13 Março 2015
Ela finalmente chegou lá – aos 54 anos, e depois de várias indicações para o Oscar, Julianne Moore ganhou o prêmio da Academia. O ano passado foi glorioso para a atriz. Em Cannes, em maio, já recebera o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, outorgado pelo júri presidido pela cineasta neozelandesa Jane Campion. Julianne ganhou por seu papel em Mapa para as Estrelas, o filme de David Cronenberg sobre os bastidores de Hollywood.
Cronenberg dissecou a indústria, mas, depois, recuou e disse que o filme não era sobre Hollywood, mas era o seu Lobo de Wall Street – O Lobo de L.A.?
O comentário é de Luiz Carlos Merten, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 12-03-2015
Há quase um ano, todo mundo dava como certo que Julianne voltaria ao Oscar, mas não foi pelo Cronenberg, e sim por seu papel em Para Sempre Alice.
Duas grandes interpretações premiadas em diferentes foros e um sucesso comercial (a franquia Jogos Vorazes), tudo isso no mesmo ano?
Há tempos que Julianne vinha numa trajetória errática, alternando bons e maus filmes, como se tivesse perdido a capacidade de escolha e discernimento. Aliás, houve algo curioso nesse Oscar. Eddie Redmayne foi o melhor ator do Oscar por A Teoria de Tudo, mas ele também poderia ter vencido fácil a Framboesa de Ouro como o pior (ator) por O Destino de Júpiter. Julianne, a melhor por Para Sempre Alice, poderia ser também a pior – uma das piores – pela bruxa de O Sétimo Filho, baseado na série de livros, que estreia nas próximas semanas. Que diabos anda acontecendo com a Academia? É a consagração de um conceito – a interpretação para ser premiada.
Prova disso é que Julianne ganhou todos os prêmios importantes do ano por Para Sempre Alice – Oscar, Globo de Ouro, SAG Award, Bafta, Spirit –, mas o filme não foi indicado para nada mais, nem foi particularmente elogiado pelos críticos, exceto no quesito interpretação, e da protagonista.
Adaptado do livro de Lisa Genova, conta a história de Alice Howland, uma linguista respeitada, que é diagnosticada precocemente com o mal de Alzheimer, aos 50 anos. Em geral, a doença aparece mais tarde. Para Alice, aparece num momento em que está no auge. De cara, logo no começo, ela sai para correr e perde o caminho de volta. É uma forma de introduzir o drama, mas ao mesmo tempo o fato carrega, em si, significados metafóricos, sendo o retorno ao lar, como é, um dos temas essenciais (com a segunda chance) do cinema de Hollywood.
A partir daí, Para Sempre Alice movimenta-se em duas frentes, íntima e dramaturgicamente relacionadas. Alice e o marido, interpretado por Alec Baldwin, preocupam-se com a possível herança genética para as filhas (Kristen Stewart e Kate Bosworth, particularmente boa), ela teme interromper a carreira e parar de lecionar. Tudo isso é bastante doloroso, e existe ainda a deterioração do quadro clínico.
Como espectadores, não somos poupados de nada pelos diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland. Eles não parecem particularmente dotados. Apoiam o filme nos diálogos, sem fazer do dinamismo das palavras (das conversas) o centro de sua mise-en-scène. Ou seja, não são grandes diretores/dialoguistas, como o célebre Joseph L. Mankiewicz, de A Malvada. São mais medianos, e o que ajuda (salva?) é Julianne.
Fernando Meirelles, que a dirigiu em Ensaio Sobre a Cegueira, gosta de dizer que ela é o tipo da atriz focada. Na hora de filmar, transmuta-se e vira a personagem. Mas não faz o tipo obsessivo, neurótico, que fica o tempo todo na pele das figuras que cria. Por isso mesmo, por maior que seja o mergulho no interior das personagens, a experiência humana de Alice, sua degradação que não é só mental, mas física, não é só um trabalho de interpretação de Julianne, mas envolve também maquiagem e figurinos.
Julie Anne Smith, que se tornou conhecida como Julianne Moore, nasceu em Forth Bragg, North Caroline, em 1960. De pais ingleses e norte-americanos, graduou-se em teatro na Boston University e iniciou a carreira como atriz na TV. Já tinha pelo menos quatro anos de muita atividade, em cinema e televisão, quando, em 1993, houve o estouro de Short Cuts – Cenas da Vida, de Robert Altman. No ano seguinte, ampliou seu prestígio com o papel em Tio Vânia em Nova York, de Louis Malle, que terminou sendo o último filme do diretor. Desde então, Julianne alternou uma carreira comercial em Hollywood com obras de maior ambição estética, que a transformaram numa das favoritas do público do circuito de arte. Para Sempre Alice foi sua quinta indicação para o prêmio da Academia. Mãe de dois filhos, além de atriz, Julianne é consagrada autora de livros infantis. Isso talvez a tenha tornado particularmente suscetível ao drama de Alice, que vai perdendo a memória e a capacidade de articulação das palavras.
No Oscar, fez um agradecimento particularmente belo para o marido, Bart Freundlich, pai de seus filhos. Agradeceu-lhe por que Bart lhe deu um lar. Para bom entendedor, foi o que bastou. Julianne teve um casamento anterior com John Gould Rubin, que também era ator e desistiu da carreira, justamente no momento em que a dela decolava. No complicado processo de divórcio, ele foi à Justiça dizendo que a carreira da mulher era patrimônio do casal e exigiu tudo – pensão, indenização. Um inferno que Julianne Moore levou tempo para superar.
Doença tem sido tema de obras marcantes
Julianne Moore levou seu Oscar por Para Sempre Alice. Julie Christie quase repetiu seu prêmio da Academia por outra mulher que sofre de Alzheimer em Away From Her. Premiada em 1965 por Darling, a Que Amou Demais, de John Schlesinger, Julie virou uma estrela internacional, e um ícone dos anos 1960, como a Lara de Dr. Jivago, de David Lean. Nas décadas seguintes, tornou-se uma atriz bissexta, participando de poucos filmes. Em 2006, o papel de Fiona Anderson em Longe Dela lhe valeu 20 prêmios de associações de críticos nos EUA e na Inglaterra. Ela também foi indicada para o Oscar, o Globo de Ouro, o Bafta, o Spirit, mas não ganhou nenhum.
Como cinema, o filme de Sarah Polley é melhor do que o da dupla Richard Glatzer/Wash Westmoreland, que assina Para Sempre Alice. Sarah, ela própria atriz, conta a história dessa mulher que, após 44 anos de casamento, começa a desenvolver os sintomas de Alzheimer. Internada num clínica, ela não tem consciência do que ocorre com sua memória, mas, para o marido, o efeito é devastador, principalmente quando ele vê a mulher se ligar a um outro paciente.
O grande diferencial de Para Sempre Alice é que a linguista interpretada por Julianne é diagnosticada precocemente com a doença aos 50 anos, e o mesmo ocorreu com um dos diretores, Glatzer, que não deixa de estar exorcizando o que sabe que vai ocorrer com ele. Considerando-se o tom até autobiográfico, é uma penas que o filme não seja intenso nem visceral como poderia ser.
Outro foco no Alzheimer de uma pessoa idosa foi proporcionado pelo austríaco Michael Haneke em Amor. O filme venceu a Palma de Ouro em Cannes e os Oscars de filme estrangeiro e roteiro. Interpretado por Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, virou um sucesso planetário, mas longe de ser uma unanimidade. O inferno de um casal quando a mulher sofre de Alzheimer é mais sobre a misantropia do diretor do que sobre a doença.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Julianne Moore apresenta o doloroso universo do Alzheimer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU