últimos dias. Se juntarmos a análise do perfil de quem foi à marcha pró-Governo na sexta na avenida Paulista, o quadro piora mais. E, ao que parece, a primeira resposta de Brasília e de Dilma não tem como amainar essas insatisfações.
A reportagem é de Juan Arias, publicada pelo jornal El País, 17-03-2015.
Segundo o instituto Datafolha, 82% dos que foram à passeata de centenas de milhares na Paulista no domingo votou no candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB). Quase metade deles (47%) disseram ter se motivado pela luta anticorrupção enquanto menos de um terço (27%) disseram defender o impeachment da presidenta. Disseram ganhar mais de dez salários mínimos 41% do entrevistados.
Em termos de renda, um panorama bastante parecido emergiu na medição do instituto Index, em Porto Alegre, que monitorou a grande passeata de estimados 100.000 na capital gaúcha _40,5% disseram receber mais que dez mínimos_ e se conhece a correlação entre o dado e eleitores de Aécio. Sobre Curitiba se pode dizer algo semelhante.
Esse contingente provavelmente já sensibilizado pela campanha opositora no ano passado, e com um núcleo antipetista consistente ao menos em São Paulo, só encontrou mais motivação e discurso com o tarifaço do começo de janeiro e o desfile de tragédias da estatal Petrobras e seu enorme escândalo de corrupção entre janeiro e fevereiro.
Mas, provavelmente, nesse grupo, ainda está subrepresentado o eleitorado que votou em Dilma, mas a classificaram de mentirosa por aplicar um ajuste fiscal que não foi adiantado na campanha (vide as vaias que a presidenta recebeu no evento em São Paulo). São os que começam a sentir e a reclamar dos efeitos da estagnação econômica e da inflação.
O que os números mostram é que há potencial de crescimento na onda anti-Governo, entre outras coisas, pelo "contágio afetivo" e potente das contundentes imagens dos últimos dias
A isso se soma o resultado do Datafolha sobre a marcha pró-Dilma na av. Paulista na sexta, com o núcleo mais organizado da base petista: centrais sindicais e movimentos sociais consolidados, como o MST. Para 25%, maior percentual entre os medidos, o motivo de ter ido às ruas foi defender os direitos trabalhistas, ou seja, para tentar resistir a parte das medidas que fazem parte do pacote de arrocho fiscal (entre elas, mudanças na pensão por morte e no seguro desemprego).
"A pergunta não é apenas sobre quem estava nas ruas ontem, mas sobre todos que temos ouvido falar nas ruas, nos bares, nos ônibus nessas últimas semanas. Há muita gente que não está mobilizada (ainda), mas está participando desta onda anti-Governo", escreveu Rodrigo Nunes, professor da PUC-Rio que analisou os protestos de junho de 2013. "Contágio afetivo é exatamente isso: uma participação que necessariamente precede uma adesão refletida e deliberada."
Insatisfação
Agora Dilma discute o que pode fazer para tentar aplacar a resistência nessa parte dos governados que já foi às ruas no domingo, e que poder fazê-lo de novo em abril. Aqui a palavra importa: governados. não adianta falar de eleitorado, como fez o ministro Miguel Rossetto (Relações Institucionais), e esse é um dos ruídos causados pela retórica do Planalto, que ainda ressoa a campanha.
Com a legitimidade avariada por uma eleição apertada, espera-se uma ação mais programática, que reconheça concretamente a força das manifestações de domingo e contemple algo do que estão pedindo. Mas isso é o que? Provavelmente, apenas o pacote anticorrupção não bastará.
A presidenta Dilma, apesar de todo o ensaio de flexibilidade e citações a humildade, deixou transparecer desconfiança de que é possível, de fato, atender aos que protestam contra ela. "Você só pode abrir diálogo com quem quer abrir diálogo também. Com que não quer abrir diálogo você não tem como abrir diálogo", repetiu-se.
Agora Dilma discute o que pode fazer para tentar aplacar a resistência nessa parte dos governados que já foi às ruas no domingo, e que poder fazê-lo de novo em abril. Aqui a palavra importa: governados. não adianta falar de eleitorado
Dilma e parte do Governo parecem estar inclinados a acreditar que lida com um sentimento difuso contrário a ela e a seu partido difícil de conter, a despeito. Algo que parece ter, na visão de parte dos petistas, relação com o que o ex-ministro do Governo tucano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, disse em entrevista à Folha de S. Paulo: um ódio de classes de cima para baixo. Na análise completa do ex-ministro, parte da responsabilidade é do próprio Governo, já que um combustível para o sentimento é a falta de crescimento econômico que teria dinamitado o pacto sócioeconômico dos governos do PT.
Nunes, da PUC-Rio, e Pablo Ortellado, da USP, estão entre os que tentam entender a composição social das manifestações de junho de 2013 e as de agora para encontrar matizes.
André Singer, também da USP, vê a volta da direita com força às ruas pela primeira vez desde a redemocratização. Antes, em um artigo já clássico sobre os protestos de junho, Singer afirmou que um baixo proletariado com maior grau de instrução que seus pais foi às ruas em junho de 2013, uma espécie de vanguarda da nova 'Classe C' (e que talvez esteja sendo afetado pelas mudanças no FIES), é um público "em disputa". Pelos números do Datafolha, essa faixa ainda não foi às ruas majoritariamente.
Vários analistas já apontaram que há uma disposição maior em se definir publicamente como de direita, algo que ainda teria certo atraso para ser refletido inteiramente no sistema político. Até pouco tempo, como demonstraram as pesquisas do brazilianista Timothy Power, da Universidade de Oxford, pouquíssimos parlamentares se definiam como de direita no Brasil. Uma viragem se aproxima, com a quebra do consenso social e político no qual foi escrita a Constituição de 1989, em meio a um triênio de estagnação?
Ortellado vê uma tensão entre a direita ainda minoritária institucionalizada em partidos e o "ativismo de direita", como o Movimento Brasil Livre e o Vem Para Rua, mais afinados com o discurso sobre a falência dos partidos. Nas manifestações de domingo, os políticos que tentaram ter protagonismo foram rechaçados.
Para o professor Nunes, há que se separar, na análise, uma pauta socialmente conservadora de uma defesa de políticas mais à direita, com privatizações e críticas aos programas sociais. No caso das primeiras, que inclui bandeiras como a redução da maioridade penal por exemplo, há alimentação ativa "em programas de rádio e TV, igrejas", diz ele.
"Não é que essas pessoas tenham subitamente se descoberto a favor do estado mínimo e das privatizações. Mas elas estão sentindo uma série de coisas, que vão da deterioração do quadro econômico à frustração cotidiana com os serviços públicos e com a insularidade do sistema político, e há uma narrativa vaga que diz para eles: 'o nome disso que vocês estão sentindo é corrupção, é PT etc.'", escreveu Rodrigo Nunes.
O escândalo da Lava Jato, os problemas de gestão na Petrobras combinados com alta de preços e impostos são combustível para o quadro. "Essa narrativa oferece não só a perspectiva de uma gratificação imediata [...] como a possibilidade de uma vez mais estar participando de algo coletivo, de sentir novamente aquela sensação de pertencer a uma força maior, capaz de meter medo nas autoridades."
Segundo o Datafolha, 74% foram às ruas pela primeira vez no domingo. Se a análise acima está certa, não será difícil convencê-los a voltar.
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Perfil de manifestante, mais rico e anti-PT, é má notícia para Dilma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU