Por: Caroline | 25 Julho 2014
“Pode parecer que os aspectos econômicos de uma sociedade são algo estritamente material, enquanto os valores têm uma dimensão cultural ou espiritual. Contudo, na realidade, o modelo de convivência, do qual a economia é uma parte fundamental, é muito influenciado pela hierarquia de valores” é o que afirma de Joan Majó, engenheiro e ex-ministro, em artigo publicado por El País, 23-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis ao artigo.
Há cerca de seis anos a situação econômica mudou de maneira abrupta e radical. Desde então introduziu-se em nossas conversas a palavra crise, sem saber exatamente do que falávamos. À medida que se tornava evidente sua dureza e sua persistência, foram mudando os qualificativos usados (imobiliária, financeira, econômica, social, política...) de acordo com as referências que eram feitas a suas causas, as suas consequências ou a suas diversas facetas. Seguramente, a que é de alguma forma a mais profunda e que resume a todas é a “crise do modelo econômico” ou, melhor ainda, a “crise de valores sociais”.
Para mim, estas duas expressões são equivalentes. Pode parecer que os aspectos econômicos de uma sociedade são algo estritamente material, enquanto os valores têm uma dimensão cultural ou espiritual. Contudo, na realidade, o modelo de convivência, do qual a economia é uma parte fundamental, é muito influenciado pela hierarquia de valores, já que reflete a importância e a prioridade que a maioria dos indivíduos concede a uns ou a outros objetivos pessoais, e as diferentes combinações ou equilíbrios que podem ser feitos com eles. No modelo econômico se contrapõe normalmente liberdade e igualdade; no modelo educativo, excelência e inclusão; no modelo policial, liberdade e segurança...
Competência. Na hora de refletir sobre os valores que se refletem em nosso modelo econômico, sempre me preocuparam os mal-entendidos e os abusos que existem ao redor de algo que considero um valor importante: a competência. Para mim é muito importante “ser competente”, quer dizer, ter os conhecimentos, as habilidades e a vontade de fazer as coisas bem feitas, tanto ao tratar de uma profissão, uma atividade artística ou um esporte. Deste ponto de vista, acredito que é necessário que as pessoas, as empresas, as organizações, ou os países, sejam o mais competente possível, e assim dirijam seus esforços e recursos para consegui-lo. A competitividade de uma economia é o reflexo da competência de suas pessoas, e é a melhor forma de garantir o bem-estar de uma sociedade.
Competição. Contudo os problemas aparecem quando se mistura o conceito de competência com o conceito de competição, e a competitividade já não se mede então em termos de nível de competência, mas tendo como base o triunfo em uma situação de enfrentamento. Então, a competitividade não consiste em “ser mais competente”, mas em “ser mais competente que...”. Com isso passamos de uma mediação em termos absolutos para outra em termos relativos, já que o triunfo na competição não garante ser mais competente; significa apenas ser mais competente que aquele com quem você se comparou, com quem você enfrentou e aquele que tenha derrotado. É uma forma efetiva e fácil de medir competências, mas não a única e nem é, seguramente, a melhor.
O mais preocupante dela é o fato de que usar a competição como marco no jogo da competência introduz necessariamente o binômio ganhador-perdedor, e assim descarta a possibilidade de conseguir as desejadas, e cada vez mais procuradas, soluções Win-Win, isto é, relações que gerem resultados e que ambas as partes saiam ganhando. Ao contrário, o que se tem em mãos é um jogo de soma zero, isto é, o que alguém ganha é o que o outro deve perder, e em muitos casos esta perda é enormemente destrutiva.
Colaboração. Li repetidas vezes que é um erro interpretar a história da vida na terra apenas a partir da ótica darwinista: uma história de mutações que dão lugar a diversidade de espécies com a consequente seleção, fruto da luta entre elas. Este darwinismo evolutivo gerou um darwinismo social, e muito especialmente um darwinismo econômico, refletido na competitividade dos mercados, tanto das empresas como dos países.
Creio ter entendido que os antropólogos defendem que no processo evolutivo houve mais etapas de colaboração que de competência ou, pelo menos, que esta história de êxito não poderia ter sido escrita sem a existência de constantes e repetidas ações da colaboração. Talvez esta minha visão esteja influenciada por um preconceito emocional, já que me parece difícil aceitar que a vida coletiva seja fundamentada na luta e não na cooperação. Confesso que as etapas mais proveitosas que eu conheci foram as que foram presididas por atuações de colaboração coletiva, e tive a esperança de que com a maior racionalidade evolutiva, maior seria a compreensão deste fenômeno.
É por isso que me pergunto se não teríamos um resultado muito melhor ao combinarmos competência com colaboração, em lugar de combina-la com competição. Esta ideia nos obrigaria a revisar ou redesenhar alguns aspectos fundamentais de nosso modelo social, para reduzir o papel da “luta partidarista” na política, ou da “competitividade empresarial” nos mercados. Poderíamos concentrar a competição no espaço esportivo; suas consequências são menos graves e tem alguns efeitos benéficos. No esporte em equipe se combinam intensamente competição e colaboração...
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Concorrência e competitividade: Uma coisa é ser competente, outra é competir. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU