27 Novembro 2014
O Papa Francisco aponta o dedo contra o "grande vazio ideal no chamado Ocidente". Mas há esse vazio ideal? O filósofo Emanuele Severino está perplexo. "Nós ouvimos – diz – um homem de grande relevância espiritual afirmar uma coisa evidente: que não deve haver toda essa violência, ou injustiça, ou disparidade social".
A reportagem é de Marco Ventura, publicada no jornal Il Messaggero, 26-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Obviedade? O papa fala dos pobres, dos migrantes, dos idosos... A isso o senhor se refere?
Sim, justamente, tudo obviedades, mas também é verdade que seria negativo se a máxima autoridade da Igreja e, portanto, do catolicismo mundial não as dissesse publicamente. O papa é quase obrigado a dizer coisas que, a uma leitura superficial, podem parecer óbvias. E ele também é justificado por fazer isso, porque hoje os cristãos são objeto de violência em várias partes do mundo, e, portanto, o líder dos católicos lança o seu protesto contra um mundo que está indo para onde não deveria.
A sociedade atual e a Europa sofrem de perda de valores?
Sem dúvida, os valores da tradição se perderam, constatamos isso no comportamento das pessoas, nos costumes, nos hábitos morais, na juventude, na confusão e na anomia social, mas também em nível mais profundo. Na cultura filosófica dos últimos 200 anos, entrou em crise uma ideia de que o mundo é regido por uma ordem imutável guiada por Deus que se reflete em campo social, político, econômico, artístico. O trágico é que essa perda dos valores, que Nietzsche chamou de morte de Deus, é inevitável. E, aos meus amigos católicos, muitas vezes eu indico que eles fazem pouco demais as contas com essa inevitabilidade.
O papa diz que a doença da Europa é a solidão, que o homem não deve ser objeto de consumo...
O fato de que o capitalismo considere o homem como mercadoria é um velho discurso marxista. Se prestarmos atenção naquilo que o pontífice disse hoje e que os seus antecessores não disseram, o fenômeno do egoísmo também se enquadra em uma categoria mais ampla: a crítica que a Igreja vai dirigindo ao capitalismo. É o capitalismo que favorece o choque entre indivíduos reivindicantes cada um do seu próprio âmbito de liberdade, o egoísmo. No passado, houve a tentativa marxista e comunista, gloriosa, mas falimentar, de tirar do meio de campo o capitalismo, fracassado porque até os nostálgicos e as esquerdas se colocam dentro do sistema capitalista.
E a Igreja?
Ela faz uma tentativa análoga, retoma a atitude do início do século XX de crítica contra o liberalismo, já que não é o lucro privado, mas sim o bem comum que deve ser o objetivo da sociedade. Se quisermos que o objetivo do capitalismo mude, queremos, na realidade, a destruição do capitalismo.
O papa é anticapitalista?
O catolicismo dos papas atuais sim, mas as grandes forças da tradição, incluindo o cristianismo, se servem da mesma técnica que, de servidora do capitalismo, está destinada a se tornar a sua senhora. Vê-se isso no sistema midiático do qual a Igreja se vale e na técnica da caridade.
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''A Igreja volta a criticar o modelo do capitalismo.'' Entrevista com Emanuele Severino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU