30 Janeiro 2015
No gelo dos lager nazistas de Auschwitz-Birkenau andou em cena a passarela das vaidades políticas, dos caprichos. A restituir justiça pensaram nisso os aproximadamente 300 sobreviventes ao extermínio, chegados de 17 países. Alguns fizeram ouvir a voz rasgada do choro, da emoção e da recordação, os únicos a fazê-lo. Para não esquecer, jamais.
A reportagem é de Pierfrancesco Curzi, publicada por Il Fatto Quotidiano, 28-01-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Chefes de Estado e representantes de 38 países baixaram a cabeça, emudecidos diante do Muro da Morte, entre os Blocos 10 e 11 do campo de concentração; diante da Porta do Inferno e da Judenrampe, onde foi preparada a enorme tenso-estrutura para acolher todos os hóspedes. A platéia dividida em dois setores, em meio ao binário que há 70 anos acolheu de toda a Europa os comboios carregados de vítimas sacrificais. Política com a cabeça alhures, cada um com as próprias mazelas domésticas.
O presidente francês Hollande com a ferida fresca dos ataques terroristas e o líder polaco Bronislav Komorowski, dono de casa, o único que falou ontem, apertado entre a cunha e o martelo da crise ucraniana. A Auschwitz chegou o presidente da ex-república soviética, Petro Poroshenko, e, a fazer mais rumor, além dos forfaits de Barak Obama e de Angela Merkel, foi a ausência de Vladimir Putin, oficialmente irritado pela presumida falta de convite. Precisamente a Rússia, na época União Soviética, que o campo libertou precisamente aos 27 de janeiro de 1945.
Para a Itália, à tarde, depois de ter deixado a sala de Montecitorio, chegou o presidente do senado Pietro Grasso. Visitas turísticas suspensas no dia da memória. O mega-estacionamento diante do campo principal está desoladamente vazio. Acesso interdito a todos, principalmente em Birkenau, onde à tarde se desenvolveu a cerimônia solene. Fora, desde o início do dia, centenas de agentes de polícia vigiam cada recanto de rua em torno da área, já desde a estação de Oswiecim.
O documentário de Steven Spielberg
A neve caiu por longo tempo, timidamente, procurando apoiar-se sobre as placas de gelo fruto da grande nevasca de domingo passado. O que tornou a atmosfera duríssima foi o vento gélido que varreu a esplanada dos lager. Décima primeira prova, se fosse necessária, das inenarráveis penas sofridas pelas vitimas do extermínio e da Endlosung, a solução final. A Auschwitz voltou Steven Spielberg, regista de Schindler’s list, e solicitou “Prestar atenção aos perigos da crescente intolerância perante as minorias”. O documentário produzido pelo regista americano, simplesmente Auschwitz, narrado por Meryl Streep e projetado ontem durante a cerimônia, fez a todos subir um nó na garganta. Kazimierz Albin, sobrevivente, foi um dos 300 que, em quase quatro anos de atividades, dos campos da morte conseguiram fugir. Foi ele que indicou o minuto de silêncio por todas as vítimas, interrompido pelos aplausos dos presentes. O campo de Birkenau se encontra a apenas cinco quilômetros de Oswiecim, onde ontem a vida transcorreu como num dia normal.
O país que não suspeitava de nada.
O tranquilo centro da Silésia quase não se deu conta do carrossel de viaturas blindadas e das dezenas de delegações que chegavam. Lojas abertas, gente sentada nos cafés e nos restaurantes, gastando, conversando fora apesar do frio. Uma comunidade habituada ao triste ritual. De resto, com o tempo, o povo de Oswiecim foi mantido na obscuridade daquilo que acontecia ali perto e somente no final do incumbo os habitantes se lançaram até o fundo nos reticulados da morte, primeiro curiosos e depois horrorizados. Não faltaram os gestos heróicos, habitantes que ajudaram os desvalidos dos campos de extermínio abandonados sorrateiramente pelos alemães em fuga, mas nem sequer os atestados de indiferença. Ontem, na imprensa polaca, o evento comemorativo enchia muitas primeiras páginas, mas alguns cabeçalhos preferiram abrir com outras notícias: “Os polacos, os habitantes da Silésia, de Oswiecim, de Katowice e assim por diante, afirma Josef Krzyk, jornalista da gazeta Wyborcza, o primeiro jornal do país – tiveram que chorar pelas vítimas do seu Holocausto, quando às dezenas de milhares foram deportados ao gulag siberianos de Stalin. Não tiveram suficientes lágrimas para chorar também pelos outros. A cada um sua própria tragédia”.
“Não deixem que ainda aconteça”.
O evento se encerrou com a tocante cerimônia das Velas e a neve voltou a cair copiosamente. Os sobreviventes deixaram Auschwitz, talvez pela última vez, os líderes mundiais escaparam às pressas para voltar o mais rapidamente aos seus respectivos estados. Ainda ressoa a admoestação deixada por Ronald Lauder, líder do Congresso Hebraico mundial: “Não deixem que ainda aconteça!” À luz de tudo quanto aconteceu após a Shoah – Bósnia, Ruanda, Guatemala, Camboja, Kurdistão, etc. – e quanto está acontecendo em Darfur, ou na Nigéria, se, trata de uma admoestação caída no vazio.
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Auschwitz: no pranto dos sobreviventes o gelo da memória - Instituto Humanitas Unisinos - IHU