Por: Cesar Sanson | 06 Outubro 2014
Em agosto, quando as primeiras pesquisas eleitorais indicaram a candidata Marina Silva (PSB), como favorita para ganhar a corrida presidencial, seu concorrente Aécio Neves (PSDB) arriscou: "É uma onda". Conforme ela continuou crescendo, cientistas políticos começaram a aventar a possibilidade de a "onda Marina" se transformar em um "tsunami eleitoral".
Entretanto, na reta final do primeiro turno, o que se viu foi uma ressaca das intenções de voto na candidata do PSB - que acabou conquistando só 21% do eleitorado, patamar semelhante ao de 2010, quando obteve 19% dos votos.
A reportagem é de Ruth Costas e publicada pela BBC Brasil, 05-10-2014.
A campanha de Marina ganhou impulso após a morte de seu colega de chapa, Eduardo Campos, em um acidente aéreo que chocou o Brasil. "O impacto emocional da tragédia contribuiu para sua rápida ascensão", avalia Antônio Carlos Mazzeo, cientista político da Unesp.
O acidente ocorreu no dia 13 de agosto e, logo após essa data, as pesquisas mostravam Marina encostando na presidente Dilma Rousseff, do PT, no primeiro turno e com até 20 pontos a mais que Aécio, do PSDB. Na época, Marina também abriu uma vantagem de dois dígitos sobre Dilma no segundo turno.
A queda nas pesquisas, porém, começou em meados de setembro, sendo revelada em sucessivas pesquisas de opinião, que mostravam a ascenção paulatina de Aécio Neves.
Fatores que analistas acreditam que podem ter contribuido para deixar Marina de fora da segunda etapa da disputa presidencial:
1) Ataques do PT e PSDB
Em primeiro lugar, PT e PSDB conseguiram elaborar estratégias bem-sucedidas de ataque direto a Marina, como ressaltam Vera Chaia, cientista política da PUC-SP, e Rafael Cortez, da consultoria Tendências. "Ela não cresceu nas pesquisas por suas ideias e agenda propositiva, mas porque conseguiu se colocar como a candidata de negação da ‘velha política’, de superação da polarização PT/PSDB", opina Cortez.
Alguns eleitores tradicionais do PSDB também teriam migrado para Marina por considerá-la a única oposição capaz de vencer o governo.
"Para combater isso, petistas e tucanos adotaram uma estratégia de desconstrução da candidata. Eles atacaram suas vulnerabilidades como figura política e suas propostas, identificando contradições programáticas e ideológicas", afirma Cortez.
Dilma tachou Marina de "candidata dos bancos" e dos "conservadores" e chegou a comparar a candidata do PSB aos ex-presidentes Jânio Quadros e Fernando Collor - que tiveram pouco apoio do Congresso e não terminaram seus mandatos.
A propaganda do PT também explorou o apoio dado a candidata pela educadora Neca Setúbal, herdeira do grupo Itaú e criticou de forma agressiva a proposta para dar independência ao Banco Central.
Já Aécio enfatizou as constantes correções no programa de governo divulgado pelo PSB, e procurou pintar Marina, que tem raízes no PT, como "mais do mesmo". A candidata do PSB acusou seus concorrentes de mentir e espalhar boatos "injustos", mas não partiu para o ataque com a mesma agressividade. "Prefiro sofrer uma injustiça do que praticar uma injustiça. Nós queremos fazer a nossa campanha oferecendo a outra face", declarou.
"Marina optou por assumir uma posição de vítima - o que não funcionou", opina Cortez. "Na prática, acabou transmitindo uma imagem frágil."
No discurso em que reconheceu a derrota, na noite deste domingo, Marina defendeu sua estratégia e disse não se arrepender de nada que fez na campanha. "A decisão de que não vale ganhar a qualquer preço não é uma estratégia de campanha. É uma decisão de vida", disse. "Não me arrependo de não assumir a postura de que ganharíamos a qualquer custo e a qualquere preço."
2) Tempo de TV
Para Marina, o tempo reduzido do PSB para fazer sua campanha eleitoral na TV teria sido um dos fatores que mais a prejudicaram.
