14 Julho 2014
O pensamento católico sempre se opôs ao capitalismo liberal. Com o Papa Francisco, essa oposição reencontrou o seu vigor, e o que está em jogo é associar amplamente os fiéis a ela. Mas quais são os espaços onde os cristãos podem refletir juntos sobre essa alternativa e sonhar que outro mundo é possível?
A análise é de Vincent Soulage, publicada no sítio Chrétiens de Gauche, 05-07-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Historicamente, essa é a missão de grandes encontros como as Semaines Sociales de France, o Forum dês Communautés Chrétiennes ou os Estados Gerais do Cristianismo (Etats Généraux Du Christianisme). Mas, hoje, são lugares de reflexão crítica ou de repetição do pensamento único? (...)
Podemos nos surpreender com o sucesso do livro de Gael Giraud, L'illusion financière (inicialmente subtitulado: "Por que os cristãos não podem se calar"). No entanto, é a prova de que a fibra de protesto do cristianismo social ainda está presente no povo de Deus.
O pensamento social da Igreja Católica (como o das principais Igrejas protestantes) sempre criticou tanto os excessos do socialismo (isto é, o comunismo) quanto os do capitalismo (sobretudo nas suas versões liberais). Desde o seu nascimento no século XIX, ele busca uma alternativa, uma espécie de "terceira via", e é por isso que os cristãos se encontram à vontade na corrente altermundista.
O personalismo comunitário de Mounier deu um eixo filosófico a esse pensamento, mas como expressá-lo diante dos desafios do mundo atual? Como permitir que os cristãos participem dessa busca e a assumam? Historicamente, algumas grandes manifestações tinham esse papel, mas devemos nos interrogar sobre a sua eficácia hoje.
As Semaines Sociales de France
Fazer conhecer o pensamento social da Igreja é a missão assumida pelas Semaines Sociales de France (SSF). O seu grande encontro anual ainda atrai diversos milhares de pessoas depois da crise do início dos anos 1980.
Presididas por Jérôme Vignon, elas têm uma legitimidade incontestável e são capazes de atrair personalidades. Mas não estão isentas de críticas. A última em termos de data é particularmente dura e foi expressada por François Soulage, que recentemente deixou a presidência da Secours Catholique, em uma entrevista recente no Golias Hebdo do dia 28 de maio de 2014:
"É um pensamento muito clássico em que se confrontam as ideias da moda. Eu não encontro nas SSF uma vontade de busca, o trabalho crítico sobre o mundo que nos rodeia. (...) As SSF poderiam ser um âmbito crítico com as mesmas pessoas na sua direção, mas para isso seria preciso mudar os modos de trabalhar e a natureza das intervenções, a fim de permitir uma reflexão sobre as alternativas possíveis ao mundo atual. Não foi essa a escolha que foi feita. Eu lamento."
A constatação pode parecer severa (sem excluir que as afirmações constituem uma espécie de provocação). O público das SSF soube manifestar convicções fortes, como em 2010, durante a sessão sobre os migrantes: diante de um público em sua maioria hostil ao discurso sarkozysta sobre os estrangeiros, Henri Guaino (conselheiro do presidente Sarkozy) tinha abandonado o debate.
No entanto, por ter participado dele, devo reconhecer que, mesmo que as intervenções sejam muitas vezes interessantes, os debates não têm concretude, dimensão crítica e, acima de tudo, desdobramentos. A idade média (alta, como em muitas iniciativas desse tipo) certamente é uma das causas, e apesar dos esforços de uma "comissão de jovens" a palavra de quem tem menos de 40 anos custa a ser ouvida.
A última sessão de trabalho tentou apresentar propostas concretas, e a principal delas era a reivindicação de uma cartilha profissional universal (LPU). Mesmo que o esforço seja louvável na forma e que o procedimento seja interessante, precisamos nos perguntar se se trata de colocar o capitalismo novamente em discussão ou simplesmente de acompanhá-lo da forma menos pior possível.
Como uma parte da esquerda francesa, as SSF também perderam a ambição da transformação social?
Etats Généraux du Christianisme
Lançada pela revista La Vie há quatro anos, essa grande manifestação parece ter o objetivo de reunir o catolicismo de "abertura" (ou seja, o conjunto daquele catolicismo que aceita o diálogo com o mundo moderno, sem sonhar com um retorno à cristandade). Mas avança claramente nas mesmas platibandas das SSF. Aí também temos um grande encontro, milhares de participantes, celebridades, dezenas de debates em pequenos grupos...
Como reconhece François Soulage, "nós não somos os únicos que fizemos a escolha [de se afastar das SSF], porque Jean-Pierre Denis, que dirige a revista La Vie passou a criar os Estados Gerais do Cristianismo por causa da sua insatisfação, parecida com a minha". Mas imediatamente ele lamenta que a iniciativa sofra para se ampliar e construir uma coalizão ao seu redor.
As pessoas que dela participam abrangem todo o espectro católico, dos contestadores aos mais conservadores. O fato de a nossa fé compartilhada em Cristo ainda nos permitir dialogar é um sinal importante no nosso mundo que multiplica as divisões.
Mas podemos realmente esperar alguma coisa da presença de representantes da Alliance Vita [associação francesa pró-vida] ou de uma oficina sobre canto gregoriano? É realmente nesse tipo de debate que a nossa ação de militantes da mudança social pode se alimentar?
Visto de fora (eu ainda não pude participar), esse encontro parece bastante dedicado a sair do isolamento e a tornar visíveis os militantes de um catolicismo aberto. Isso é louvável e útil. Mas a sua fama ainda é limitada, porque não consegue (nem mesmo isso) federar todos aqueles que puderam se encontrar nessa base.
Além disso, seríamos ingênuos se não víssemos o traço da rivalidade entre dois grupos da imprensa católica: o Bayard Presse (La Croix, Pomme d'Api, Panorama...), que apoia as SSF, e as publicações da La Vie Catholique (La Vie, Télérama...) que se fundiram com o Le Monde.
Outros lugares de menor amplitude
O venerável Forum des Communautés Chrétiennes constituiu, por muito tempo, o lugar de encontro informal da Ação Católica em sentido amplo. Mas essa informalidade a condenou nos anos 1990, diante do desengajamento dos movimentos e da fraqueza dos seus recursos próprios.
Em vez de se esgotar organizando um encontro redundante em relação a outras iniciativas, o Chrétiens en Forum (esse é o seu novo nome) concentrou-se em uma proposta original: permitir o encontro entre políticos eleitos de tendências diferentes.
O objetivo não é negar as divergências, mas se livrar das divisões artificiais e mostrar que também existem convergências verdadeiras. Com a convicção de que permitir tal diálogo pode levar a promover o bem comum, o sucesso é real (especialmente na zona rural), mas continua sendo bem modesto.
Há alguns anos, começaram as Assises Chrétiennes de la Mondialisation, mas, apesar de alguns debates que pareciam interessantes, não chegaram a nada de concreto, exceto um manifesto sem posteridade real. Infelizmente.
Outras redes mais contestatárias também organizam encontros. A Réseau des Parvis, a sessão sobre a Europa da associação Témoignage Chrétien (que apoia o jornal), fim de semana de retomada da CCBF [Conferência Católica dos Batizados Francófonos], renascimento do Christianisme Social (a principal rede protestante de esquerda)... São iniciativas louváveis e interessantes, mas não têm a mesma amplitude.
Ainda é preciso mencionar os Poissons Roses, nascidos no rastro da eleição de François Hollande. Mas eles não se declaram explicitamente cristãos. Ao contrário, o movimento está em busca de um novo impulso depois de dois anos de difícil inserção no debate político de esquerda.
Esprit civique
Pode parecer curioso citar esse grupo oficialmente não confessional. Apesar de afirmar que não quer ser mais um ressurgimento dos cristãos de esquerda, no entanto, ele reconhece que busca a sua inspiração no cristianismo social.
Os seus animadores, Dominique Pottier e Jean-Michel Mallé, são dois deputados do Partido Socialista francês que não fazem nenhum segredo da sua fé católica. Acima de tudo, encontram-se entre aqueles que participam dos seus trabalhos muitas figuras da militância cristã: Jérôme Vignon (SSF), Jean-Baptiste de Foucauld (Démocratie et Spiritualité), Guy Aurenche (CCFD), Philippe de Roux (Poissons Roses), Didier da Silva (A la Table des Chrétiens de Gauche), Guy Coq (Esprit), Jacques Le Goff (Associação dos Amigos de Emmanuel Mounier)...
O manifesta recém-publicado por ele é caracterizado por aquele pensamento nascido do catolicismo social e que expressa posições críticas em relação ao liberalismo triunfante (e um pouco em relação à política do governo muito tímida em relação a ele).
A iniciativa pode parecer ainda modesta, mas tende a ser algo a mais do que um think tank, beneficiando-se da presença de parlamentares para servir como um elo de ligação entre o mundo político e a vida militante e intelectual. A iniciativa mais importante é uma université d'automne anual em Cluny (a segunda edição está prevista para novembro deste ano).
E se fosse essa a saída política que falta tanto às SSF quanto aos Estados Gerais do Cristianismo (ECG)? Certamente, fazer com que pessoas diferentes (e que nem sempre se apreciam reciprocamente) trabalhem juntas pode parecer totalmente ilusório. Mas eu não escrevi que é preciso sonhar com o mundo de amanhã?
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Pensar o catolicismo social do século XXI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU