26 Novembro 2013
Da Bienal de Veneza ao recente livro de Joseph Blenkinsopp: a infiltração do mal em um mundo declarado bom no início, quando a criação justamente sai das mãos do Criador, é uma questão mastodôntica que a Bíblia aborda nos 11 capítulos do Gênesis.
A opinião é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 24-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na agenda desse domingo, em meio a tantos tipos eventos de vários gêneros, há dois que são um pouco particulares. O primeiro é singularmente eclesial: encerra-se aquele "Ano da Fé" desejado por Bento XVI, em conexão com o 50° aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, em 11 de outubro de 1962. O outro encerramento envolve, ao invés, a cultura: de fato, fecham-se nesse domingo as cortinas da Bienal de Arte de Veneza, na sua 55ª edição.
A exposição viu pela primeira vez na história a presença da Santa Sé com um pavilhão próprio. Três artistas eram os convidados: o milanês "Studio Azzurro", dirigido por Paolo Rosa com uma videoinstalação interativa em quatro partes; o fotógrafo moravo Josef Koudelka, com três trípticos e nove "quadros"; e o australiano Lawrence Carroll, com quatro wall paintings (das quais uma impressionante freezing painting com gelo, óleo, cera, tela, madeira e vários materiais).
Pois bem, quando foi acertada a entrada do Vaticano na Bienal, sem querer impor um percurso obrigatório, eu simplesmente decidi pôr nas mãos daqueles artistas selecionados por uma comissão específica os primeiros 11 capítulos do livro bíblico do Gênesis, para que esse texto antigo, embora contemporâneo – tendo como protagonista ha-'adam, em hebraico "o Homem" de todos os tempos e lugares – os provocasse. O título era óbvio, In principio, em hebraico bereshît, que é a primeira palavra não só daquele livro, mas também de toda a Bíblia.
Surpreendente foi a adaptação espontânea dos três artistas ao tríplice movimento que rege aquelas páginas e que se tornou não só o subtítulo ideal, mas também a natural trama e compactação de toda a sequência expositiva: "criação/de-criação/re-criação".
Inesperadamente, durante os poucos meses de duração do evento veneziano (junho-novembro), apareceu na versão italiana o livro de um importante exegeta norte-americano, Joseph Blenkinsopp, professor em uma das mais prestigiadas universidades norte-americanas, a Notre Dame, em Indiana. O texto era uma refinada e original análise justamente daqueles 11 capítulos bíblicos, e o título do volume em inglês era Creation, Un-Creation, Re-Creation, traduzido para o italiano de forma menos boa como Creazione, de-creazione, nuova creazione, enquanto a tarja que acompanhava o livro declarava: "O tema proposto pelo Pavilhão da Santa Sé na edição 2013 da Bienal de Arte de Veneza".
O nó que o livro quer dissolver é naturalmente o que afanou por séculos filósofos, teólogos e escritores, ou seja, "a infiltração do mal em um mundo declarado bom no início", quando a criação justamente sai das mãos do Criador. Questão mastodôntica que a Bíblia aborda justamente naqueles 11 capítulos que funcionam quase como premissa autônoma para a história da salvação posterior, cujo vínculo é explicitado pelo parágrafo final do capítulo 11, onde Abraão entra em cena. O fato de que as perguntas são ardentes é confirmado pela própria história da humanidade, ritmada por "crimes, loucuras e desventuras", como sintetizava lapidarmente o famoso historiador inglês do século XVIII Edward Gibbon.
A análise oferecida pelo texto – que, dentre outras coisas, é fruto da fusão redacional de páginas diferentes em autor e cronologia – é realizada recorrendo a um gênero literário específico, o mito. A esse propósito, porém, é preciso observar que a terminologia "mito" é assumida por Blenkinsopp segundo uma acepção "técnica", muito distante do uso popular que considera o vocábulo como sinônimo de fábula, lenda, fantasia, saga.
Além disso, o "mito" bíblico não é simplesmente comparável nem mesmo aos paralelos semíticos, onde se cruzam rituais e concepções cíclicos naturalistas e teologias politeístas e imanentistas. Nós preferiríamos classificar esses capítulos, por isso, para evitar equívocos, como "etiologias meta-históricas sapienciais". Tentemos nos explicar.
Estamos diante de uma narração aparentemente histórica, com uma trama de eventos própria, que, no entanto, tem um valor filosósifo-teológico, portanto "sapiencial" e existencial. O relato quer voltar idealmente à fonte da humanidade para encontrar o sentido e a finalidade de todo o rio que dela derivou: por isso, é "etiologia", ou seja, a busca das causas, do significado, da gênese daquela genealogia humana que chega até hoje. O objetivo não é tanto o de explicar o que aconteceu nas origens, mas sim de identificar quem é o homem e qual matriz o mal tem no contexto da criação: portanto, é uma "meta-história", isto é, não uma vaga ideologia, mas sim a identificação do fio condutor subjacente a eventos, tempos e vicissitudes históricas humanas.
Trata-se, portanto, de arquétipos que não querem tanto narrar cientificamente o que aconteceu no processo de evolução da criação e de hominização, mas sim afirmar na sua raiz inicial o estatuto permanente de cada criatura humana em qualquer época histórica e área geográfica. Assim, mesmo no primeiro relato fundamentalmente positivo da criação (capítulo 1 do Gênesis), tem-se a evocação do nada através dos símbolos das trevas, do deserto informe e do abismo vazio (1, 2): é a irrupção do limite, da finitude e do mal. Dentre outras coisas, o próprio casal humano, que é definido como "muito bom/bonito" é criado no sexto dia, e o seis na simbologia dos números é um número negativo.
Mais explícito é o segundo relato (capítulos 2-3), em que a liberdade humana – e aqui Blenkinsopp poderia ter insistido mais no valor "metafísico" e antropológico-ético da "árvore do conhecimento do bem e do mal", um evidente sinal das livres escolhas morais –, impulsionada também por forças externas negativas (a serpente), se enfurece contra o primordial projeto divino devastando-o. O rio do mal prossegue depois com o nascimento da família, em que brotam a inveja e a cólera, que levam ao delito (Caim e Abel), delito que se difunde na sociedade com a espiral da violência exaltada por Lameque até aportar na radical "de-criação" do dilúvio. Ele é uma espécie de catarse da humanidade já envolta nas redes do mal e da hybris contra o Criador (seja com o chamado "pecado original", seja com a arcaica evocação da hierogamia entre os "filhos de Deus" e as "filhas homem" em Gênesis 6, 1-4).
E, mesmo depois da "re-criação" pós-diluviana com Noé salvo no santuário da sua "arca", como semente da nova humanidade, reaflora o germe maligno em Nimrod, o primeiro artífice de um império (10, 8-12) com o seguimento de degenerações nacionalistas, colonialistas, imperialistas encarnadas em Babel (11, 1-9), a tradicional superpotência oriental inimiga de Israel.
Estudar em profundidade essas páginas, como faz Blenkinsopp, torna-se, consequentemente, uma surpreendente oportunidade para interpretar o nosso presente com olhos realistas, mas também iluminados pela esperança, porque a última metade da história – e é essa a mensagem final da Bíblia – não é o caos, mas sim a "re-criação" ou a "redenção".
- Joseph Blenkinsopp, Creazione, de-creazione, nuova creazione. Bolonha: Dehoniane, 2013. 289 páginas.
- In Principio. Pavilhão da Santa Sé. 55ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza 2013, com curadoria de Micol Forti e Pasquale Iacobone. San Lazzaro di Savena: FMR-ART'È. 180 páginas.
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No princípio do bem e do mal. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU