13 Agosto 2014
Marcelo Gleiser defende que avanço da ciência aumenta dúvidas e a fronteira com o desconhecido
Cientista admite que há questões irrespondíveis e diz que é impossível explorar o que há além do Cosmo observável
A visão de que tempo é tudo de que a ciência precisa para decifrar todos os enigmas do Universo acaba de ser meticulosamente desconstruída pelo físico Marcelo Gleiser em seu novo livro, "A Ilha do Conhecimento".
A reportagem é de Salvador Nogueira, publicada pela Folha de S. Paulo, 11-08-2014.
De forma destemida, o pesquisador brasileiro do Dartmouth College, nos EUA, e colunista da Folha conduz seus leitores por uma jornada de milhares de anos, tempo que levou para a humanidade partir das primeiras especulações filosóficas sobre o Cosmo até decifrarmos os segredos do interior da matéria e das profundezas do espaço.
O destemor vem do fato de que, diferentemente do padrão adotado pelo maioria dos cientistas que atuam na divulgação para o público, Gleiser não apresenta uma jornada triunfal rumo ao conhecimento total.
Em vez disso, ele explora uma metáfora em que a ciência --e não só ela, mas outras formas de conhecer o mundo, exploradas nas artes e na filosofia-- constrói uma ilha do conhecimento, rodeada pelo oceano do desconhecido.
Conforme a ciência avança, a ilha cresce, o que pode ter produzido em alguns a ilusão de que um dia sua extensão territorial poderia abarcar tudo que existe, eliminando o desconhecido.
Não é assim que funciona, contudo. Gleiser defende que o crescimento da ilha aumenta suas fronteiras, o que significa dizer que também aumenta a interface com o desconhecido. Novas perguntas surgem, e o processo de conhecer recomeça. Mas nunca termina.
A cada nova resposta, outras perguntas surgiriam, tornando a ciência um eterno esforço de aproximação da natureza, sem jamais abarcá-la por completo.
MACRO, MICRO E MENTE
O livro é dividido em três partes. A primeira explora a cosmologia, ou seja, a evolução do conhecimento acerca do surgimento e da evolução do Universo. E desemboca no fato de que é impossível explorar o que há além do Cosmo observável --a luz simplesmente não teve tempo de viajar de lá para cá desde que o Universo começou.
Além disso, Gleiser destaca que uma ideia que ganha a cada dia mais adeptos entre os físicos --a noção de que nosso Universo é apenas um em um multiverso-- transcende sua cientificidade.
"A hipótese do multiverso não é testável dentro da formulação atual da física, mesmo que seja tão sugestiva e atraente para muitos", escreve o físico.
Na segunda parte, Gleiser explora a compreensão do mundo subatômico, reino da misteriosa mecânica quântica. Em essência, ela coloca em xeque a própria realidade, ao tirar das mínimas partes de que o mundo é feito as confortáveis noções de causa e efeito, substituídas por ondas de probabilidade.
A terceira parte explora o que talvez seja o mais misterioso dos universos --o da mente. Aí reside nosso desejo de sempre saber mais, de abarcar o máximo possível da natureza em nossos arcabouços intelectuais artificiais.
No que talvez seja o livro mais reflexivo de Gleiser --ele também é autor de "Criação Imperfeita"e "A Dança do Universo", entre outros--, encontramos uma espécie de tributo ao ser humano e sua busca que, quase como uma tragédia grega, jamais pode chegar ao fim.
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Físico brasileiro questiona os limites da ciência em novo livro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU