05 Novembro 2014
Ela pertence à segunda geração de mulheres que estudam e ensinam teologia: aos estudos teológicos, de fato, a outra metade da Igreja só pôde ter acesso a partir de 1965. E ela gostaria que o Papa Francisco convocasse um "Sínodo sobre as mulheres, para a valorização e o reconhecimento das diferenças: reconhecer-se como Igreja de homens e de mulheres é uma passagem inevitável".
A reportagem é de Laura Badaracchi, publicada no jornal Avvenire, 26-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vulcânica no seu físico diminuto, Serena Noceti tem a paixão eclesial no sangue desde muito jovem, cultivada nos anos do Liceu clássico, durante os cursos de leitura e exegese bíblica organizados pelo seu professor de religião, amadurecida na experiência paroquial e no sínodo diocesano.
Paixão alimentada "pela teologia do povo de Deus" de matriz latino-americana, tão cara a Bergoglio, e coberta por leituras transversais: dos judeus Martin Buber e Simone Weil (com digressões filosóficas sobre o personalismo de Emmanuel Mounier) aos teólogos protestantes Dietrich Bonhoeffer, Jürgen Moltmann, Wolfhart Pannenberg. Até os católicos Johann Baptist Metz, o arcebispo de Chieti-Vasto, Bruno Forte, e do padre Severino Dianich, seu mestre, do qual ela foi assistente.
Natural da Florença, 48 anos, Serena Noceti obteve o doutorado em teologia na Faculdade Teológica da Itália Central. Professora de teologia sistemática no Instituto Superior de Ciências Religiosas "I. Galantini", em Florença, ministra cursos na Faculdade Teológica da Itália Central e no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Arezzo. Sócia fundadora da Coordenação das Teólogas Italianas, é vice-presidente da Associação Teológica Italiana. Trabalhou no Escritório Catequético da sua diocese como responsável pela catequese de adultos e trabalha no Serviço de Apostolado Bíblico do Escritório Catequético Nacional da Conferência Episcopal Italiana (CEI). Este mês foi lançado Tantum East Aurora. Donne e Concilio Vaticano II, organizado por Marinella Perroni, Alberto Melloni e Serena Noceti.
Eis a entrevista.
Por que você optou pelos estudos teológicos?
Por uma motivação de natureza eclesial e pastoral: eu queria um conhecimento bíblico mais aprofundado, e a escolha dos estudos eclesiológicos foi motivada pela possibilidade de ter instrumentos e palavras para pensar e dizer a fé, a ser partilhada comunitariamente e com os outros. Assim, concebi o estudo da teologia com uma abordagem crítica, marcado também por uma carga transformadora da realidade e por uma função de orientação ao futuro.
Uma avaliação do seu percurso acadêmico: quais dificuldades e satisfações?
No período formativo, não tive dificuldades particulares, mas foi mais problemática a inserção no percurso acadêmico e de pesquisa, assim como o reconhecimento institucional. Uma das grandes satisfações? O encontro com as Igrejas locais, a oportunidade de oferecer a própria competência e experiência a tantos grupos diversos. Depois, o espaço de pesquisa na Associação Teológica Italiana (com o presidente Pe. Roberto Repole estamos trabalhando nos comentários científicos aos documentos do Vaticano II) e a opção de ter, na Coordenação de Teólogas Italianas, um grupo que não seja "autoguetizante" ou fechado em si mesmo, mas que leve em consideração a contribuição específica das mulheres.
Que espaço têm hoje as teólogas nas universidades pontifícias?
Um espaço em crescimento, mas também marcado por fortes resistências. Aumenta o número das mulheres, tanto como discentes, quanto como docentes, mas faltam concursos e processos de cooptação. Além disso, muitas devem ter outro trabalho para se manterem: um problema para todos os leigos teólogos, homens e mulheres. Isso acontece aqui na Itália, enquanto na Alemanha ou nos Estados Unidos o contexto é completamente diferente. Outro problema é a falta de recepção nos documentos magisteriais e também nos diocesanos do pensamento teológico das mulheres.
O que o aumento da presença feminina na Comissão Teológica Internacional faz você esperar?
Parece-me uma fase de passagem muito importante e de autoridade, um período de recepção fundamental do Concílio a 50 anos de distância e 25 anos depois da Mulieris dignitatem. No plano operacional e prático, mas também simbólico: penso na nomeação da Ir. Mary Melone como primeira reitora mulher de uma universidade pontifícia. Além disso, o Papa Francisco nomeou a italiana Bruna Costacurta e a irmã espanhola Nuria Calduch-Benages como novos membros da Pontifícia Comissão Bíblica. Isso significa que, na Igreja, as mulheres começam a ser ouvidas, também em âmbito institucional, como sujeitos do pensar teológico com palavras necessárias não só no anúncio evangélico face a face, mas para a vida eclesial no seu conjunto, nas orientações pastorais. Na entrevista publicada na revista La Civiltà Cattolica, o papa havia denunciado a tentação do machismo e desejou uma presença feminina mais incisiva, "nos lugares onde se tomam as decisões importantes".
Pode sintetizar qual foi a contribuição das mulheres no Concílio?
O Vaticano II é um divisor de águas: embora as referências diretas ao tema " mulher" se circunscrevam a uma dezena de citações nos documentos promulgados e a Mensagem às Mulheres, entregue no fim dos trabalhos, pareça marcada por um enfoque patriarcal e androcêntrico, com o Concílio foram garantidos às mulheres os pressupostos para o reconhecimento de plena subjetividade eclesial com base no batismo, além das oportunidades reais de uma presença visível e de uma ação de autoridade. No pós-Concílio, aumentaram os âmbitos pastorais para as mulheres: catequistas, operadores da caridade e da liturgia, coordenadoras de pastoral de comunidades e missionárias, presentes nos órgãos eclesiais nacionais e internacionais, nas associações e nos movimentos laicais.
Na Igreja do terceiro milênio, em que âmbitos se poderia dar mais espaço às mulheres, incluindo as teólogas?
Em todos aqueles em que as mulheres já estão habitualmente presentes. Porém, trata-se de superar aqueles tetos de cristal feitos de estereótipos e de machismo, porque são necessários espaços de verdadeira sinodalidade. Por exemplo, penso na ministerialidade do casal fundado no sacramento do matrimônio ou no aprofundamento da masculinidade.
Você acha que a misoginia ainda está presente no âmbito social e eclesial?
Infelizmente, assistimos à persistência de preconceitos, difundidos tanto entre os leigos, quanto no clero. Uma visão patriarcal ainda marca a catequese, a estrutura eclesial, a liturgia. A referência exclusiva à mulher esposa e mãe ainda é uma matriz interpretativa, enquanto a sua palavra raramente é reconhecida como de autoridade: em traços gerais, a teologia continua sendo masculina e clerical, com uma linguagem androcêntrica, mesmo que cresça em quantidade e qualidade a produção científica das mulheres no campo do saber e do dizer a fé.
"Vejo surgirem tempos em que não haverá mais razão para subestimar almas virtuosas e fortes apenas pelo fato de pertencerem a mulheres." As palavras da Doutora da Igreja Santa Teresa d'Ávila, da qual em 2015 se celebrará o quinto centenário de nascimento, ainda são de uma atualidade extraordinária.
Ainda há muito a ser feito para difundir "na base" os instrumentos interpretativos necessários e para amadurecer "no centro" novos equilíbrios organizacionais. Promovendo concretamente formas e estruturas em que a voz das mulheres possa contribuir para o bem comum eclesial, para oferecer perspectivas "outras" em relação às do clero apenas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Teologia, a ascensão das mulheres. Entrevista com Serena Noceti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU