Por: Jonas | 12 Agosto 2014
A reabilitação do sacerdote nicaraguense Miguel d’Escoto, por parte do Papa, alimenta novas expectativas sobre uma aproximação entre o Vaticano e a Teologia da Libertação.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 11-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/2z02Sa |
Sua primeira missa, em 30 anos, gostaria de concelebrar com o cardeal Miguel Obando, bispo emérito de Manágua. Foi o que declarou à imprensa o sacerdote Miguel d’Escoto, ao agradecer a decisão do papa Francisco em reabilitá-lo da suspensão imposta, em 1984, pelo papa João Paulo II, por considerar que sua atividade política não era compatível com o exercício do ministério sacerdotal. São as voltas de uma história que, na Nicarágua, após a derrubada da ditadura de Somoza, teve os dois religiosos em lados opostos. D’Escoto, como chanceler (1979-1990), e Obando como tenaz crítico do governo sandinista.
Já faz anos que Obando e o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, optaram pela reconciliação, selada com a promulgação de uma severa lei contra o aborto. E também no Vaticano sopram ventos diferentes daqueles de 1984, quando havia um Papa forjado nos rigores da Guerra Fria e o então cardeal Joseph Ratzinger estava à frente da Congregação para a Doutrina da Fé.
Hoje, esse cargo é ocupado por outro alemão, o cardeal Gerhard Ludwig Müller, uma figura próxima a Gustavo Gutiérrez, considerado o pai da Teologia da Libertação. Foi por intermédio de Müller que o papa Francisco recebeu Gutiérrez, em audiência particular no ano passado. Desde então, especula-se sobre uma possível aproximação entre o Vaticano e os simpatizantes da Teologia da Libertação.
A reabilitação do sacerdote D’Escoto também pode dar margem para interpretações nessa linha. “O Papa certamente está consciente disso, mas, claramente, para ele foi mais importante transmitir um sinal de misericórdia”, opina o sacerdote jesuíta Martin Maier, doutor em teologia e profundo conhecedor da Teologia da Libertação.
Trata-se de um gesto de humanidade, assim o considera monsenhor Pirmin Spiegel, diretor geral de Misereor, a Obra Episcopal da Igreja católica alemã dedicada à luta contra a pobreza na América Latina e em outros continentes. “Por um lado, com este gesto o Papa assentiu com o desejo do padre d’Escoto em poder, após tantos anos de suspensão, voltar a celebrar a missa antes de morrer; por outro lado, acredito que é uma expressão do amor de Deus para com os seres humanos, sempre ressaltado pelo Papa. Este é um gesto concreto que vejo no contexto de muitos outros gestos do Papa, nos últimos meses”, destaca.
Nesse contexto, monsenhor Spiegel não descarta uma possível linha de aproximação do Vaticano com a Teologia da Libertação. “A Teologia da Libertação concebe que o lugar dentro da sociedade é ao lado dos pobres, os preferidos de Jesus em todo o Evangelho. Miguel d’Escoto foi um dos sacerdotes que também tentou viver esta opção na política partidária, o que naturalmente estava e está em ‘desarmonia’ com as normas da Igreja”, explica. E enfatiza que, no entanto, “o papa Francisco vem da América Latina e sabe que, nos anos 1980-1990, tudo era visto sob o prisma da Guerra Fria”.
Por sua parte, Martin Maier disse que o papa Francisco não é um teólogo da libertação, mas sua visão de uma “Igreja pobre para os pobres” e sua postura em favor de uma ordem mundial mais justa, respondem a inquietudes fundamentais dessa corrente.
“A Teologia da Libertação continuou se desenvolvendo no curso dos últimos 40 anos; talvez não desperte a mesma atenção do que em seu início, mas suas principais inquietudes, a opção preferencial pelos pobres e a relação entre fé e justiça, continuam sendo atuais”, ressalta o sacerdote jesuíta.
O papa Francisco definiu o capitalismo desenfreado como uma “nova tirania invisível”, exortando a “dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade”. E, no marco do novo contexto mundial, o debate dentro da Igreja católica não é o mesmo de décadas atrás, aponta monsenhor Spiegel.
Então, caberia esperar uma maior aproximação e também a reabilitação de outros teólogos da libertação? “Não se trata tanto do conceito da Teologia da Libertação; trata-se dos gestos, das opções, da forma de ver o mundo”, destaca o diretor geral da Misereor. E afirma que, “neste sentido, com o papa Francisco, uma porção dessa realidade, a dos próprios pobres, chegou ao Vaticano”.
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Uma aproximação entre a Teologia da Libertação e o Vaticano? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU