11 Fevereiro 2014
Enviado especial do presidente francês, François Hollande, para a proteção do planeta, Nicolas Hulot não acredita mais no sucesso das negociações sobre o clima em 2015. Só lhe resta voltar-se às autoridades religiosas.
A reportagem é de Marie-Béatrice Baudet e Stéphane Foucart, publicada no jornal Le Monde, 05-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Você se encontrou em novembro de 2013 com o Papa Francisco, depois em janeiro com Bartolomeu I, o patriarca ecumênico de Constantinopla. Por que essas viagens?
Eu acho que as autoridades religiosas podem provocar uma maior conscientização diante da crise climática atual. Não nos é mais possível confiar unicamente nos responsáveis políticos internacionais. Eu me encontrei com muitos deles em 2013, e cada um à sua maneira me colocou diante de argumentos "muito pertinentes" para não agir logo, mas somente no futuro. Nesse ponto, todos os ingredientes foram colocados juntos para que a Conferência de Paris de 2015, em que deverá ser assinado o primeiro acordo mundial que vincula todos os países contra o sobreaquecimento, seja um fiasco. As consequências seriam desastrosas.
Apelar às autoridades religiosas não é, talvez, um gesto desesperado? O mundo é tão impermeável à razão?
Quero ser franco: há um pouco disso, é ao mesmo tempo um ato de esperança e de desespero. Eu não entendo por que se deve gastar tanta energia em algo que diz respeito a todos nós. Se nada se mover, haverá apenas perdedores. Em 25 anos, passamos de uma forma de indiferença a uma de impotência. A crise econômica concentrou a a atenção dos chefes de Estado na luta contra o desemprego e os desviou da crise ecológica. Talvez as autoridades religiosas os poderão levá-los de volta à razão...
O meu compromisso tem como alvo um segundo objetivo. Eu acho que uma aliança entre o que se pode chamar de ecologia científica, humana e a teologia como reflexão metafísica não é inútil para captar em profundidade a crise de civilização que estamos vivendo. É fundamental que as Igrejas, e a Igreja Católica em particular, esclareçam a responsabilidade do ser humano diante da "Criação", para retomar a linguagem dos fiéis. O ser humano está neste mundo para dominar a natureza, como afirmam alguns textos?
Você se encontrará com os representantes de outras religiões, como o islamismo e o judaísmo?
Quero ampliar o diálogo com os representantes de todas as religiões. Já tenho programado desde agora encontros nas próximas semanas com o ex-presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Mohammed Moussaoui, antes de me encontrar com o atual presidente, Dalil Boubakeur. Não é impossível que eu também faça uma viagem rápida ao Egito.
Por que a destruição da natureza deveria mobilizar mais os crentes em comparação com as questões da fome no mundo ou da guerra na Síria?
Não se trata de mobilizar mais. Mas as Igrejas podem ficar sem voz, enquanto a obra da Criação está prestes a desmoronar diante dos seus olhos? As religiões têm em comum a atitude de pôr em primeiro lugar das suas preocupações a luta contra a miséria, a desigualdade e a injustiça. Ora, as mudanças climáticas agravam todos esses sofrimentos, cujas primeiras vítimas, mesmo nas nossas latitudes, são os mais pobres. Depois de ter estudado os textos religiosos para preparar a minha visita ao Vaticano, eu me dei conta de que a Igreja Católica não dava voz às mudanças climáticas. Ora, como bem se sabe, as coisas que não são nomeadas não existem. Segue-se daí a sensação de que os eventos extremos de hoje devem ser atribuídos às catástrofes naturais. Portanto, é importante que a Igreja esclareça claramente as coisas.
Quais são as alavancas concretas que poderiam ser mobilizadas pelas autoridades espirituais?
Já temos uma boa notícia: a Igreja Católica publicará uma encíclica sobre a ecologia – provavelmente em 2015, mas é preciso permanecer prudentes com relação ao calendário. É um progresso importante. Especialmente se a crise climática for nomeada por aquilo que ela é realmente. Segundo projeto proposto: uma viagem do Santo Padre a um lugar que encarne a necessidade de proteger o planeta.
Uma ilha do Pacífico?
Há apenas o embaraço da escolha. Poderia ser uma ilha do Pacífico, já que os pequenos Estados insulares da Oceania estão particularmente inquietos. Gostaria muito que o Santo Padre fosse a Mont-Saint-Michel, um lugar que é um elo entre o mar, o céu e a terra, e que também encarna um vínculo entre cultura e natureza. Algumas pessoas da comunidade católica francesa estão trabalhando sobre essa ideia. Alguns vão pensar que eu assumo os meus desejos como realidades, mas por que não tentar? Tudo deve ser tentado. Se o mundo fracassa no acordo sobre o clima em 2015, a grande História vai se lembrar do nome daqueles que abdicaram do seu papel.
Você chega ao ponto de sonhar com uma ação simbólica ecumênica?
É o meu desejo, evidentemente. Em parte, é por isso que eu me encontrei com o Patriarca Bartolomeu I, que trabalha muito o diálogo inter-religioso. Ele prometeu ser o portador da nossa ideia junto ao Santo Padre, quando o encontrar em Jerusalém, durante a sua visita à Terra Santa, no fim de maio. Bartolomeu I nos disse que ele mesmo está pronto para se unir a essa iniciativa. Se considerarmos que o futuro da humanidade está sendo decidido hoje, eu acho que podemos acreditar nisso. Do mesmo modo, em um plano político, é preciso às vezes demonstrar um espírito de concórdia e fazer uma trégua, o tempo de dar um nome às coisas e de abrir pistas de ação comuns. Enquanto permanecermos firmes nas nossas divisões, às vezes legítimas, mas muitas vezes mantidas vivas artificialmente, eu temo que, com relação ao tema principal, acumulemos dívidas sobre dívidas.
O crescimento demográfico desempenha um papel na crise ecológica. Você acha que a Santa Sé está pronta para uma reflexão sobre questões como o controle de natalidade e a contracepção?
Pessoalmente, eu acho que se trata de um tema central que atravessa a educação e a sensibilização das populações. A Igreja Católica e os defensores do ambiente podem se unir na consideração de que estamos em uma sociedade do desperdício, em que o consumismo se afirma como uma falsa esperança do mundo. Há enormes extrações indevidas, em todos os campos, que não contribuem para o desenvolvimento humano. O ser humano não é o problema, dizia, em essência, o ecologista René Dubos. O problema é a massa de coisas inúteis que ele arrasta atrás de si. Acho que teremos um ponto de convergência maior com a Igreja Católica, lá onde a noção de sobriedade é acompanhada pela de humildade.
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"As Igrejas devem se comprometer com o clima''. Entrevista com Nicolas Hulot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU