15 Janeiro 2015
Os médicos espanhóis vão pedir às famílias estrangeiras procedentes de países nos quais se pratica a ablação, principalmente os da África subsaariana, que se comprometam por escrito a não submeter suas filhas à mutilação genital quando viajarem para seus lugares de origem.
A reportagem é de Raquel Vidales, publicada pelo jornal El País, 14-01-2015.
Se os pais não assinarem, poderão comunicá-lo aos serviços de proteção de menores e à promotoria para que estudem medidas cautelares.
Essa é uma das principais medidas incluídas no protocolo que o Ministério da Saúde e as comunidades autônomas aprovarão amanhã no Conselho Interterritorial de Saúde, que os profissionais de saúde de toda a Espanha deverão aplicar para detectar, tratar e evitar a mutilação genital feminina.
O documento, a que "El País" teve acesso, inclui tanto medidas terapêuticas quanto preventivas. Por um lado, explica todas as sequelas físicas que a ablação pode causar e como agir diante delas (por exemplo, durante um parto), e por outro o que se deve fazer quando aparece um caso de risco.
"É o primeiro protocolo comum contra a ablação aprovado na Espanha, e o consideramos necessário porque a imigração fez que esse problema não seja mais exclusivo da África. Aqui também existe e somos obrigados, como manda a ONU, a visibilizar e atuar contra qualquer forma de violência contra a mulher", salienta Blanca Hernández, delegada do governo para a violência de gênero. Na Espanha, a mutilação feminina é considerada um crime de lesão corporal desde 2003.
Cerca de 17 mil meninas de zero a 14 anos residentes na Espanha correm o risco de ser submetidas à ablação, sobretudo quando visitam seus países de origem, segundo o documento. É o dado mais aproximado que se pode fazer sobre a incidência dessa prática.
"É um tema tabu, as mulheres não querem falar a respeito, por isso só um profissional de saúde pode constatar se há mutilação, com um exame. Mas não há qualquer registro médico no mundo que inclua o dado real de mulheres mutiladas, por isso só podemos calcular a população de risco", destaca Julia Pérez, presidente da União de Associações Familiares (Unaf), organização que colaborou na elaboração do documento. "Por isso é importante esse protocolo. Sobretudo porque se concentra no âmbito da saúde, que é onde se pode fazer um registro de cada caso e trabalhar diretamente na prevenção", acrescenta Pérez.
Quando um médico ou pediatra atender a uma menina do grupo de risco, o protocolo estabelece que deverá realizar um exame dos órgãos genitais (incluído nas revisões pediátricas obrigatórias). Se ele detectar que há mutilação, deverá registrar no histórico clínico, tentar averiguar se foi realizada antes que a menor chegasse à Espanha e comunicar aos serviços de proteção de menores. Se não houver, também deverá registrar e realizar revisões de acompanhamento. Além disso, deverá ativar o programa de prevenção, que começa com a criação de uma relação de confiança com a família para poder desenvolver uma conscientização gradual. "É um trabalho que leva muito tempo. A ablação é uma tradição muito arraigada, e a pressão da família que fica no país de origem é muito forte, não é fácil convencê-la de que é prejudicial para suas filhas", adverte a presidente da Unaf.
O momento crítico nesse trabalho de prevenção é exatamente a realização de uma viagem aos países de origem, pois são raras as intervenções realizadas na Espanha. Por isso o protocolo recomenda que os médicos estejam atentos diante dessas viagens e intensifiquem a atividade preventiva com os pais.
"Será oferecida informação à família sobre consequências para a saúde, consequências legais, etc. Depois será proposta à família a assinatura de um compromisso preventivo para que os pais possam utilizá-lo na viagem a seu país como elemento de apoio em sua decisão de que suas filhas não sejam mutiladas", explica o documento. Isso pode ajudá-los a justificar sua negativa diante das famílias e poderá evitar casos como o de um casal de Gâmbia residente na Espanha cujas duas filhas, de 7 e 3 anos, foram mutiladas durante as férias em 2006. A Audiência Nacional absolveu os pais por considerar que o crime foi cometido sem o consentimento deles, pois foi a avó das meninas quem o praticou.
Se os pais não assinarem, "o profissional de saúde pode comunicar à entidade pública de proteção de menores e ao Ministério Público, que poderão acionar o processo para a adoção de medidas cautelares para evitá-lo", prossegue o texto.
O compromisso preventivo é voluntário e não garante que a menina não seja mutilada no país de origem, mas é um instrumento que os especialistas consideram muito útil, como já se demonstrou na Catalunha, em Aragão e Navarra, as três únicas comunidades que têm um protocolo médico contrata a ablação.
A Catalunha, que foi pioneira na aprovação do protocolo em 2007, é exatamente a comunidade com maior população de risco. Com mais de 70 mil estrangeiros de países nos quais se pratica a ablação, ali se concentra um terço das mulheres em risco. É seguida por Andaluzia, Madri, Comunidade Valenciana e Aragão.
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Espanha exigirá que famílias africanas renunciem por escrito à mutilação genital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU