Por: Caroline | 17 Dezembro 2013
Catedrático emérito em História Cultural na Universidade de Cambridge e especialista em Historia Cultural Moderna, Peter Burke (Londres, 1937) analisa o contexto atual e assegura que há semelhanças com o contexto da crise de 1929, mas também diferenças “na resposta dos políticos”.
A entrevista é de Paco Cerdá, publicada pelo blog de sociologia e atualidade Ssociólogos, 02-12-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/d5uv9e |
Eis a entrevista.
O senhor considera que a História não pode ser escrita de forma objetiva. Por quê?
Porque somos humanos! E como humanos temos algumas atitudes e valores que nos condicionam. Isso pode ser observado cotidianamente. Se três pessoas presenciam o mesmo fato, terão versões diferentes do mesmo. Dessa forma, o máximo que podemos aspirar é a busca para que sejamos justos. Além disso, o esforço da objetividade máxima implica em sacrificar certas coisas, como a clareza. Evitar o ponto de vista do historiador, para ser o mais imparcial possível, em certas ocasiões, produz um relato difícil de entender.
Quem serão os vitoriosos da História atual e como a contarão para a geração seguinte?
É mais fácil avaliar isso em uma guerra do que na política. Contudo, pode-se verificar que a mudança no equilíbrio dos poderes com o crescimento da China e a crescente presença da voz dos muçulmanos terá sua correspondência na versão da História que irá se escrever. Além disso, é possível prever que na questão do meio ambiente todos nós seremos perdedores.
Quais as grandes manipulações da História que a população ainda sofre nos dias de hoje?
São tantas! Uma delas é o uso de uma linguagem dupla com a qual cada grupo narra o conflito. Quando alguém põe uma bomba, se forem os outros, são “terroristas”, já se são os nossos, são uma “guerrilha urbana” ou alguma outra designação menos dura. Além disso, todos distorcem nossa própria recordação do passado. Nossa tendência é a de “mitologizar” o passado. É como a entropia da natureza: podemos detectá-la, mas não escapar dela.
O esquecimento das pessoas comuns e atuais, ofuscadas pelos grandes personagens e os grandes feitos, é uma chaga da História. Deve-se reabilitar o homem comum?
A maior revolução historiográfica nos últimos duzentos anos foi a inclusão das pessoas comuns e de todas as atividades humanas na História, e não apenas a guerra e a política. Deve-se lembrar de que na famosa expedição pela África, David Livingstone, missionário e explorador britânico, não ia sozinho, mas fazia parte de uma expedição maior. Esse enfoque é uma revolução.
Sobre a atual crise econômica e sua repercussão para os mais pobres, quais são as grandes questões observadas que já ocorreram em outros períodos?
Há semelhanças com a crise de 1929, mas também diferenças na resposta dos políticos.
Fazia referência à gestão política. Talvez a estratégia de gerar medo na população para que não se rebele?
Sim, a estratégia do medo para evitar as revoltas é uma constante na história da humanidade. No entanto, interessa-me mais, como uma constante histórica, a teoria do por que as pessoas se rebelam. As primeiras teorias afirmavam que a população se rebelava quando as coisas pioravam. Por exemplo: sobe o preço dos cereais e explode a Revolução Francesa. Contudo, tanto os historiadores quanto os teóricos sociais destacaram, mais recentemente, que as rebeliões estão associadas à quebra de expectativas crescentes. Quando são criadas grandes expectativas e as coisas deixam de melhorar, é quando as pessoas se sentem mais insatisfeitas. Ainda mais se as coisas pioram lenta e progressivamente. Portanto, as expectativas frustradas são o contexto mais propício para que se estourem as revoltas. Isto significa que o momento mais perigoso para um Governo é quando aplica reformas que não contentam a população, porque as pessoas querem outras formas de reformas ou em um outro ritmo.
Expectativas frustradas e reformas criticadas pela população. Está descrevendo a Espanha. Prevê uma revolta por aqui?
Não conheço suficientemente o clima da opinião pública espanhola para fazer previsões. Porém, a teoria das gerações explica um fato da Espanha: há quarenta anos, houve uma geração que acreditou que a Transição era boa e que se moveu ao grito de “Guerra Civil nunca mais”. Esse consenso se quebrou. A atual geração se arrisca mais em sua relação com o passado.
Uma parte da Espanha se nega a recuperar a memória histórica do franquismo para não reabrir as feridas. Isso é justificável?
A reconciliação é importante e não se pode lutar a mesma Guerra Civil, geração após geração. Entretanto, entendo que isso é mais fácil dizer para um britânico que está longe, do que para um espanhol.
Em um mundo obcecado pelo futuro e pelas tecnologias, por que há uma busca pelas origens e pelas raízes?
São dois fenômenos ligados. Nos últimos 200 anos, nós observamos um processo de aceleração da História. As pessoas têm a sensação de ter perdido suas raízes e de se sentirem desorientadas. E o passado que querem conhecer é o passado que viveram ou aquele contado em casa.
O senhor afirmou que há três obstáculos para a democratização do conhecimento: os interesses das grandes companhias, a censura dos governos e o isolamento dos especialistas. Qual lhe preocupa mais?
Na atualidade, o mais perigoso é a censura governamental.
Por que ela continua sendo útil?
Nenhum governo pode operar sem segredos. Todo governo aspira silenciar as pessoas que querem revelar esses segredos, e os casos do Wikileaks y Snowden são paradigmáticos. Em um mundo ideal poderia existir uma transparência completa e não teria sentido a existência de serviços secretos. No entanto, no mundo real, a nenhum governo ocorreria suprimir sua espionagem.
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“A estratégia do medo, para evitar a revolta, é uma constante na história”, afirma Peter Burke - Instituto Humanitas Unisinos - IHU