25 Novembro 2013
Cinquenta anos depois de John F. Kennedy, Martin Luther King Jr. e de João XXIII. São 50 anos depois dos três maiores e mais claros apelos à conversão espiritual da história.
A opinião é da irmã beneditina norte-americana Joan Chittister, prioresa por 12 anos da comunidade de Erie, Pensilvânia, nos Estados Unidos, copresidente da Global Peace Initiative of Women, organização internacional parceira da ONU em temas de paz e mulheres, e ex-presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR).
O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 14-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
São cinquenta anos depois.
Cinquenta anos depois do assassinato de John F. Kennedy.
Cinquenta anos depois da ascensão de Martin Luther King Jr.
Cinquenta anos depois da morte de João XXIII.
Isto é, cinquenta anos depois que um coro de clarim pediu paz na política externa, igualdade na diversidade e justiça social como a essência da fé. São 50 anos depois dos três maiores e mais claros apelos à conversão espiritual na história do país.
De fato, vivemos em uma era de gigantes espirituais. E o que temos para mostrar a respeito? Onde estamos agora?
Em um discurso de formatura na American University no dia 10 de junho de 1963, Kennedy pediu a conversão do coração mais transformadora que o mundo já vira no auge da Guerra Fria.
Ele desafiou os formandos, os líderes políticos do futuro, a entender que "a guerra total não faz nenhum sentido" em um mundo em que uma única bomba nuclear equivalia a 10 vezes "todas as forças aéreas aliadas da Segunda Guerra Mundial".
Ele teve o descaramento de pedir paz e colaboração com a União Soviética em um país doente da alma por causa do seu medo do comunismo. Mesmo assim, o orçamento militar dos Estados Unidos muito tempo antes começou a minar os recursos norte-americanos a ponto de levar à nossa própria ruína social. Precisamos entender, disse ele aos jovens daquela época, que as nossas próprias atitudes com relação ao significado da paz em um novo mundo global é tão importante quanto às da Rússia.
Em uma sociedade durante muito tempo ensinada a odiar e a temer, a rejeitar e a resistir à presença da Rússia comunista na comunidade das nações, ele chamou esses líderes da próxima geração a se lembrarem do valor e do sofrimento, da força e da criatividade, da coragem e do compromisso imperecível do próprio povo russo diante das suas perdas avassaladoras na Segunda Guerra Mundial.
Em um mundo agora ameaçado pela poluição nuclear, assim como pela aniquilação nuclear, ele exortou esses jovens a perceberem que enfrentar um adversário com a morte certa era forçá-los a escolher entre a retirada humilhante e a total devastação em uma guerra na qual haveria muitos heróis mortos, mas nenhum vencedor.
E então ele instou os Estados Unidos a trabalharem com a União Soviética, a ajudá-los a atingir os seus objetivos para que pudéssemos alcançar todos os nossos objetivos também.
Em outras palavras, ele pediu que nós, que os próprios Estados Unidos renunciássemos à nossa estratégia nacional de aniquilação a fim de buscar uma estratégia de paz.
Foi um compromisso valente, bravo, bonito e santo com a conversão espiritual em uma ecologia nacional de ódio, de belicismo, de loucura militar e de polarização política.
E então, cinco meses depois, eles o mataram. Quem? Quem sabe? Mas uma coisa é certa: foi alguém que valorizava a dominação e a morte mais do que a vida, mais do que a conversão, mais do que a humanidade – a sua própria ou a de qualquer outra pessoa.
E enquanto tudo isso estava acontecendo, ao mesmo tempo, há 50 anos, Martin Luther King gritou, também, pela igualdade humana, pela justiça econômica, pelo fim da guerra e pela unificação de uma nação que conscientemente tinha se dividido. E, mesmo assim, nós ainda detemos e revistamos, detemos e humilhamos qualquer um daqueles que vivem fora da cultura dominante, marginalizados por ela, acossados por ela.
Finalmente, em 1962, o Papa João XXIII chamou a Igreja católica, esse bastião de passados monárquicos, a ir além da sua resistência à Reforma na qual tinha se cimentado por mais de 400 anos. Ele pediu a renovação da própria Igreja, uma força pela vida no meio de uma cultura da morte, um sinal da unidade em um mundo de guerras, em vez de um muro de guerreiros dedicados à conservação do denominacionalismo. Ele pediu uma Igreja que tornasse o Evangelho mais importante do que a descrição do inferno.
Era uma torrente de conversão pedida para todas as grandes instituições e segmentos da população da terra: governo, sociedade e Igreja.
De fato, tem sido um período agitado de 50 anos. E onde estamos agora?
Estamos no fim de meio século de guerra interna em todos os níveis: político, social e religioso.
Eles nos alertaram, todos eles – JFK, Martin e João –, a examinar as nossas políticas e a mudar os nossos corações, a abrir os nossos braços e a expandir as nossas almas, a estender as nossas mentes para além do paroquialismo, do chauvinismo e da dominação, ou condenarmos a nós mesmos a assistir ao país se destruir por suas próprias mãos.
E, no entanto, nunca como agora o país esteve tão dividido entre aqueles que têm e aqueles que não têm, entre os ricos e os que passam dificuldades, entre as forças de mudança espiritual e os asseclas do controle.
Nós falamos de paz global e continuamos nos armando – cada homem, mulher e criança na rua – a ponto do total vigilantismo.
Nós conseguimos ficar mais pobres, mais endividados e mais doutrinários em cada arena. Nós concentramos as nossas riquezas e destruímos os nossos sindicatos.
Nós chamado os costumes da fé como a essência da fé. E assim nos tornamos uma Igreja em depressão e em desarranjo. Nós gastamos as nossas energias nas armadilhas da religião e não no coração da religião.
Os norte-americanos ricos conseguiram ficar mais ricos, sem a ajuda dos trabalhadores norte-americanos que criaram essa riqueza para eles, em primeiro lugar.
A sociedade norte-americana trocou o racismo aberto por uma guerra contra os 10 milhões de imigrantes que atraímos para cá para fazer o trabalho de campo que nós não queríamos fazer.
E as nossas Igrejas se dividiram por causa de rituais e linguagem, temas tabus e assuntos de sexualidade, discriminação de gênero e definições juvenis de obediência apesar da tentativa do Concílio Vaticano II de tornar a todos nós em uma Igreja de adultos.
A repressão eclesiástica contra o pensamento e a discussão, contra o respeito pelas várias posições teológicas das várias perspectivas da comunidade cristã, contra uma disposição de ouvir também o clamor dos novos tipos de pobres entre nós não apenas fechou as janelas da Igreja, mas também escolheu as respostas de ontem como suficientes para as questões de hoje.
Nós estamos, como povo, em outras palavras, no meio do caminho entre aqui e lá. Nós somos, como uma nação, um povo e uma Igreja, um mastro de bandeira balançando ao vento.
Nós estamos em um ponto de inflexão.
A luta tem sido muito longa; a confusão, muito profunda; e as políticas de cada instituição, profanas demais para suportar por muito mais tempo.
Nós estamos escolhendo agora entre a discussão e a disputa, entre ganhar e crescer, entre o velho e o novo imperativo.
De onde eu me encontro, com um afro-americano na Casa Branca, um sul-americano da era peronista no Vaticano e 10 milhões de imigrantes indocumentados entre nós, parece que estamos em outro momento de possível conversão. Nós estamos escolhendo entre o passado e o presente, entre a vida e a morte.
Mas com a ausência de JFK, Martin e o bom Papa João, a única questão agora é: por qual caminho você está pendendo? Quem sabe? E por que não?
Feliz aniversário.
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O que mudou e o que permanece depois de 50 anos da morte de John F. Kennedy? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU