29 Abril 2014
Atrás do balcão da Farmácia do Sahel, em Uagadugu, capital de Burkina Fasso, as caixas azul e rosa de Asaq ficam bem visíveis nas prateleiras de madeira.
A reportagem é de Chloé Hecketsweiler, publicada no jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 27-04-2014.
Na estação chuvosa, entre junho e setembro, elas estão entre as mais vendidas da farmácia, assim como o paracetamol e a aspirina. Cada cartela contém três comprimidos, ou seja, um tratamento completo contra a malária, essa doença mortal transmitida por um mosquito.
Esse medicamento à base de artemisinina – um derivado da artemísia, planta utilizada ancestralmente na China para tratar febres – permite curar em três dias, e custa entre 100 a 300 francos CFA (ou 15 a 45 centavos de euro), dependendo do tipo de dose, para criança ou adulto. Sua fabricante é a Winthrop, uma filial do grupo Sanofi, especializada na fabricação de genéricos, que são cópias de baixo custo de fórmulas antigas.
Burkina Fasso, onde 6,9 milhões de casos de malária foram registrados em 2013 dentre os 207 milhões contabilizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em todo o mundo, é uma das maiores clientes do laboratório francês na África, atrás da Costa do Marfim e do Senegal.
Seria um bom negócio para a Sanofi? Na verdade, não: o Asaq na verdade é comercializado a preço de custo, e representa menos de 2 milhões de euros em vendas. É uma gota d'água, comparado com os 33 bilhões de faturamento do grupo farmacêutico em 2013.
Travar relações preciosas
Para a Sanofi, a comercialização de remédios contra a malária tem como primeiro objetivo posicioná-la como uma "parceira da saúde". Em países onde a saúde pública é precária, interessar-se pelas doenças endêmicas como a malária é a oportunidade de travar relações com as autoridades da saúde, os médicos e os pacientes.
Segundo a consultoria IMS Health, o mercado farmacêutico na África deverá chegar a US$ 30 bilhões (mais de R$67 bilhões) em 2016 e US$ 45 bilhões já em 2020. O grupo francês está pronto para lucrar com ele. Graças ao Asaq, ele pôde polir sua imagem, seu modelo de negócios e sua rede.
Em uma pequena escola de Ziniaré, a uma hora de Uagadugu, alunos do primário estão sentados comportadamente em suas carteiras de madeira, vestidos com camisetas brancas novinhas com a estampa: "Não à Malária".
Nas paredes amarelo claro, que recebem a luz suave que passa pelas persianas, cartazes lembram os gestos simples que permitem combater a doença: usar mosquiteiro, não deixar água parada, pulverizar o interior das casas com inseticida e consultar um médico o mais rápido possível em caso de febre.
No meio da sala, Solange Nandnaba, professora que exerce sua profissão há 19 anos, exige que seus alunos aprendam os passos de cor.
É uma necessidade. A malária ainda causa mais de 600 mil mortes no mundo todo ano, sendo 90% de crianças, como lembram os números publicados durante a Jornada Mundial da Malária, na sexta-feira (25).
"Conscientizar as crianças sobre essa doença"
Há quinze dias Nandnaba recebeu kits pedagógicos da Sanofi, com folhetos, um jogo de cartas e um jogo de tabuleiro sobre o tema da malária. "Desde então, temos jogado todos os dias. É uma maneira lúdica de conscientizar as crianças sobre essa doença", ela comemora. "Contamos com elas para ensinar em casa aquilo que elas aprenderam e incentivar os pais a mudarem de atitude."
Esses kits são ainda mais apreciados pelo fato de que as autoridades não têm muitos meios de financiar esse tipo de ferramenta pedagógica. Eles também são estimados nos vilarejos, onde o laboratório fornece também cartazes e conselhos para educar a população que, paradoxalmente, conhece pouco da malária.
Em Gam Silmimossé, as casas de adobe se fundem em um cenário de poeira e acácias. Sentada embaixo de um toldo de terra batida, com sua filhinha de 3 anos sobre os joelhos, Hadjaratou Sakande admite não saber muito bem de onde vem a doença.
Elegante, com seu turbante vermelho, ela dá à menina um comprimido de Asaq, enquanto o agente de saúde local lhe lembra sobre a importância de continuar com o tratamento até o final. "Há todo um trabalho de educação da população a ser feito", diz François Bompart, responsável pelos programas de acesso aos medicamentos da Sanofi.
Concorrência da medicina tradicional
Em Burkina Fasso, assim como em outros países africanos, gravar a marca na mente dos pacientes é ainda mais importante pelo fato de que o grupo possui como concorrente a medicina tradicional.
Na Farmácia do Sahel, não hesitam em recomendar, em caso de crise de malária, uma preparação à base de plantas – a "infusão do Dr. Dakuyio" – fabricada por um pequeno laboratório burquinabê. Muitos moradores desconfiam das clínicas, ou estas ficam muito longe.
"Os curandeiros são o principal recurso da população", ressalta a Dra. Elise Ouedraogo, diretora regional de saúde que supervisiona, entre outros, o distrito de Ziniaré. Os mais populares atraem centenas de pacientes, que não hesitam em vir de muito longe para uma consulta, amontados em picapes. "Optamos por colaborar com eles para que eles direcionem os casos mais graves para as clínicas", diz a Dra. Elise Ouedraogo.
O que mais preocupa são os remédios contra a malária falsificados, vendidos por camelôs nas ruas. Para combater essa praga, também nesse caso a Sanofi é uma valiosa aliada das autoridades, graças à sua expertise. O grupo dispõe de um laboratório, em Tours, especializado na identificação de falsificações e colabora com a agência de polícia internacional Interpol.
"Não estamos aqui simplesmente para ganhar dinheiro. Temos um papel a exercer em matéria de saúde pública", salienta Adou Adou, diretor da Sanofi em Burkina Fasso. É umma mensagem que seus inspetores médicos fazem questão de passar nos hospitais e nas farmácias, onde o grupo enfrenta a concorrência dos genéricos indianos e chineses. "Insistimos na segurança de nossos medicamentos", diz Adou Adou.
"Não é filantropia"
O Asaq é um produto chamariz que simboliza a responsabilidade social da empresa. "Não é filantropia", reconhece Gilles Lhernould, que coordena a política da Sanofi nesse setor.
"É importante para nossos clientes, mas também para nossos investidores, que agora olham para esse indicador de perto", ele diz. Outro ponto positivo: 70% dos medicamentos comercializados na África pela Sanofi provêm de suas sete fábricas africanas (o Asaq vem do Marrocos).
Bom para os negócios, esse compromisso também se baseia em um cuidadoso modelo econômico. Para desenvolver o Asaq, a Sanofi se associou à DNDI (Drugs for Neglected Diseases Initiative), uma ONG que desenvolve medicamentos para tratar doenças negligenciadas em parceria com os laboratórios.
O Asaq, que eles lançaram em 2007, chegou ao mercado com um grande trunfo: seu preço, inferior a US$ 1 para os adultos e a US$0,50 para as crianças. "Esse medicamento era de três a quatro vezes mais barato que o Coartem, da Novartis, lançado alguns anos antes e também à base de artemisinina," comemora François Bompart. "Graças a isso estabelecemos um novo padrão de preços."
Ainda que tenha chegado atrasada no setor dos remédios anti-malária, a Sanofi conquistou cerca de um quarto do mercado africano, uma dinâmica gerada pela ajuda internacional ao combate à malária, que passou de menos de US$ 100 milhões em 2000 para mais de 2,3 bilhões em 2014.
Essa estratégia é um trampolim para o grupo, que realiza mais de 1 bilhão de euros em vendas na África, e que espera comercializar também ali seus campeões de vendas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que a Sanofi está apostando na África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU