Ecclesiam suam. Mais do que uma encíclica

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

06 Agosto 2014

Tinha passado pouco mais de um ano do conclave, do qual, no dia 21 de junho de 1963, ele saíra com o nome de Paulo VI, quando Montini concluiu a sua primeira encíclica, programática do pontificado, na qual ele se pôs a trabalhar logo depois da eleição.

A reportagem é de Giovanni Maria Vian, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 06-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A intenção era de publicá-la antes da reabertura do Concílio, interrompido, segundo o direito, com a morte do predecessor e que o novo papa tinha decidido retomar, com urna das suas primeiras decisões, já no dia 29 de setembro seguinte.

O tempo não foi suficiente. Mas basta uma rápida comparação entre o longo discurso proferido naquele dia por Paulo VI diante dos Padres conciliares e a Ecclesiam suam, publicada quase um ano depois, no dia 10 de agosto de 1964, para se dar conta de que a encíclica, em linhas gerais, foi antecipada naquela intervenção.

O discurso traçava com lúcida energia o percurso do Vaticano II, e não por acaso o novo papa se referiu ao texto do dia 29 de setembro nas primeiras linhas do seu documento programático.

Além de um grupo de apontamentos preparatórios, conserva-se da encíclica (e foi reproduzido em fac-símile em 1998) o texto autografado, escrito na íntegra por Paulo VI. São 80 folhas, longamente meditadas e depois redigidas nos primeiros meses de 1964, depois da viagem surpresa à Terra Santa, realizada para "assumir o ensino da autenticidade cristã" e da qual, no texto, ele recorda "o encontro repleto de caridade e não menos de nova esperança" com o patriarca Atenágoras, em Jerusalém.

A encíclica manifesta o pensamento do papa e o apresenta segundo uma dupla tripartição. Na visão montiniana, a Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma. comprometer-se na renovação, abrir-se ao "diálogo". Tema de quase metade do texto, o diálogo se estende a três grandes círculos concêntricos ao seu redor: o primeiro, imenso, constituído pela humanidade enquanto tal; o segundo, vasto mas menos distante, pelos crentes não cristãos; e o terceiro, mais próximo, pelos não católicos.

A meio século de distância, para além de persistentes ideologizações e resistências, foram em grande parte diluídos os contrastes sobre o Vaticano II. E, se os debates do Concílio inevitavelmente ofuscaram a meditação apaixonada de Montini, parece cada vez mais claro o seu papel, respeitoso, mas decisivo.

Diante da "surpreendente novidade do tempo moderno", escreve o papa, a Igreja "com ingênua confiança debruça-se sobre os caminhos da história, e diz aos homens: eu tenho aquilo que vós procurais".

Ler 50 anos depois a Ecclesiam suam e a escrita nítida de Paulo VI leva a compreender que ela é mais do que uma encíclica, muito mais do que um documento programático. Prova disso é outro apontamento escrito e autografado pouco depois: "Talvez a nossa vida – anota o papa – não tenha uma característica mais clara do que a definição do amor pelo nosso tempo, pelo nosso mundo, pelas almas das quais pudemos nos aproximar e nos aproximaremos: mas na lealdade e na convicção de que Cristo é necessário e verdadeiro".

Meditação coerente nascida de uma vida inteira, o texto montiniano foi concluído no dia 11 de julho de 1964. "A data oficial – anotou Paulo VI no fim do manuscrito – poderia ser: 'Do Vaticano, 6 de agosto de 1964, na festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo'".

Quatorze anos mais tarde, em 1978, na noite daquele dia, o papa quietamente se apagava, depois de se ter despedido com um aceno de mão, rezando até o último momento com as palavras do Pater noster.