No primeiro turno, a candidata teve dois minutos, Aécio, quatro e Dilma, 11. "No segundo turno vai ser diferente. Porque será dez a dez. Aí sim vamos ter tempo para mostrar a onda verde e amarela que tomou conta do Brasil", disse Marina, referindo-se ao fato de cada candidato ter dez minutos de horário eleitoral na TV na segunda etapa da disputa.
Segundo os analistas ouvidos pela BBC Brasil, não há como negar que o tempo de TV de fato faz diferença na campanha.
"Mas também é preciso considerar que, nos telejornais e debates, Marina teve o mesmo tempo de outros candidatos para expor suas propostas", ressalva Chaia.
3) Disputas internas
Marina nunca foi unanimidade no PSB.
Ela só se filiou ao partido em outubro, após não conseguir viabilizar o registro de sua agremiação política, o Rede Sustentabilidade.
E um dia depois de ser confirmada como candidata, o secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, deixou a coordenação da campanha presidencial do partido. "Não participo de campanha de Marina Silva. Ela não é do PSB", disse. Neste domingo, já com a notícia da derrota da candidata, o presidente do PSB em São Paulo, Márcio França, votou a tocar na mesma tecla: "A Marina é a Marina. Ela sempre fez questão de mostrar que é da Rede, não do PSB", disse.
Mazzeo vai além: " Marina chegou ao PSB pelas mãos de Campos e seu grupo, que estavam envolvidos em disputas internas de poder".
Para completar, a tensão entre a candidata e alguns elementos do partido cresceu em função de diferenças ideológicas e programáticas e pela recusa de Marina em subir em palanques estaduais com alguns candidatos apoiados pelo PSB.
Em São Paulo, onde o PSB se aliou a Geraldo Alckmin, por exemplo, Marina só teria autorizado o uso de cartazes em que aparece com o governador do PSDB na reta final da campanha.
"Fora da disputa, Marina deve voltar ao projeto de construir um partido que tenha atuação condizente com seus projetos", acredita Chaia. "Isso é importante para que se possa dar sustentabilidade a uma candidatura."
4) Inconsistências do programa de governo
Entre os três principais candidatos, Marina foi a que divulgou o programa de governo mais completo.
Aécio prometeu, mas desistiu de publicar um programa detalhado antes do primeiro turno. Dilma não avançou além do documento apresentado no registro de sua candidatura.
O problema é que o documento divulgado pela candidata do PSB, com 242 páginas, acabou se tornando um calcanhar de Aquiles. Para começar, seu comitê de campanha anunciou uma série de "correções" depois de sua divulgação. Em uma das mais estrondosas, Marina voltou atrás no apoio a criminalização da homofobia e ao casamento gay, propostas que sofrem oposição de líderes evangélicos.
O programa também foi esquadrinhado pelo PT e PSDB – que tiveram mais material para planejar seus ataques. Aécio acusou Marina de plagiar o Programa Nacional de Direitos Humanos lançado em 2002 por Fernando Henrique Cardoso.
Dilma colheu no programa material para acusá-la de querer colocar o pré-sal em segundo plano em favor de fontes de energia alternativas.
5) Imagem frágil
Os esforços do PT e PSDB para pintar a candidata como uma líder política frágil, incapaz de lidar com as dificuldades e críticas enfrentadas por quem está no poder, também parecem ter surtido efeito. Contribuiu para reforçar essa imagem o fato de Marina ter chorado ao comentar sobre as críticas do ex-presidente Lula a uma repórter do jornal Folha de S. Paulo. "Sou uma pessoa sensível, mas não se pode confundir sensibilidade com fraqueza", justificou a candidata.
O fato foi amplamente explorado pelos adversários, para quem a candidata seria incapaz de fazer o que se propunha – enfrentar os esquemas da política tradicional em favor de uma "nova política".
"Muitos eleitores ficaram desconfiados dessa história de nova política: eles não entenderam muito bem como ela pretendia governar sem fazer alianças com outros partidos", diz Mazzeo.
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Cinco razões que explicam a queda de Marina Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU