Por: Caroline | 15 Janeiro 2014
“Então, se Deus se define essencialmente pelo amor aos outros, seja ele quem for, isso quer dizer que Deus não sabe, nem quer e nem pode fazer outra coisa que não seja amar e fazer os seres humanos felizes”, escreve o teólogo José María Castillo, em seu blog Teología sin Censura, 13.01.14. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/QPKhKD |
Eis o artigo.
Há alguns dias escutam-se os comentários (que pairam entre a indignação e o escândalo) sobre a afirmação recente de um pároco da pequena cidade de Leon. Ele afirmava tranquilamente que o câncer que acometeu um conhecido político do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) seria um “castigo da Providência Divina”, decorrente da condição homossexual do político em questão.
Para além do disparate advindo de tal afirmação, a injustificada (e nunca comprovada) opinião deste sacerdote nos leva rapidamente a enfrentar uma destas perguntas que tocam profundamente os assuntos religiosos. A pergunta é: Deus pode ser vingativo e punitivo? E, de maneira mais concreta: o Deus em que nós cristãos cremos, o Deus que nos foi revelado por Jesus, pode utilizar a vingança e o castigo contra aqueles considerados pecadores ou indignos, pelo motivo que for? Não quero entrar aqui no julgamento que pode ser feito por Deus acerca da homossexualidade. Mas, de todo modo, afirmar que a condição homossexual é uma perversão que merece um castigo divino e que se traduziria no sofrimento de um câncer, representa um disparate tão monumental quanto improvável. Por que esse padre acreditaria que Deus castigaria a homossexualidade com os padecimentos de um câncer?
Todavia este não foi o ponto mais grave das afirmações do mencionado clérigo da diocese de Leon. O pior foi sua apresentação de Deus como um justiceiro, vingativo e agente de castigos que nos estremecem de medo. O Deus que o Evangelho nos ensina, pode ser um Deus vingativo e punitivo?
Nos evangelhos, o termo “castigo” (“dikê”) não chega nem ser mencionado. E os termos “castigar” ou “vingar-se” aparecem apenas na parábola da viúva que pede justiça (Lc 18,3ss). É verdade que nos escritos de Paulo trata-se da vingança de Deus, (2 Tes 1, 8; Rom 12,19s; cf. Dt 32,35. 13). Entretanto, basta saber que quando Paulo fala de Deus, refere-se ao Deus de Abraão e as promessas feitas à Abraão (Gl 3, 16-21; Rom 4,2-20) (U. Schnelle, Paulus. Leben und Denken, Berlin 2003, 56). E, sobretudo, é fundamental que recordemos que o Deus ao qual Jesus se refere, é o Pai bom, que não faz distinção entre os bons e os maus, entre justos e injustos (Mt 5, 43-48). Além disto, é o Pai que acolhe ao perdido, sem o repreender ou pedir-lhe explicações, mas festejando-o, no auge da sua alegria (Lc 15, 11-32). Todavia, acima de tudo, quando nós cristão falamos de Deus, jamais deveríamos esquecer que a definição que este Deus nos dá, resume-se ao “o amor” (1 Jo, 4. 16). Então, se Deus se define essencialmente pelo amor aos outros, seja ele quem for, isso quer dizer que Deus não sabe, nem quer e nem pode fazer outra coisa que não seja amar e fazer os seres humanos felizes, como bem observou o professor A. Torres Queiruga.
Por isso, deveríamos distinguir cuidadosamente que castigar não é o mesmo que corrigir. O castigo é “um fim em si”, e não tem, nem poderia ter, como finalidade fazer sofrer. É justamente o oposto de qualquer forma de bondade e amor. A correção é “um meio” (doloroso ou desagradável) para obter um fim posterior, que sempre é positivo e alegre. Por isso, os pais corrigem seus filhos, os professores aos alunos. Jesus não castigou aos fariseus quando os disse que eram “hipócritas”. Como também não castigou a Pedro, quando o qualificou de “Satanás!” (Mt 16, 27). Nestes casos, como em tantos outros, Jesus não atuou como “castigador”, mas sim alguém que “corrige” e que busca apenas o bem e a felicidades daqueles que corrige.
Disto já podemos (e devemos) nos perguntar: é compatível a existência do inferno com a bondade e o amor que define a Deus? Se o inferno, por definição, é eterno, isso quer dizer o inferno não pode ser um meio para mais nada. O inferno é último e definitivo. O Deus que faz e mantém o inferno só pode ser definido como um Deus punitivo, um Deus que jamais poderia ser definido como amor. Além do mais, o Magistério da Igreja nunca definiu, como dogma de fé, a existência do inferno. O que a Igreja diz é que aquele que morre em pecado mortal, condena-se. Todavia, a mesma Igreja não diz (e nem poderia dizer) que nenhuma pessoa concreta tenha morrido em pecado mortal. Digamos assim, com mais lógica e mais humildade, que a linguagem metafórica do fogo, das trevas e do ranger dos dentes não passam de formas de expressão que nos falam de um Deus que é justo e que faz justiça. Então, como Ele a faz? Isto ninguém sabe. E nem pode sabê-lo.
Aceitemos, desta maneira, nossa limitação a tudo que se refere ao nosso conhecimento acerca do “mais além”. E, por consequência, jamais utilizemos a Deus ou a eternidade para fomentar o medo e a sujeição de pessoas aos interesses do poder e da autoridade, das quais profissionais da religião usam e abusam, e cujo objetivo e a única conquista possível é tornar mais odiosa e insuportável a causa de Deus.
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