09 Janeiro 2015
A dura realidade se impôs ao governo nesta quarta-feira: o desafio de conciliar o compromisso com a redução dos gastos públicos e expansão da sua atuação em áreas consideradas prioritárias, como a educação.
O Ministério do Planejamento anunciou nesta manhã um corte provisório de R$ 1,9 bilhão por mês o que significaria uma economia anual de R$ 22,7 bilhões. Esses valores podem mudar após o Congresso aprovar o orçamento deste ano.
A reportagem é de Mariana Schreiber, publicada por BBC Brasil, 09-01-2015.
O contingenciamento anunciado hoje é resultado de um corte linear nas despesas de custeio consideradas não obrigatórias de todos os ministérios. Ou seja, a previsão inicial para esses gastos foi reduzida em um terço em todas as pastas. Como o Ministério da Educação é o que tinha o maior valor previsto, sofreu o maior corte R$ 7,042 bilhões.
Vale destacar que há três categorias de gastos no orçamento da União: as despesas obrigatórias (em sua maioria salários de servidores e aposentadorias), as despesas de custeio para manutenção da máquina pública (luz, água, equipamentos, passagens aéreas, etc) e os investimentos.
Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal também prevê alguns tipos de gastos que não podem sob hipótese alguma ser contingenciado, como merenda escolar, procedimentos médicos de alta complexidade e o pagamento da dívida pública.
O secretário executivo do Movimento de Educação de Base, padre Gabrielle Cipriani, questiona a necessidade dos cortes.
"Isso é um problema grave. Temos a impressão de que estão sendo feitos cortes como se a situação do Brasil fosse tão emergencial que o país estivesse indo água abaixo", disse.
"A gente gostaria que esses cortes fossem feitos com cuidado, considerando o que é mais importante. A educação hoje é básica para que o país possa retomar o desenvolvimento", defendeu.
'Pátria educadora'
Governo terá desafio de expandir atuação em áreas consideradas prioritárias com menos dinheiro
Mesmo se concretizado o corte de R$ 7 bilhões no custeio do Ministério da Educação, a pasta continuará com o terceiro maior orçamento dos 39 ministérios (R$ 101,3 bilhões), atrás de Saúde (R$ 109,3 bilhões) e Previdência (R$ 450,7 bilhões).
Proporcionalmente ao total do orçamento previsto para cada pasta (somadas despesas obrigatórias, custeio e investimento), o decreto publicado hoje prevê que 16 ministérios terão contingenciamentos maiores que o da Educação. Os maiores cortes proporcionais estão previstos para as secretarias da Micro e Pequena Empresa (24%) e da Igualdade Racial (23%) e os ministérios da Pesca (21,5%) e Turismo (19%).
No caso da Educação, o corte de R$ 7 bilhões equivaleria a 7% do gasto total previsto.
Questionado pela BBC Brasil sobre o impacto dos cortes na pasta, o Ministério da Educação respondeu que isso ainda está sendo avaliado.
Em seu discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff indicou que vai priorizar a área em seu segundo mandato ao adotar o lema "Brasil, pátria educadora" em complemento ao atual slogan do governo federal "Brasil, país sem miséria".
"As intenções da presidente são uma coisa e o contexto em que a presidente se encontra nesse segundo mandato é outro, como se vê especialmente pela nomeação de pessoas ligadas ao setor financeiro (na equipe econômica)", observou Cipriani.
"Eu não digo que eles querem fazer um desastre, mas eles olham o país a partir de outro ponto de vista que é o ponto de vista dos bancos e das grandes empresas", disse.
Ceticismo
Os cortes anunciados hoje, porém, podem sofrer modificação. O contingenciamento definitivo só será anunciado após o orçamento proposto pelo governo para este ano ser aprovado pelo Congresso. Até lá o governo é autorizado a gastar por mês até 1/12 do que está previsto como despesa de custeio. Foi esse limite que foi reduzido em um terço no decreto publicado nesta quinta-feira.
O especialista em contas públicas Mansueto Almeida é cético sobre o cumprimento desses cortes. Economista licenciado do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ele escreveu hoje em seu blog que o o reequilíbrio das contas públicas terá que vir de mais impostos, cortes nos investimentos e redução de despesas permanentes, como as mudanças anunciadas recentemente no pagamento de pensões e seguro-desemprego.
Relembrando o que ocorreu em anos passados, Mansueto observa que a forma mais rápida com que o governo consegue cortar gastos é reduzindo os investimentos. Já os contingenciamentos de gastos de custeio não costumam ser cumpridos "porque mais cedo ou mais tarde os órgãos públicos precisam pagar as contas." Assim, o contingenciamento "é muito mais atraso de pagamentos", ressaltou.
O economista manifestou "grande confiança na equipe econômica atual", mas disse que "contingenciamento não é ajuste fiscal".
"Infelizmente, não vejo como Dilma 2 pode pagar a conta dos excessos de Dilma 1 sem aumentar carga tributária e voltar atrás de desonerações dadas ao setor produtivo", acrescentou.
Os contingenciamentos de despesas visam o cumprimento da meta de economizar o equivalente a 1,2% do PIB deste ano - o chamado superávit primário - para pagamento de juros da dívida pública. Em 2014, o governo não conseguiu alcançar o objetivo.
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Ajuste fiscal x 'pátria educadora': entenda os cortes anunciados pelo governo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU