13 Junho 2014
O professor Erick Felinto de Oliveira apresentou a palestra Meio, Mediação, Agência: a Descoberta dos Objetos em Walter Benjamin e Bruno Latour na noite desta segunda-feira, 09-06-2014, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A atividade encerrou a programação do III Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, que ocorre de 21 a 23 de outubro de 2014.
Erick Felinto de Oliveira. Fotos: Luciano Gallas |
Durante sua apresentação, Felinto citou as críticas feitas por Latour ao pensamento de Benjamin, publicadas no artigo How to make mistakes on so many things at once – and become famous for it (“Como cometer tantos erros e tornar-se famoso por isso”, em tradução livre), escrito em coautoria com Antoine Hennion – o texto foi reproduzido no livro de Hans Ulrich Gumbrecht e Michael Marrinan, Mapping Benjamin: The Work of Art in the Digital Age (Stanford: Stanford University Press, 2003).
Destacou, também, que críticas semelhantes foram anteriormente dirigidas pelo mesmo autor ao filósofo Martin Heidegger. “É preciso ter em mente que a polêmica constitui uma estratégia importante de afirmação nos espaços acadêmicos. E que Latour se utiliza com alguma frequência desta estratégia para se diferenciar dos autores que o precederam”, enfatiza o palestrante.
Erick Felinto pondera que tanto o pensamento de Latour quanto o de Benjamin se inserem no panorama amplo de uma reforma epistemológica das humanidades, a qual vem sendo chamada, entre outros nomes, de “virada não humana”. Na verdade, pode-se dizer que Benjamin é um dos pioneiros (da retomada, pelo menos) desta abordagem nas ciências humanas. É nesta perspectiva que Felinto selecionou duas obras escritas por Benjamin na juventude, ambas dirigidas a seletos grupos de amigos sem o objetivo central de que viessem a ser publicadas posteriormente: Sobre a Linguagem em Geral e sobre a Linguagem do Homem (1916) e A Tarefa do Tradutor (1921).
Popularidade
Para Felinto, Walter Benjamin está entre os autores mais populares não apenas no campo da comunicação, mas também em disciplinas tão diversas quanto a crítica literária e a antropologia. E essa popularidade está associada à contemporaneidade da abordagem benjaminiana. A Tarefa do Tradutor, por exemplo, apresenta um conceito de tradução mais associado à reprodução de uma experiência do que a simples reprodução de uma ideia específica – ou seja, a tradução deveria reproduzir uma experiência semelhante à vivida pelo leitor da obra original, e não simplesmente traduzir as ideias e os conceitos publicados no texto original. O que significa que a tradução corresponderia à recriação da obra, elevando o tradutor a uma posição de coautor.
Ao abordar a linguagem das coisas, por outro lado, Benjamin iria propor que o ato de nomear e conceituar os objetos não seria em si um ato antropocêntrico, com origem no próprio ser humano, e sim o resultado da atuação do mundo sobre o ser humano. Assim, Erick Felinto aponta que há na obra de Benjamin a distinção entre dois aspectos: aquilo que se comunica através da língua (os significados) e aquilo que se comunica na língua em si (a língua entendida como veículo, enquanto materialidade) - é neste segundo aspecto que se daria a experiência da linguagem. Desta abordagem de Benjamin resulta que o ser humano deixa de ser o agente de transformação do mundo, o que não significa dizer que as coisas têm intencionalidade. Essa perspectiva consiste na construção de uma outra ontologia, em um novo mundo de significados, que não aquele construído a partir de uma ontologia antropocêntrica. Aí residiria a citada “virada não humana”.
Meios
“Não existe informação em nossa sociedade atual que não tenha sido filtrada pelos meios”, aponta Felinto como exemplo desta “coisa” que comunica - no caso, os meios. Samuel Weber atribuiria a Benjamin o conceito de que o mundo é uma construção em redes. Disso resultaria que não é mais possível pensar naquele observador científico que consegue se distanciar do mundo para investigá-lo, pois não é possível admitir um sujeito colocado fora do mundo. Vilém Flusser seria outro caso apontado por Felinto de autor que antecipou a virada não humana.
“A consciência está sempre dirigida a algo. Para Benjamin, são as coisas que se dirigem à consciência. As coisas apelam ao homem para que ele lhes dê nome. Antes de linguagem, ele fala em expressão. Antes de toda a comunicação humana, o mundo se dirige ao homem”, afirma Erick Felinto. O palestrante lembra que, no Livro do Gênesis, Deus cria o mundo pela linguagem e então a dá aos seres humanos para que estes possam dar nomes aos animais e às coisas. E cada nome dado conteria a “verdade” sobre aquela coisa. “Os nomes são potência de acumular coisas. Estão carregados de sentidos e, portanto, de história. Benjamin combina religião e marxismo quando pensa em história não humana”, declara Felinto.
(Por Luciano Gallas)
Quem é Erick Felinto
Erick Felinto de Oliveira é professor associado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, além de professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense – UFF. Possui graduação em Comunicação Social pela própria UERJ, mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, especialização em Línguas e Literaturas Românicas pela Universidade da Califórnia, Estados Unidos, doutorado em Letras pela UERJ e estágio de pós-doutoramento sênior sobre Teorias da Mídia na Universität der Künste Berlin, Alemanha. É autor dos livros A Religião das Máquinas: Ensaios sobre o Imaginário da Cibercultura (Sulina, 2005), Passeando no Labirinto: Textos sobre as Tecnologias e Materialidades da Comunicação (EDIPUCRS, 2006), Silêncio de Deus, Silêncio dos Homens: Babel e a Sobrevivência do Sagrado na Literatura Moderna (Sulina, 2008), A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica (Ateliê Editorial, 2008), Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (com Ivana Bentes: Sulina, 2010) e O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo (com Lúcia Santaella: Paulus, 2012).
Para ler mais:
A descoberta dos objetos e a experiência de uma “virada não humana”. Entrevista com Erick Felinto de Oliveira publicada na edição 419 da IHU On-Line
A invenção de um mundo pelas imagens sintéticas. Entrevista com Erick Felinto de Oliveira publicada na edição 419 da IHU On-Line
Um teórico barroco? Entrevista com Erick Felinto de Oliveira publicada na edição 399 da IHU On-Line
Um futuro complexo, híbrido, incerto e heterogêneo. Entrevista com Erick Felinto de Oliveira publicada na edição 375 da IHU On-Line
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O mundo propõe a comunicação aos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU