Por: Jonas | 18 Dezembro 2014
Foi especial a homenagem que aconteceu, ontem à noite, no Colégio Maior Chaminade. O protagonista, o professor José María Castillo (foto), admitiu, a partir de perguntas de seus póximos, que no último mês de agosto recebeu “uma carta do Papa, que foi escrita, até no envelope, de seu punho e letra”. “Perdi você nos anos 80, e agora volto a encontrá-lo”, anunciou, emocionado, o pai da Teologia Popular.
Fonte: http://goo.gl/0MalvK |
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 28-11-2014. A tradução é do Cepat.
Décadas após ser condenado, sem provas, nem julgamento, pela Doutrina da Fé, o próprio Pontífice é quem – como fez recentemente com Gustavo Gutiérrez – advoga por sua necessária reabilitação.
“Ele precisava me conhecer quando era provincial dos jessuítas na Argentina, e o no último mês de abril, por meio da jornalista Elisabetta Piqué, enviei-lhe meu livro ‘La Laicidad del Evangelio’ - explicou Castillo -. Um dia, em agosto, chegou-me uma carta do Papa, que foi escrita, até no envelope, de seu punho e letra. E ali me dizia: ‘Padre José María Castillo...’. Poderia ter poupado isso, porque não há mais pai que Deus (brincou). E na carta me disse: ‘Perdi você nos anos 80, e agora volto a encontrá-lo’. Disse-me que lhe dei muita alegria, e ‘peço-lhe que reze por mim, como eu rezo por você’, e termina com um grande abraço”.
“São algumas palavras breves, mas de seu punho e letra. Isso, colocado dessa maneira, para mim representa muitíssimo. Por isso, gostaria de poder falar com ele”, ressaltou Castillo, que defendeu o Papa Francisco como “um dos homens mais influentes do mundo”, que utiliza essa influência para mudar as coisas para todos. “O mundo, por sua vez, vislumbra para onde vai Francisco, que possui uma humanidade, proximidade, saber estar e firmeza que serve para todos nós como exemplo”.
Em relação ao futuro da Igreja, Castillo reivindicou, e acreditamos escutar ao próprio Papa, “recuperar o quanto antes um governo sinodal na Igreja, que toda a gestão do governo não fique centrada em Roma. Ir retirando poderes da Cúria, passando-os para as conferências episcopais, e que estas procedam como no primeiro milênio, até a reforma gregoriana, em que as decisões eram tomadas pelos sínodos”.
“O quanto antes se fizer isto, já estará dando passos que vejo que será difícil que tenham retrocessos, muito decisivos. Não é o caso de tirar poder do papado, mas, sim, de redistribuir seu poder, fazer a tarefa mais compartilhada, mais internacionalizada...”, insistiu Castillo.
Após a carta do Papa, o teólogo confessou que “gostaria de poder falar com ele um pouquinho, mesmo que fossem apenas dez minutos. Ficaria nervoso, mas iria agradecê-lo pelo bem que está fazendo e pediria, em nome de tanta gente que espera muito dele, que não se canse, que siga adiante, durante todo o tempo que sua saúde permitir. E que não venha com renúncias agora!”.
O ato se iniciou com algumas breves palavras do editor de Desclée, Manuel Guerrero, que admitiu que conhece José María “desde antes que ele tenha conhecimento: fiquei arrebatado e apaixonado por sua mensagem”, e apresentou os últimos livros de seu autor: La laicidad del Evangelio, Teología Popular e La Religión de Jesús. “Estes livros trazem oxigênio para você, lança você para trás tranquilo, no assento, liberta-o... Eu quero disto”.
De sua parte, o diretor de Religión Digital, José Manuel Vidal, disse que “somos muitos os que admiramos, queremos, seguimos e devemos muito a José María Castillo”. Em sua intervenção, o jornalista, que se autodefiniu como “seguidor, discípulo e amigo” do homenageado, apontou Castillo com três palavras: “Alimento, pontífice e primavera”.
Alimento, porque Castillo é “um grande teólogo, que tem uma grande obra, mas que, mais do que isso, sabe transmiti-la”. “Sua teologia é capaz de dialogar, de igual para igual, com os grandes pensadores, mas também com a virtude de poder se conectar com a gente simples. Uma teologia clara, fecunda, informativa e ao alcance de qualquer um”. “Esta é a Teologia de Francisco. Ele não é teólogo, nem um divulgador. Bebeu sua teologia de teólogos e pensadores como Castillo e muitos outros. O Papa leu Castillo, que esteve muito perto do Papa, e foi uma de suas claras referências”, apontou Vidal, antes que o teólogo falasse da carta do Papa.
Como pontífice, Vidal destacou o caráter de “estendedor de pontos” de Castillo. “Há anos, nas universidades, e também na Internet”. De seu “púlpito” em Religión Digital, o teólogo é seguido, diariamente, por mais de 23.000 pessoas. “Há pouquíssimos teólogos tão decisivos”.
Finalmente, “parteiro da primavera”. “Se hoje estamos onde estamos, é porque muita gente como ele sofreu muito nestes anos. Ele foi castigado, proibiram-lhe de ensinar sem motivo, sem julgamento, sem razão e sem explicação. Pretenderam silenciá-lo, mas não conseguiram. Quiseram afogá-lo, e também não conseguiram. Continuou com sua denúncia profética, incansável em sua militância. Disse o que sempre disse, sem virar a casaca. Devemos-lhe ao menos parte desta primavera. Hoje é possível porque muitos destes teólogos não deixaram que se perdesse a herança do Concílio Vaticano II”. Vidal concluiu reivindicando “que se reconheça o trabalho de Castillo e de tantos parteiros da primavera (aplausos). Que sejam reabilitados pública e solenemente por parte desses mesmos organismos, vaticanos ou espanhóis, pelo qual foram condenados. Boff, Sobrino, Kung, Gutiérrez... Nomes nossos: Forcano, Estrada, Pikaza, Marciano Vidal, Faus, Queiruga, Pagola... e, é claro, nosso Castillo”.
“O Papa já está fazendo isso. Há poucos dias, víamos a foto do Papa com Gustavo Gutiérrez. Esta foto é todo um poema. Atreveria-me a pedir ao Papa que avance um pouco mais. Que seja devolvida a Castillo sua honra e sua glória”.
O filósofo Reyes Mate, por sua parte, definiu Castillo como “uma pessoa livre”, e seus livros “correspondem perfeitamente à pessoa. São livros livres de uma pessoa livre, o que é uma raridade em um teólogo, que costuma ser obrigado a levar em conta tantas coisas, que ao final anula sua liberdade”.
Em seus livros, “Castillo realiza uma inteligente estratégia, que consiste em voltar às fontes, aos Evangelhos”. Porque, como disse o teólogo, “Jesus não veio fundar uma religião, mas, sim, é o anunciador de uma promessa ou uma esperança”.
Além dos evangelhos, vale-se dos testemunhos, e também do próprio Francisco, cuja atuação, na opinião de Reyes Mate, “não é uma reforma a mais, mas, sim, uma autêntica mudança de rumo”. Para o filósofo, o papel de Castillo “é necessário em um momento em que as convenções estão se dissolvendo e as pessoas se perguntam para onde ir”.
Também o papel do Papa, cuja “mudança no estilo de governar no Vaticano pode ter um impacto na forma de governar em todo o mundo”.
“Castillo não só é claro, como também é subversivo. Preferiu levar a sério a Rabi de Nazaré quando dizia que a verdade, sua verdade, essa os tornará livres”, concluiu.
Finalmente, o homenageado, que falou sem papéis, visivelmente emocionado, mostrando sua “profunda gratidão a Deus Nosso Senhor, assim como o chamamos, sem saber exatamente o que dizemos quando afirmamos isto”. “A palavra ‘Deus’ nos remete a uma realidade transcendente. E se nos transcende, não está ao nosso alcance”.
É que “Deus, inevitavelmente, é uma projeção de nossos desejos e anseios mais profundos. Por isso, Deus é um produto tardio na história da religião”, acrescentou o teólogo, que se definiu como “um ser humano, muito limitado, com um desejo de busca e de comunicação dessa busca”. “Por isso, não paro de ler, não paro de rezar, não paro de pensar. É com essa dupla tarefa de busca e comunicação que dou sentido a minha vida”.
“A Igreja me preocupa muito, porque a quero com toda a minha alma, ao contrário dos que me tacham, acusam e ofendem, com excesso, de causar dano a ela”, disse, de forma direta, o teólogo Castillo, declarando sua “adesão à Igreja que penso seguir e morrer. Porque é a que me transmitiu a memória e a obra de Jesus”.
“Se eu conheço Jesus e se Jesus é algo tão determinante na minha vida, Jesus, que era um ser humano, era um ser humano enquanto andou pela terra. E a história, o grande relato deste ser humano e do que representa, eu a recebi pela Igreja e por meio dela”, admitiu, com orgulho.
Para o teólogo, a história de Jesus “é a história de um conflito moral: o de Jesus com a religião. Porque foi a religião que o matou. Quando os sumos sacerdotes, representantes oficiais, com o máximo poder, afirmavam que ele precisava morrer, afirmavam que eles, responsáveis por essa religião, asseguravam que aquilo que sua religião dizia era que Jesus precisava ser morto. O Evangelho e a religião, da forma como aqueles homens a entendiam, são incompatíveis”.
“Eu coloco minha confiança no ser humano que foi Jesus”, apontou o teólogo, que falou sobre o mistério da Encarnação para explicar que “o próprio Deus, para salvar o ser humano, teve que se humanizar. A Palavra se fez carne. O que diz é que Deus, para trazer algo para este mundo, esvaziou a si mesmo, renunciou a sua condição divina e se fez um entre tantos. Nós, cristãos, acreditamos em um Deus que se esvaziou”.
“Jesus morreu gritanto, e gritando a Deus, e antes rezando e chorando com gritos”, o que supõe “uma oração”. Porque “a oração não é começar a rezar, é expressar um desejo. E cada um, segundo os desejos que tem, reza assim. Aquele que deseja o mal para o outro, não reza, mas, sim, vomita maldade”.
“O Pai Nosso é uma organização de nossos desejos. Por isso, Jesus é patrimônio da Humanidade”, necessário diante de tantas “tribulações que vemos a tantos Lázaros sofrendo e pecamos por omissão”.
Suas últimas reflexões foram para o Papa que lhe escreveu: Francisco. Castillo contou uma anedota relatada pelo próprio geral dos jesuítas, Adolfo Nicolás, que propôs ao Pontífice que saísse como ele, uma hora da madrugada, para andar pelas ruas. “Por que você não vem uma noite comigo?”, disse-lhe Nicolás. A resposta do Papa: “Digo-lhe, em confiança, que não me atrevo a isso. Porque você não faz ideia de que caso saibam que faço isso, pode acontecer o que não imaginamos... Você não imagina o que eu tive que passar para mudar de carro”, revelou, entre os risos dos presentes, Castillo.
No momento das perguntas, e questionado pelo escândalo dos abusos em Granada, José María Castillo destacou que será muito difícil para “este arcebispo continuar ali”.
“Em um caso como este, não apenas é um pecado, mas também é um crime. Os pecados são resolvidos no confessionário, os crimes no juizado. Aqui, não basta se arrepender, jogar-se ao chão e pedir perdão: diante da sociedade é preciso ir também ao Juizado. Isso está muito claro...”.
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José María Castillo, um homem livre, que escreve com liberdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU