14 Novembro 2013
A Coca-Cola anunciou no último dia 8, que vai eliminar mundialmente a apropriação injusta de terras da sua cadeia de fornecimento. Isso significa que ela vai rever as suas próprias práticas e as de seus fornecedores no sentido de não mais permitir que seus produtos sejam associados a violações do direito à terra e conflitos agrários.
A reportagem é de Patrícia Bonilha, publicada no portal Cimi, 12-11-2013.
O anúncio é uma resposta à campanha Por trás das Marcas, da Organização Não Governamental Oxfam, que através de seu relatório O Gosto Amargo do Açúcar apontou as estreitas relações entre a indústria do açúcar e as apropriações injustas de terra. No Brasil, a Coca-Cola compra açúcar da Bunge que, por sua vez, compra açúcar da Usina Monteverde plantado na Terra Indígena Jatayvary, localizada em Ponta Porã (MS).
Em 2004, esta terra foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como sendo território tradicional do povo Guarani Kaiowá. A Bunge é proprietária da Usina Monteverde desde 2008. Na foto, túmulo de indígena Guarani Kaiowá, assassinado por conta do conflito agrário, cercado por uma plantação de cana.
Segundo a Oxfam, o Mato Grosso do Sul tem 51 territórios indígenas e a expansão da cana-de-açúcar mais que triplicou em sete anos, saltando de 180 mil hectares para 570 mil hectares entre 2007 e 2012. Localizados no coração da região celebrada como celeiro do agronegócio, 39 dos 79 municípios do estado possuem pelo menos uma usina de cana. A ONG Repórter Brasil, em seu relatório Em Terras Alheias, de 2012, e a Oxfam afirmam que a Bunge compra açúcar de cinco fazendas localizadas na TI Jatayvary: Santa Luzia, Guarida, Três Marias, El Shadai e Fazenda Dependência. A Coca-Cola teria afirmado à Oxfam que o açúcar que compra da Bunge vem de outras usinas, não de Monteverde.
Em 2010, o Ministério Público Federal, especificamente a Procuradoria da República de Mato Grosso do Sul, apelou à Usina Monteverde, operada pela Bunge, para que deixasse de comprar cana-de-açúcar de terras em processo de demarcação. No entanto, ao contrário de outros usineiros que operam na região de Dourados, a Bunge declarou que pretende continuar a comprar cana-de-açúcar produzida nas terras indígenas dos Guarani Kaiowá até o fim dos contratos, em 2014, ou até quando o processo de demarcação das terras indígenas estiver totalmente concluído.
“A cana-de-açúcar está sendo plantada dentro de uma terra que a Funai e o Ministério da Justiça já declararam que é tradicionalmente do povo Guarani Kaiowá. A Bunge deve parar imediatamente de comprar o açúcar que traz em si o sangue deste povo. Caso contrário, ela também se torna responsável pelo conjunto de violações contra os indígenas”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Após mais de 30 anos de luta dos Guarani Kaiowá pelo reconhecimento de suas terras, em 1994, a Funai deslocou o povo para outro território em Dourados. Em 1999, a população de Jatayvary voltou a ocupar sua terra tradicional em Ponta Porã. Noentanto, o retorno foi marcado por violência e conflito por parte de posseiros que tentavam permanecer na área indígena. Apenas em 2004 a Funai reconheceu a Terra Indígena Jatayvary, sendo que a publicação da portaria declaratória dando a posse permanente de 8.800 hectares aos indígenas foi feita pelo Ministério da Justiça em 25 de abril de 2011. Desde então, uma tentativa da Funai e da Polícia Federal de realizar a demarcação física do território foi impedida pelos posseiros da terra.
O outro caso que envolve fornecedores da Coca-Cola envolvidos com problemas fundiários no Brasil é o das comunidades pesqueiras no litoral sul de Pernambuco. Impedidas pela usina açucareira Trapiche de desenvolverem a atividade econômica da qual dependem para sobreviver no manguezal de Sirinhaém, elas demandam a criação de um Reserva Extrativista (Resex) na área.
“Continuaremos a acompanhar bem de perto os casos dos pescadores de Pernambuco e do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, já que queremos ver mudanças positivas em relação aos direitos e bem estar das comunidades afetadas pela agricultura em larga escala”, afirmou Simon Ticehurst, diretor da Oxfam no Brasil.
No documento divulgado na última quinta-feira, a Coca-Cola se compromete também a aderir à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que se refere ao princípio de Consentimento Livre, Prévio e Informado em todas as suas operações – e a requerer que os seus fornecedores adotem o mesmo princípio. A empresa também afirmou que vai realizar estudos de impacto social, ambiental e direitos humanos nos países de onde adquire açúcar, começando por Brasil, Colômbia e Guatemala. Por enquanto, a PepsiCo e a Associated British Foods (ABF) – as duas outras companhias enfocadas pela campanha da Oxfam – ainda não se pronunciaram sobre os problemas apontados pelo relatório O Gosto Amargo de Açúcar. A petição da Change.org que demanda o fim do vínculo destas corporações da área de alimentos com a violação do direito à terra e conflitos agrários já recolheu quase 250 mil assinaturas em todo o mundo. Ela está disponível (aqui).
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Coca-Cola solicitará à Bunge que não compre açúcar produzido em terra Guarani Kaiowá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU