07 Junho 2014
Uma recuperação cinematográfica muito curiosa. Um texto não inédito, mas muito pouco conhecido de Ingmar Bergman. Em 1974, a Rai pediu que Bergman fizesse um filme sobre Jesus, como contou o próprio diretor em poucas linhas na sua autobiografia Lanterna mágica, mas o projeto nunca se realizou, embora Bergman tivesse escrito um roteiro "com um plano detalhado sobre as últimas 48 horas de vida do Salvador".
A reportagem é do jornal L’Unità, 04-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os motivos pelos quais Bergman não trabalhou com a Rai são o aspecto mais divertido dessa história: o grande diretor sueco escreveu um roteiro de cerca de 20 páginas que os diretores da TV estatal italiana acharam "protestante demais" – e, efetivamente, Bergman era filho de um pastor protestante e, apesar de não ser praticante e de ter falado sobre o "silêncio de Deus" em muitos de seus filmes, era sinceramente fascinado pela figura de Jesus.
Mas a Rai não gostou da sua visão, e o projeto de um grande "programa" inspirado nos Evangelhos foi passado para... Franco Zeffirelli, um diretor bastante diferente de Bergman. Depois, o texto de Bergman desapareceu dos arquivos da Rai.
O padre Virgilio Fantuzzi, grande especialista em cinema e crítico da revista La Civiltà Cattolica (foi um grande defensor do trabalho de Pier Paolo Pasolini), buscou por muito tempo, até que, em 1997, foi publicado em um número especial da revista Panta, editada por Enrico Ghezzi e publicada pela editora Bompiani.
Eis o texto.
Prefácio
No relato dos Evangelhos sobre o drama dos últimos dias e da morte de Jesus, há um grande número de personagens. Durante o meu estudo dos textos, esses personagens gradualmente ganharam vida, transformando-se de conceitos fixos de uma vez por todas (já estabelecidos na minha infância) em pessoas vivas encerradas nas suas respectivas existências e em uma ordinariedade que elas davam por certa.
Por mais diferentes que possam parecer, esses personagens têm um traço em comum: são todos inconscientes de estar participando de um dos mais terríveis dramas da humanidade. Assim como não se dão conta de que esses eventos irão intervir de modo fundamental na sua vida para transformá-la.
O que se segue é um simples esboço do curso dos eventos, com reserva para todas as mudanças de detalhes que sejam necessários durante a elaboração do texto definitivo.
Caifás, sumo sacerdote entre os sumos sacerdotes
Caifás é um homem de cerca de 60 anos, alto, magro, caloroso e de grande autoridade. Há uma reunião no templo; os sacerdotes, com sabedoria e paciência, rendem o chefe sobre a interpretação de um texto das Sagradas Escrituras, discutindo, trocando palavras, sugerindo novas e rejeitando outras.
Silêncio, dignidade: dentro do templo, ouve-se um canto – a sagrada cerimônia está em andamento. De repente, o silêncio se rompe por um barulho alto. A princípio, os sacerdotes reunidos tentam ignorá-lo, mas uma sensação de desconforto se espalha.
A porta, então, é escancarada, e um dos sacerdotes mais jovens se lança para dentro para dizer que algo sem precedentes está ocorrendo no átrio do templo. Jesus evidentemente enlouquecido, está demolindo as cabanas e as barracas de honestos comerciantes e cambistas. Caifás e os outros sacerdotes se lançam para baixo. Confronto e altercação entre Jesus e Caifás, durante a qual Caifás torna-se pálido e agressivo. No fim, emudece.
Os guardiões do templo acorrem e estão prestes a pôr as mãos em Jesus quando Caifás lhes ordena para não tocá-lo. Os dois homens se olham para um longo tempo, em silêncio: dois polos opostos que julgam a força do adversário. De repente, Caifás se volta e vai embora, acenando para os outros sacerdotes para que o sigam. Ele diz: deixem-no sozinho; sem dúvida não devemos esperar outras provocações.
Os sacerdotes voltam para a reunião, mas as Sagradas Escrituras são postas de lado. Aparecem mais sacerdotes, a sala está cheia de homens em silêncio. Todos voltam o seu olhar para Caifás. Depois de um longo silêncio, Caifás começa a falar. Faz um relato dos gestos de Jesus no ano anterior. Conta como ele tentou ser paciente, jogar na expectativa, como (apesar da sua apreensão sobre o que poderia ter acontecido) não tinha intervindo.
Cita expressões de Jesus, enfatizando o caráter subversivo. Faz uma breve e precisa análise da situação político-social, explicando que, embora relutantemente, tinha chegado – superando profundas divergências de opinião – a um acordo com Pôncio Pilatos e Herodes para manter a paz e evitar uma sangrenta guerra civil que provocaria a divisão do país.
Durante todo o tempo, ele fala com calma, fixando cada um dos seus colegas, escolhendo as palavras com lentidão e circunspecção, mas está pálido de ira.
Chega à seguinte conclusão: Jesus é perigoso para o país, para a lei e para a ordem, para a comunidade judaica, para a doutrina pura. Critica-se pelo fato de ter se dado conta disso só naquele momento, explica que tarde demais compreendeu que o tempo para a paciência e a tolerância acabou, que esse louco vagabundo que diz ser o Messias deve ser freado, e que tudo deve ser feito imediatamente.
Quando Caifás sai da sala, um homem que o estava esperando requer uma conversa em privado. O estrangeiro se apresenta como Judas Iscariotes.
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O Jesus de Bergman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU