10 Janeiro 2014
O diagnóstico foi esmagador e irrevogável. Aos 33 anos, Marlise Munoz estava com morte cerebral depois de desmaiar no chão de sua cozinha em novembro do ano passado, devido ao que pareceu ser um coágulo nos pulmões.
A reportagem foi publicada no portal The New York Times e reproduzida pelo portal UOL, 09-01-2014.
Mas, enquanto seus pais e seu marido se preparavam para dizer seu último adeus na unidade de terapia intensiva do hospital John Peter Smith, em Fort Worth, no Texas, e para honrar o desejo da paciente de não ser mantida viva com a ajuda de aparelhos, eles ficaram surpresos quando um médico lhes disse que o hospital não ia cumprir suas instruções.
Segundo o médico, Munoz estava com 14 semanas de gravidez, e o Texas é um dos mais de 20 Estados norte-americanos que proíbem - com diferentes graus de rigor - que as autoridades médicas desliguem os aparelhos que mantêm vivas pacientes grávidas.
Mais de um mês depois do diagnóstico, Munoz permanece ligada a aparelhos de suporte à vida no terceiro andar da UTI do hospital, onde uma equipe médica monitora os batimentos cardíacos do feto, que agora está em sua 20ª semana de vida. O caso de Munoz se transformou num estranho conflito entre o direito, a medicina, a ética da assistência médica no final da vida e as questões relacionadas ao aborto - ou seja, a discussão sobre quando começa a vida e como ela deve ser avaliada.
"Essa não é uma questão relacionada à defesa do direto de escolha da mulher nem à defesa do direito do feto", disse a mãe de Munoz, Lynne Machado, 60. "Trata-se de uma questão relacionada ao fato de a vontade da nossa filha não estar sendo honrada pelo Estado do Texas."
O pai de Munoz, Ernest Machado, 60, ex-policial e veterano da Força Aérea dos Estados Unidos, coloca a questão de uma maneira ainda mais direta e sem rodeios.
"Atualmente ela é apenas uma hospedeira para um feto", disse ele na terça-feira passada. "Eu fico com raiva do Estado. Por que eles têm que se meter nisso? Por que eles estão praticando a medicina em Austin?"
Os pais de Munoz disseram que desejam que a lei seja derrubada, mas eles não entraram com nenhuma ação judicial contra o hospital, embora também não descartem essa possibilidade. O hospital afirma que está seguindo a lei, apesar de vários especialistas em ética médica terem afirmado que acreditam que o hospital está interpretando mal a lei.
Uma questão crucial é saber se a lei se aplica a pacientes grávidas que estão com morte cerebral, em oposição àqueles pacientes em coma ou estado vegetativo. A lei, a primeira aprovada pelo legislativo do Texas em 1989 e posteriormente alterada em 1999, afirma que uma pessoa não pode retirar ou negar "tratamentos de suporte à vida" a pacientes grávidas.
Os Machado disseram que o hospital deixou claro para eles que sua filha estava com morte cerebral, mas os dirigentes do hospital se recusaram a fazer comentários sobre os cuidados e as condições de Munoz, gerando incertezas sobre se o hospital declarou formalmente a morte cerebral da paciente.
Uma porta-voz da Rede de Saúde JPS, o distrito hospitalar que é financiado por recursos públicos e está localizado no Condado de Tarrant, que administra o hospital John Peter Smith, com 537 leitos, defendeu as medidas tomadas pelo hospital.
"Em todos os casos, a JPS seguirá a lei que se aplica à assistência médica no Estado do Texas", disse a porta-voz, Jill Labbe. "Todos os dias, temos pacientes e famílias que precisam tomar decisões difíceis. Nossa posição permanece a mesma. Nós seguimos a lei.'.
Essas medidas restritivas foram amplamente adotadas na década de 1980, após a disseminação de leis que autorizavam os pacientes a elaborar diretrizes antecipadas sobre os cuidados que desejam receber no final da vida, como testamentos redigidos em vida e procurações relacionadas à assistência médica, disse Katharine Taylor, advogada e especialista em bioética da Universidade de Drexel, na Filadélfia. As cláusulas para proteger fetos, segundo ela, ajudaram a aliviar os receios da Igreja Católica Apostólica Romana e de outros indivíduos e entidades sobre essas diretrizes.
"Essas leis, basicamente, negam às mulheres os direitos que são concedidos a outros para determinar antecipadamente o tipo de assistência médica que elas desejam receber e para estabelecer como elas desejam morrer", disse Taylor. "A lei pode manter uma mulher viva para gestar um feto."
Mas, no Texas, a lei e os esforços do hospital para cumpri-la atraíram o apoio dos opositores do aborto.
"O feto deve ser reconhecido como uma outra pessoa, separada de sua mãe", disse Joe Pojman, diretor-executivo do Aliança do Texas pela Vida. E ele acrescentou: "eu diria que, mesmo que ela esteja com morte cerebral, eu sou favorável à manutenção dos tratamentos que permitirão que a criança continue sobrevivendo, na esperança de que essa criança possa nascer viva".
Jeffrey P. Spike, professor de ética médica da faculdade de medicina da Universidade do Texas em Houston, disse que existem alguns exemplos conhecidos de fetos que foram mantidos vivos enquanto a mãe, que estava em estado terminal ou com morte cerebral, permaneceu ligada a um respirador. Mas, em todos os casos, ele disse que essas medidas estavam alinhadas aos desejos da família.
Os pais de Munoz e seu marido, Erick Munoz, de 26 anos, permanecem no limbo, apesar de eles e outros parentes estarem ajudando a cuidar do filho de 15 meses de Eric e Marlise. Erick Munoz retornou para seu emprego de bombeiro, mas continua fazendo companhia à sua mulher no hospital.
Lynne Machado disse que os médicos haviam lhe dito que iriam tomar uma decisão sobre o que fazer com o feto quando ele atingisse 22 ou 24 semanas, e que eles haviam discutido a possibilidade de sua filha gestar o bebê até o final da gravidez para permitir a realização de uma cesariana.
"Isso é muito frustrante para mim, especialmente quando não temos nenhum poder no processo de tomada de decisão", acrescentou Ernest Machado. "Eles estão prolongando a nossa agonia."
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Nos EUA, caso de grávida com morte cerebral coloca hospital contra família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU