27 Agosto 2014
“O que está sedimentado nesse momento é a disputa do segundo lugar”, frisa o cientista político.
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A reconfiguração política da candidatura presidencial do PSB por conta da morte do ex-candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, vai acirrar a disputa pelo segundo lugar nas eleições deste ano. Isto porque Marina Silva, nova candidata à Presidência, “passa a disputar diretamente a campanha com outro perfil conservador, que é o de Aécio Neves”, avalia Antônio Carlos Mazzeo, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.
“O que muda é o fato de que o segundo lugar passa a ser muito mais disputado. Obviamente a disputa do segundo lugar será acirrada, porque Marina avança sobre o eleitorado de Aécio. Pessoas que não queriam votar no Aécio, mas no mesmo perfil, agora têm Marina como alternativa e, inclusive, diria que ela é muito mais conservadora do que Aécio”, pontua.
O segundo ponto que converge para uma possível disputa do segundo lugar nas eleições entre Marina e Aécio está relacionado ao fato de o vice de Marina, Beto Albuquerque, ser “ligado ao agronegócio”, assinala.
Mazzeo enfatiza que não há elementos centrais que distinguem as três candidaturas deste ano, e as “nuances são as políticas sociais”. Ele esclarece: “Marina é um pouco nebulosa nisso, mas acena para a autonomia do Banco Central. Aécio tem de repetir toda hora que não vai acabar com o Programa Bolsa Família, porque é da tradição do PSDB ter uma política menos social e mais tecnocrática e, obviamente, o PT tem suas políticas sociais. No entanto, no núcleo da economia brasileira, nenhum dos três programas apresentados altera o rumo da economia brasileira; não tem nenhuma novidade no plano da organização da economia”.
Na avaliação de Mazzeo, a eleição presidencial deste ano será decidida pelos trabalhadores, para os quais “o voto ainda é pelo projeto político desenhado pelo PT, principalmente pelos programas sociais, porém não só por eles, mas pela ampliação, principalmente no Nordeste, da população trabalhadora nas universidades federais”.
Antônio Carlos Mazzeo é graduado em Ciências Políticas e Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - USP, mestre em Sociologia e doutor em História Econômica pela mesma universidade. Cursou pós-doutorado em Filosofia Política pela Università Degli Studi Roma-Tre . É professor livre-docente junto aos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - Unesp e em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. É autor, entre outros, de O vôo de Minerva: a construção da política, do igualitarismo e da democracia no ocidente antigo (São Paulo: Boitempo, 2009) e Sinfonia Inacabada (São Paulo: Boitempo, 1999).
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - Como avalia o novo quadro de disputa eleitoral com Marina Silva como candidata à presidente e Beto Albuquerque como vice? O que muda na disputa e no quadro político a partir dessa reconfiguração?
Antônio Carlos Mazzeo – Marina entra na disputa com um acúmulo eleitoral muito maior do que o de Eduardo Campos, porque ela disputou a última eleição, já é conhecida e teve 20 milhões de votos. Esse é o primeiro quadro. O segundo quadro está relacionado ao fato de que Marina, além de ter essa densidade, tem a característica de um perfil mais conservador do que tinha Eduardo Campos, o que significa que ela passa a disputar diretamente a campanha com outro perfil conservador, que é o de Aécio Neves. Então, o corte está neste aspecto. Além disso, tem mais um elemento: o candidato Beto Albuquerque, vice de Marina, é ligado ao agronegócio. Então, aí também tem um corte político — independentemente do que a Marina pensa sobre isso. Nesse sentido, no plano do projeto político, não vejo nenhuma novidade tanto no que se refere à Marina, Aécio ou Dilma, ou seja, nenhuma novidade no campo da política econômica. Todos assinam alianças com o agronegócio, com o capital financeiro, com a grande indústria, com o empresariado. A diferença entre eles está em nuances.
Disputa pelo segundo lugar
O que muda é o fato de que o segundo lugar passa a ser muito mais disputado. Obviamente a disputa do segundo lugar será acirrada, porque Marina avança sobre o eleitorado de Aécio. Pessoas que não queriam votar no Aécio, mas no mesmo perfil, agora têm Marina como alternativa e, inclusive, diria que ela é muito mais conservadora do que Aécio. Contudo, é preciso observar o processo eleitoral, porque não faz nem um mês da morte de Eduardo Campos e, obviamente, o acidente tem um impacto emocional. A pesquisa do DataFolha foi muito emblemática no sentido de que não havia nem acontecido o sepultamento das vítimas do acidente, e Marina apareceu com muita intenção de votos nas pesquisas — até por solidariedade. Mas temos de ver o que vai acontecer daqui para frente. Acredito que o que está sedimentado nesse momento é a disputa do segundo lugar.
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“No plano do projeto político, não vejo nenhuma novidade tanto no que se refere à Marina, Aécio ou Dilma” |
IHU On-Line – Quais são as nuances que percebe entre os candidatos?
Antônio Carlos Mazzeo – As nuances são as políticas sociais. Marina é um pouco nebulosa nisso, mas acena para a autonomia do Banco Central. Aécio tem de repetir toda hora que não vai acabar com o Programa Bolsa Família, porque é da tradição do PSDB ter uma política menos social e mais tecnocrática e, obviamente, o PT tem suas políticas sociais. No entanto, no núcleo da economia brasileira, nenhum dos três programas apresentados altera o rumo da economia brasileira; não tem nenhuma novidade no plano da organização da economia. Tem alguns aspectos pontuais discutidos, como uma reforma tributária, por exemplo, mas no plano estrutural da economia nenhuma das propostas apresenta uma ruptura com o modelo desenhado desde o governo de Fernando Henrique Cardoso: um governo liberal, voltado ao apoio dos monopólios, do agronegócio, do capital financeiro. Tudo isso será mantido. A diferença é que o PT tem um núcleo, no seu programa, de políticas sociais.
IHU On-Line - Como avalia o apelo nas campanhas, considerando que o slogan dos três candidatos usa o termo “mudança” no nome: “Coragem para mudar” (PSB), “Muda Brasil” (PSDB) e “Muda Mais” (PT)? O que isso significa?
Antônio Carlos Mazzeo – Mudança é um nome legal, mas nenhum deles vai mudar e nenhum deles apresenta uma proposta de mudança radical do modelo econômico, o qual não está em pauta. O que está sendo discutido são as nuances desse modelo para melhorá-lo.
Obviamente o modelo econômico implica o aumento ou não de uma política de privatizações. O próprio governo Dilma privatizou bastante, o PSDB é privatista e a Marina, conforme tudo indica, também irá por esse caminho e, nesse ponto, o vice da Marina é ligado ao agronegócio, principalmente no Rio Grande do Sul. Dentro desse quadro, o próprio empresariado fica dividido; não está ruim para o empresariado. Tem uma queixa com a crise econômica, mas a crise não é culpa do governo Dilma; é uma crise econômica internacional, cujos reflexos acontecem no Brasil, porque o país está integrado à economia mundial. Então, obviamente que a crise econômica chegou ao Brasil, mas chegou muito atenuada se formos observar os índices de desemprego em outros países. É por conta disso que se têm grupos do empresariado brasileiro, claramente, apoiando a reeleição de Dilma, ou seja, apoiando a política econômica implementada pelo PT e seus aliados. De todo modo, qualquer análise que se faça agora se restringe ao momento, porque existem tendências que podem ou não se consolidar.
IHU On-Line – Quais temas deveriam estar em pauta no debate econômico? Os candidatos deveriam deixar mais claro suas propostas?
“Tem uma fantasia de que no Brasil existe uma classe média. Classe média que ganha 1500 reais, 2 mil reais, não é classe média” |
Antônio Carlos Mazzeo – O grande problema é que os candidatos nunca deixam claro as suas propostas. Isso é um vício estrutural da forma como se faz política no Brasil. Não se tem no país uma cultura de partidos políticos fortes, então, não se vota em partidos políticos, vota-se em pessoas, o que debilita as plataformas político-econômicas que os partidos apresentam.
Na Europa, por exemplo, vota-se em partidos, em listas fechadas, que representam determinada plataforma, com a qual os candidatos que estão na lista devem estar afinados. Quando não estão afinados com o partido, eles são excluídos. Isso se afigura um paradoxo no sentido de que não parece democrático, mas, pelo contrário, é democrático, porque a pessoa está votando em projetos políticos. Por isso os partidos europeus são muito mais explícitos em se posicionar como de esquerda, de direita, de centro. Ao serem explícitos, as suas posturas ideológicas aparecem nos programas que eles defendem.
Esse vício de saída no Brasil faz com que haja uma certa “americanização” do debate, ou seja, passam a questionar problemas menores e pontuais na campanha, gerando uma individualização do debate. Não tem um debate de grandes projetos nem a explicitação.Nesse sentido, quando o candidato diz: “Eu vou diminuir os encargos sociais da produção”, o que tem por trás dessa frase? Isso significa diminuir os recursos do trabalho, os recursos investidos no pagamento dos salários dos trabalhadores, mas essas questões não estão explicitadas; somente é apresentada uma frase hermética. Ocorre que “diminuir os encargos da produção” tem muitas consequências, como reduzir a estabilidade do emprego, por exemplo. Nesse sentido o que deveria acontecer é a explicitação de frases herméticas como essas.
IHU On-Line – Haverá mudanças nas estratégias dos outros partidos a partir dessa nova configuração no PSB? Quais são as novas coligações possíveis nessas eleições?
Antônio Carlos Mazzeo – No plano das coligações muda pouco. O que está acontecendo é que os setores descontentes do PSB serão “beliscados” pelas campanhas do PT e do PSDB, ou seja, os dois partidos tentarão puxar os setores descontentes do PSB para os seus projetos. Nesse sentido, Aécio já declarou que não vai restringir espaço àqueles que quiserem lhe apoiar. Mas isso faz parte da política. Contudo, a maior instabilidade está no PSB — mas teremos de ver se isso é verdade, como estou afirmando, quando tivermos um quadro mais claro.
IHU On-Line - Qual será o papel da chamada classe C nas eleições, lembrando que apesar de haver discordâncias em torno da existência ou não da classe C, o governo trata da ascensão econômica dessa parcela da população como uma consequência de suas políticas?
Antônio Carlos Mazzeo – Para falar a verdade, isso de “A, B, C”, eu deixo para abecedário. Essa não é uma categoria sociológica; é uma categoria mercadológica, porque essa definição trabalha com renda, e devemos trabalhar com inserção na produção, o que constitui as classes sociais. Nesse sentido, o que seria a classe C? Seriam setores dos trabalhadores? Tem uma fantasia de que no Brasil existe uma classe média. Classe média que ganha 1500 reais, 2 mil reais, não é classe média.
Apesar disso, o setor dos trabalhadores terá um jogo importante e ele será decisivo. Em locais em que se tem uma classe média grande, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Brasília, haverá uma disputa acirrada. No entanto, em locais em que há grandes segmentos de assalariados, o voto ainda é pelo projeto político desenhado pelo PT, principalmente pelos programas sociais, porém não só por eles, mas pela ampliação, principalmente no Nordeste, da população trabalhadora nas universidades federais. Eu viajo muito pelo Brasil e vejo a presença dos segmentos da “classe C” nessas universidades por conta das políticas públicas. Quer dizer, as políticas garantem o acesso — não estou falando que garantem a qualidade — da população mais pobre à universidade. Então, obviamente isso tem um peso na decisão eleitoral, principalmente desse segmento.
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“Não há uma conexão mecânica entre ‘estou indignado’ e ‘vou votar na oposição’; há reflexos” |
IHU On-Line - As manifestações de junho de 2013 também terão um peso nas eleições?
Antônio Carlos Mazzeo – Claro que sim. Nesse sentido, o projeto dos Conselhos Populares da presidente Dilma já é a expressão de uma preocupação do PT em acenar para esses setores da sociedade mais radicalizados, que não se sentem representados pelos partidos que estão aí. Quando você traça um perfil sociológico das pessoas que foram para as manifestações, nenhuma delas se sente representada pelos partidos, porque não conseguem ver diferenças nas propostas econômicas deles. O pessoal mais politizado desses movimentos diz que não vê diferença entre os projetos do PT e do PSDB — muitas pessoas me falaram isso durante as manifestações em São Paulo e em Goiânia.
Esses movimentos sociais têm peso e têm uma pauta em torno das melhorias. A questão do transporte, por exemplo, reflete em querer melhorar a mobilidade urbana. O que isso significa? Que os segmentos dos trabalhadores foram sendo empurrados para as periferias dos grandes centros e, obviamente, eles têm menos equipamentos e infraestrutura sociais, como postos de saúde, escola, opções de esporte, emprego, habitação. Isso tudo faz parte da pauta desses movimentos. Nesse sentido, os cartazes das manifestações tocavam nesse núcleo, focando também a questão da segurança pública, que nas periferias é mais precária não só porque ali há maior incidência de ações criminais, de banditismo, mas porque a polícia não tem um perfil cidadão e não está envolvida com as necessidades da cidadania contemporânea. O fato de existirem polícias militares no Brasil depois da Ditadura Militar é anacrônico.
Assim, um dos núcleos das manifestações é a excessiva militarização da polícia. Obviamente, tudo isso faz parte de um núcleo que vai influenciar o processo eleitoral. No Rio de Janeiro, onde ocorreram muitos confrontos do Estado com as populações das favelas, houve um aumento das intenções de votos de candidatos mais à esquerda. O terceiro candidato no Rio de Janeiro é o Eduardo Serra, do Partido Comunista Brasileiro, com 8 a 9% das intenções de voto. Fazia tempo que o Partido Comunista não tinha uma força eleitoral desse nível no Rio de Janeiro. Isso expressa uma grande insatisfação no sentido de que os grandes partidos políticos não representam e não atendem as reivindicações dessas populações.
IHU On-Line - Qual é o impacto dessa insatisfação da população com os partidos na disputa política? Se os manifestantes não veem diferença entre PT e PSDB e, ao mesmo tempo, fazem críticas aos partidos, já que durante as manifestações havia uma recusa das bandeiras partidárias, o que é possível vislumbrar em relação à posição política desses manifestantes na disputa presidencial deste ano?
Antônio Carlos Mazzeo – O Estadão publicou uma pesquisa mostrando a queda no número de jovens entre 16 e 18 anos que tiraram o título de eleitor. Isso mostra uma desilusão, uma insatisfação desses jovens com o processo eleitoral. Agora, as insatisfações não repercutem mecanicamente no processo eleitoral, ao menos no curto prazo. Isso se percebe não só no Brasil. O Movimento dos Indignados, na Espanha, não resultou em nada e no processo eleitoral ganhou o partido conservador.
Na Itália, esses movimentos de inconformistas geraram um partido político, o Movimento 5 Estrelas, liderado por Peppe Grilo. Se formos ver, houve um salto de qualidade nesse sentido à medida que o movimento italiano conseguiu formar uma organização política. Mas o interessante é que o movimento reflete dentro dele a heterogeneidade, ou seja, ele não tem um núcleo de postura ideológica; é o movimento do não. O partido conseguiu, na primeira eleição, 25% do eleitorado; isso é muito. Mas essa é uma exceção, porque os demais movimentos que surgiram na França, na Espanha, em Portugal, carecem de organização.
Esse é o mesmo caso dos piqueteiros argentinos, que derrubaram um presidente, mas na sequência foram desestruturados e absorvidos pelo governo Kirchner, porque não conseguiram fazer um processo organizativo, nem conseguiram refletir o significado desses movimentos espontâneos. Na medida em que não se tem um projeto organizativo desses movimentos espontâneos, a tendência é que eles se dispersem não somente no plano do movimento, mas no plano eleitoral, porque a eleição implica elementos analíticos, os quais não temos tempo de discorrer aqui. Mas, obviamente, não há uma conexão mecânica entre “estou indignado” e “vou votar na oposição”; há reflexos.
IHU On-Line - O senhor mencionou que “os desgastes relacionados ao tempo em que seu partido está no poder constituem um ponto fraco na candidatura de Dilma”. Quais são os pontos fracos dos candidatos?
Antônio Carlos Mazzeo – Todos os candidatos têm pontos fracos, mas, obviamente, um candidato à reeleição tem como ponto fraco o desgaste do período em que governou. É raro acontecer, como acontece no estado de São Paulo, em que o Alckmin esteja com 55% das intenções de voto — esse é um fenômeno para ser pensado. Mas, em geral, o candidato chega ao final do governo desgastado e essa é uma questão a ser levada em conta.
Nesse sentido, Dilma enfrentou problemas econômicos no seu governo — que são questões relacionadas à crise econômica internacional —, o desgaste do mensalão, a condenação de lideranças do PT.
O PSDB também tem desgastes: Aécio se defrontou com uma denúncia, da qual não soube se desvencilhar, de que construiria um aeroporto na fazenda do tio-avô dele e, por ter sido governador de Minas Gerais, será atacado pelos seus adversários.
A Marina, com seu perfil conservador, enfrenta uma rejeição de setores mais progressistas da sociedade, como a questão do aborto, a laicidade do Estado, sua postura em relação às uniões homoafetivas. Todos esses são elementos que constituem pontos débeis para os candidatos e que vão configurar um perfil do processo eleitoral, principalmente no Brasil, onde se subordinam questões importantes como o aborto — que é uma questão de saúde pública e não de moralidade — a princípios religiosos, o que atenta contra a história republicana do país.
(Por Patricia Fachin)
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Eleições 2014: “A diferença entre os candidatos está em nuances”. Entrevista especial com Antônio Carlos Mazzeo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU