21 Novembro 2013
Os sírios em fila para pedir notícias sobre os parentes desaparecidos passam ao seu lado sem parar. Alguns levantam o polegar em sinal de solidariedade, um gesto rápido, escondido. Não se aproximam, não falam com ela. Assim os milicianos ordenaram: é melhor ficar longe daquela mulher que se apresenta diante da caserna com um cartaz. A cada dia um diferente, a cada dia com um slogan para irritar as suas certezas fundamentalistas: "A nossa revolução começou com pessoas honestas e foi roubada pelos ladrões", "Libertem todos os prisioneiros", "Os muçulmanos que derramam o sangue de outros muçulmanos são pecadores".
A reportagem é de Davide Frattini, publicada no jornal Corriere della Sera, 18-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E se fossem só as palavras... Os extremistas, com os rostos cobertos por balaclavas pretas, não suportam que Suad use calças: "Se você quer vir protestar, ao menos vista algo decente", repreenderam-na, tentando mandá-la embora.
Suad Nofal tem 40 anos, é graduada em pedagogia, antes da revolta contra o regime lecionava para as crianças nas escolas locais. Ela se lembra da primeira grande manifestação, em meados de março de um ano atrás, quando os habitantes de Raqqa saíram às ruas para chorar e se rebelar depois da morte de Ali Babinsk, morto pelos soldados de Bashar Assad: "Nós o enterramos, e o funeral se tornou um cortejo. Até atiraram contra a multidão, 17 mortos. Desde então, não paramos mais", conta ela à revista online Now Lebanon.
Suad continuou a sua luta pela liberdade, mesmo quando quem passou a pisar nela foram os perseguidores do Exército Islâmico do Iraque e do Levante, a emanação da Al-Qaeda que já domina essa cidade da Síria oriental. "Meses atrás, eu comecei e me apresentar diante do seu quartel general – explica ela em um vídeo postado no Facebook – e fico ali de pé por uma hora, uma hora e meia. Depende de quanto eu estou cansada".
No início, ela pediu a libertação do seu cunhado, levado embora pelos esquadrões do ISIL. Ela continuou quando sequestraram Ibrahim al-Ghazi, culpado de ter organizado uma campanha para que a bandeira da revolução síria continuasse sendo a única a ser exposta nas casas de Raqqa. E não parou quando ficou sozinha, e os seus companheiros assinaram uma declaração para suspender os protestos contra a presença dos jihadistas. Ela não cedeu quando o padre Paolo Dall'Oglio desapareceu no fim de julho.
"Ele era meu hóspede, vinha à minha casa no fim do dia de jejum pelo Ramadã", lembra ela à Now Lebanon. "Ele denunciava as táticas do Exército Islâmico: os homicídios políticos e o sigilo, os mesmos usados pelo regime. Ele foi falar com os milicianos e nunca mais saiu daquele palácio". O jesuíta italiano completou 59 anos este mês, entrou novamente na Síria a partir da fronteira com a Turquia durante o verão e tinha chegado às áreas controladas pelas brigadas rebeldes. No junho de 2012, o governo de Damasco o forçara a deixar o país depois de 30 anos, por causa das suas críticas à repressão da revolta.
A ferocidade dos extremistas ligados à Al-Qaeda, a vontade de impor a todos as normas religiosas e a prevaricação política (um édito em Raqqa impõe que se exponha apenas as bandeiras pretas do ISIL) está pressionando os ativistas moderados a deixar essas áreas. "Eles fazem com que os chamem de xeiques – comenta Suad –, é um título que só pode ser merecido depois de ter estudado por muitos anos o Alcorão. Mas, ao contrário, são rapazes. Os que mais se envolvem comigo são os estrangeiros, que chegaram aqui para combater por outras nações".
Ela conta que agora ela se exibe com os cartazes apenas quando não há fundamentalistas por aí. Eles já a intimidaram com os kalashnikovs, e ela é considerado uma apóstata, acusação que dá aos que a encontram o direito de matá-la.
Ela nunca dorme no mesmo apartamento, tornou-se uma fugitiva na sua cidade, mas não quer ir embora nem renunciar. "Eu uso estas calças há 30 anos, em casa e fora dela: é o meu modo de me vestir que os enfurece realmente. O pecado não é uma mulher que veste calças. São as suas máscaras pretas, símbolo da opressão, que são contra o Islã".
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Síria. As calças de Suad contra a Al-Qaeda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU