Por: Cesar Sanson | 23 Junho 2014
Muro de quatro quilômetros perto do Itaquerão reúne trabalhos de 70 artistas de rua. Com o futebol como tema, eles retratam ambiguidade dos brasileiros em relação ao Mundial.
O grafite de Paulo Ito, na zona oeste, rodou o mundo. Ele não quis participar do muro próximo ao Itaquerão
A reportagem é Marina Estarque e publicada pelo sítio Deutsche Welle, 21-06-2014.
A principal via que leva ao Itaquerão, estádio que recebeu a abertura da Copa do Mundo, em São Paulo, é margeada por quatro quilômetros de painéis de grafite. O muro, intitulado 4KM, foi pintado com imagens relacionadas ao futebol, à torcida brasileira e ao turismo na capital paulista. Inaugurado para o megaevento, o mural é uma iniciativa do governo do estado de São Paulo, com o apoio da Nike.
Já em outros pontos da cidade, é comum ver grafites e mensagens contra a Copa, que vão desde o típico Fifa, go home até elaboradas pinturas. Uma delas, a obra de Paulo Ito, ficou famosa pela crítica contundente ao Mundial. A imagem, pintada no bairro da Pompeia, zona oeste, se tornou viral e rodou o mundo. Segundo o autor, a imagem do menino pobre, com uma bola de futebol dentro de um prato de comida vazio, "sintetizou o que muita gente estava sentindo".
As diferentes formas de retratar a Copa pelos artistas de rua mostram os conflitos vividos pelos brasileiros em relação ao Mundial. Ao mesmo tempo em que há um clima de euforia, há também muita insatisfação com os investimentos públicos bilionários na Copa.
Para um dos curadores do projeto 4KM – o artista visual Diego Zéfix, de 29 anos – há espaço para todo tipo de grafite. "Cada um faz o que bem entender. Não é porque você está fazendo arte na rua que tem que protestar. Tem gente que gosta de pintura abstrata, fantástica ou até mesmo com temas do cotidiano. Não há uma obrigação ideológica. Seria muito chato, todo mundo com as mesmas ideias", diz.
Zéfix se diz favorável à Copa e defende que o evento não é responsável pelas mazelas sociais do Brasil. "Eu gosto de futebol. O problema não é a Fifa, é o país mesmo. Se trouxe a Copa, vamos fazer direito", argumenta.
Além do futebol
Outra curadora do projeto, a artista Barbara Goy, de 36 anos, encontrou uma forma de encaixar o seu trabalho no tema do mural. "Não gosto de futebol. Então pintei uma torcida feminina porque há muito preconceito com as mulheres neste meio", conta. Barbara lembra que, assim como no futebol, há também uma discriminação de gênero entre os artistas de rua. "Os grafiteiros não aceitam bem as mulheres", reclama.
Assim como Barbara, o curador Danilo Roots também conseguiu adaptar o seu trabalho à proposta do projeto. "Eu queria trazer a natureza para a cidade de São Paulo, que é muito cinza, com muita poluição, carros, edifícios." O artista não é contra a Copa, mas não aprova a "corrupção que aconteceu". Por outro lado, destaca os benefícios da exposição do país, inclusive a oportunidade de mostrar a arte de rua para o mundo.
Mensagem através da arte
A maioria dos grafiteiros concorda que é importante manter uma coerência no trabalho. Para Roots, é preciso que os artistas criem um conceito e tentem transmitir uma mensagem através da arte. "Tem artista que é mais de protesto, mais transgressor. Eu acho isso bom, que a arte tenha um objetivo. No caso do 4KM, se a pessoa for contra a Copa mesmo, ela nem deve fazer parte, porque seria uma hipocrisia", afirma. Mais de 380 artistas inscreveram seus trabalhos no projeto e 70 foram selecionados.
Paulo Ito, de 36 anos, não teve interesse em participar, por uma questão "ideológica". "Não quis porque é institucional e enaltece a Copa. É contraditório com o meu trabalho, que é mais crítico e menos elogioso. Uma obra tem que fazer algum sentido, ter coerência com a trajetória do artista", explica.
O artista se considera "pouco fã de futebol" e critica a realização do Mundial, por considerar que os recursos poderiam ser melhor investidos em outras áreas. "Não sou contra a realização da Copa, mas contra a maneira como a Fifa está trabalhando", diz.
Segundo ele, a sua pintura, do menino pobre com a bola, é uma forma de chamar a atenção para os aspectos negativos do evento. "Não estou dando uma resposta ou afirmando nada, até porque não é arte panfletária. Mas questiono, sim, quais são as nossas prioridades." Paulo reconhece que houve avanços no combate à pobreza no país e reclama de uma "submissão do governo à Fifa".
Apesar dessa postura crítica, ele não considera errado que um grafiteiro venda as suas obras ou trabalhe sob encomenda. "Cada um tem uma razão para aceitar ou negar. Eu já trabalhei dessa forma, mas depende da marca. Não dá para fechar todas as portas, você precisa viver de alguma coisa", defende.
Os dois lados da Copa
Para Fabio Oliveira, conhecido como Crânio, é possível mostrar "os dois lados da Copa", sem cair em contradição. O artista fez inúmeras telas e grafites que condenam a Fifa e o Mundial e, ao mesmo tempo, obras que retratam a paixão do brasileiro pelo futebol. "Quero mostrar ao mundo que, apesar de o brasileiro adorar futebol e, claro, querer a Copa, ele também esperava reais melhorias no nosso país. Isso não ocorreu. Não passou, mais uma vez, de grandes mentiras e promessas que já estamos cansados de ouvir", afirma.
O artista reclama da corrupção e de uma suposta falta de patriotismo. "Tem pinturas que faço mostrando o lado negativo, que os brasileiros se venderam. Ou que a gente só tem orgulho de ser brasileiro durante a Copa do Mundo, de quatro em quatro anos. Mas também mostro as pessoas que realmente amam o futebol, se divertem e fazem de tudo para ver os jogos."
Crânio admite que aceita encomendas, contanto que "acredite" nelas. Recentemente, criou uma tela para a Nike, que ainda não foi divulgada.
Visibilidade para arte de rua
Crânio acredita que projetos como o 4Km são importantes para dar maior visibilidade aos artistas de rua, especialmente os mais novos.
Carolina Fontes, coordenadora do projeto, afirma que, além de valorizar os grafiteiros, o 4KM serve como um novo atrativo turístico da cidade. Segundo ela, o muro é o maior painel de grafite da América Latina, e teve um impacto positivo na região, uma das mais populosas da cidade.
João Cardoso de Lima, de 64 anos, aprovou o novo visual. O aposentado mora num conjunto habitacional no bairro e caminha todos os dias pela ciclovia que percorre o muro. "Achei super legal, lindo mesmo, mas com a Copa eu não estou feliz", diz.
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Grafites paulistanos vão da insatisfação à euforia com a Copa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU