Por: Cesar Sanson | 25 Agosto 2014
No Rio Grande do Sul, ex-apresentadores da RBS lideram numericamente as pesquisas para o governo e o Senado.
A reportagem é de Piero Locatelli e publicado por CartaCapital, 25-08-2014.
Há cinco anos, Ana Amélia Lemos e Lasier Martins eram colegas de bancada no Jornal do Almoço, programa líder de audiência no Rio Grande do Sul. A jornalista comentava política e economia de Brasília. Lasier, de Porto Alegre, falava sobre temas variados, de tipos de uvas à isenção fiscal. Após as aparições diárias na televisão durante mais de duas décadas, os dois podem se tornar, respectivamente, governadora e senador do estado no próximo ano.
A disputa com os candidatos do PT está apertada, com uma leve vantagem numérica dos apresentadores. Na última pesquisa Ibope, Ana Amélia, atualmente senadora pelo PP, tinha 36% dos votos e o atual governador, Tarso Genro (PT), 35%, em um empate técnico. Na mesma pesquisa, Lasier Martins também empatava com Olívio Dutra (PT). O jornalista tem 30% dos votos contra 27% do ex-governador petista.
O empate escancara a polarização da disputa política no Rio Grande do Sul. De um lado, os petistas dizem que os “candidatos da RBS” refletem um projeto em defesa do estado mínimo, de isenções fiscais a grandes grupos empresariais e com pouca preocupação social. Este projeto, segundo eles, seria encampado pela emissora e os candidatos vindos dela.
“A nossa democracia está em implementação. Os partidos são pouco valorizados e o sistema político é deformado por relações regionais e oligárquicas. Não há um sistema político que dê coesão aos partidos por identidade ideológica e programática,” diz o governador Tarso Genro. “A pauta da nação brasileira é feita pela Globo. E os partidos políticos não desafiam isso, nem o meu consegue.”
Do outro lado da disputa, Ana Amélia e Lasier negam fazer parte de um projeto da emissora, e também da existência de direita e esquerda. Ana Amélia, eleita senadora pelo PP em 2010, diz que o PT “olha para trás” ao fazer este debate entre dois projetos. “Depois da queda do muro de Berlim, estabelecer um debate ideológico é forçar a barra. O século XXI não está dividido entre esquerda e direita, mas entre rápidos e lentos,” diz a senadora.
Evitando as “ideologias”, o discurso de Ana Amélia não é focado em um debate político, mas em termos como eficiência, honestidade e meritocracia. A candidata diz ter implantado um sistema de metas para seus funcionários no Senado Federal, onde os que trabalham mais são mais bem remunerados de acordo com seu desempenho.
Ao exemplificar que está à parte das disputas ideológicas, Ana Amélia cita o apoio que deu à deputada federal Manuela d'Ávila (PCdoB) na última disputa à prefeitura de Porto Alegre. Segundo a senadora, uma “jovem bonita competente”.
Ana Amélia diz ter dificuldade de transmitir a mensagem de que pode “fazer alianças com pessoas” porque o seu partido sofre preconceito ao ser chamado de reacionário e conservador. O PP é o principal herdeiro da Arena, legenda que deu sustentação à ditadura no Brasil. Para Ana Amélia, isso não significa que ela tenha uma relação com o passado da legenda.
“Na época da revolução, eu estava interna em um colégio lá em Lagoa Vermelha [cidade no interior do Estado]. Estava cuidando dos meus estudos, não tinha ideia do que acontecia no país. E isso não significa que era alienação, eu estava realmente tentando sobreviver,” diz a senadora.
Apesar de ter um discurso de eficiência semelhante ao de Ana Amélia, Lasier está abrigado em outra parte do espectro partidário. Um ano antes do pleito, o apresentador se filiou ao PDT, legenda que tem como principal referência Leonel Brizola, opositor ferrenho da ditadura. Antigo aliado de Brizola, Dutra diz que Lasier está “travestido de trabalhista” por ser um “puxa-saco de empresários”.
As declarações de Dutra foram feitas diante das críticas de Lasier à sua gestão no governo do estado (1999-2002). Ao assumir o governo, Dutra reviu a isenção fiscal dada pelo governo anterior para que a norte-americana Ford instalasse uma fábrica em Guaíba, cidade ao lado da capital gaúcha. Diante das novas condições estipuladas por Dutra, a empresa desistiu do negócio e instalou o parque industrial na Bahia, então governada por Antônio Carlos Magalhães.
Apesar da defesa da empresa, Lasier diz que se considera um trabalhista. “Eu trabalhava dez horas por dia, fazia três programas. Isso não é um operário? Às vezes, quando eu me despedia na televisão, eu dizia ‘por hoje, esse operário da comunicação se despede,’” fala o jornalista.
Lasier diz também que o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, figura mais conhecida do PDT, era uma referência do seu pai. Segundo o jornalista, entrar neste partido foi uma forma de homenageá-lo.
Brizola foi o crítico mais conhecido da emissora em que Lasier trabalhou durante 23 anos – e pela qual tomou um choque no ano 2000 que se tornou famoso na internet. O gaúcho dizia que a Globo tinha um “poder imperial”, criticando ela inclusive em seus programas eleitorais.
O candidato do PDT não compartilha da opinião de Brizola, mas Dutra e Genro ainda a mantêm. Genro diz que “o sistema de mídia [do Rio Grande do Sul] tem um predomínio de centro direita. Ela cobre exclusivamente os problemas, ela não cobre as soluções.”
Em e-mail a CartaCapital, o diretor-executivo de Jornalismo do Grupo RBS, Marcelo Rech, afirmou que “as afirmações do governador não são diferentes de todos os seus antecessores até onde a memória alcança. É normal e até previsível que qualquer governante, de qualquer espectro político, se sinta injustiçado diante de uma cobertura jornalística independente.”
O diretor da RBS também afirmou que “a posição do grupo em relação a estes dois ex-comunicadores [Ana Amélia e Lasier Martins] é de absoluto distanciamento. A empresa não estimula de forma alguma candidaturas, mas não tem poder legal de impedir que comunicadores decidam se candidatar.”
Dutra, por sua vez, diz que irá defende a votação de um marco regulatório da mídia, projeto que revisaria as concessões das televisões e rádios no país. “Temos um problema sério no país para a consolidação da democracia, essa questão é um marco regulatório de empresas midiáticas. Não estamos falando da liberdade de imprensa e expressão, mas de como se montam grupos que monopolizam regionalmente a produção da notícia, se considerando fonte da notícia,” diz Dutra.
A proposta, porém, foi retirada do programa de Dilma Rousseff antes de ser apresentada, graças a criticas feitas por veículos de imprensa. Por enquanto, o oligopólio criticado por Tarso e Dutra não tem perspectiva de ser revisto.
Foto: Montagem/Reprodução
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