21 Setembro 2013
Bergoglio espera uma Igreja pobre, o que a Igreja hoje claramente não é, independentemente de como se entenda a "pobreza" que ela deveria assumir. A perspectiva, portanto, é de reforma radical.
A opinião é do historiador italiano Giovanni Miccoli, professor emérito da Universidade de Trieste e ex-professor da Universidade de Veneza. O artigo foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 15-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Francisco de Assis sempre foi um santo popular. Entre os séculos XIX e XX, em particular, e mais do que nunca na Itália, ele foi chamado a proteger ou a avalizar as mais diversas iniciativas e situações. O fato novo, parece-me pode dizer, está em outro lugar: e está na particular atenção, inédita como fato de massa para os tempos recentes, com que se recorre ao seu carisma e se olha para as características originais e para as implicações do seu modo de ser e da sua mensagem. "O espírito de Assis se espalha pelo mundo", escreveu o Avvenire, o jornal dos bispos italianos, em um excesso de triunfalismo.
A razão dessa repentina e difusa forma de envolvimento emotivo e de interesse avassalador, que obviamente não tem nada a ver com os âmbitos restritos da pesquisa especializada, é evidente: no dia 13 de março deste ano, o cardeal Bergoglio, eleito pelo conclave como novo papa na quinta votação, primeiro papa jesuíta, assumiu o nome de Francisco, com referência explícita ao santo de Assis; um nome certamente carismático e popular, mas que, em oito séculos, nenhum papa tinha se aventurado a assumir.
Uma breve reconstrução do modo pelo qual tal escolha ocorreu e do seu porquê foi oferecida pelo Papa Bergoglio a poucos dias da sua eleição, recebendo no dia 16 de março os representantes da mídia reunidos em Roma para o conclave. Um relato simples, quase de baixo perfil, intencionalmente desdramatizante, não isento de uma sutil ironia. Corresponde ao estilo imediatamente assumido pelo Papa Francisco. Mas os termos essenciais, termos fortes, presentes nessa escolha são claramente enunciados.
De Francisco de Assis são evidenciados três aspectos: homem da pobreza, homem da paz, homem que ama e cuida da criação. São três aspectos que, no discurso, abrem-se de repente a uma perspectiva inédita para a Igreja, quase como se tratasse do resultado do que Francisco de Assis foi e quis fazer, e que o papa que tinha assumido o seu nome esperava poder realizar: "Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!".
Uma Igreja pobre, não só dos pobres ou para os pobres segundo os modos de ser comuns de inúmeras iniciativas e realidades eclesiais, e segundo o que vozes muito autorizadas da hierarquia estavam sugerindo de várias formas, especialmente a partir do Concílio Vaticano II. Bergoglio espera algo mais e diferente, ou seja, uma Igreja pobre, o que a Igreja, e menos do que nunca a Igreja de Roma, hoje claramente não é, independentemente de como se entenda a "pobreza" que ela deveria assumir. A perspectiva, portanto, é de reforma radical.
Ao longo do Vaticano II, o trabalho do grupo informal "Jesus, a Igreja e os pobres" tinha se posto a questão da pobreza e dos pobres com relação à realidade presente da Igreja, envolvendo inúmeros Padres de autoridade, embora se os seus reflexos nas discussões e nos documentos conciliares tenham sido muito limitados e parciais.
Não foi assim na América Latina, onde a Assembleia Episcopal de Medellín (agosto-setembro de 1968) retomou amplamente as suas perspectivas, marcando profundamente por muitos anos as orientação daquelas Igrejas, antes que as intervenções romanas – sob o pretexto de combater as infiltrações marxistas na teologia da libertação, que dessas perspectivas havia sido a principal expressão – destroncassem em grande parte o seu impulso.
Mas ainda durante o Concílio, um dos protagonistas dessa assembleia, Dom Hélder Câmara, havia se detido longamente sobre tais questões nas circulares que quase cotidianamente ele enviava aos seus amigos e colaboradores no Brasil. As circulares foram publicadas em Recife em 2004, cinco anos depois da morte do seu autor. É difícil que Bergoglio não as tenha lido.
Em todo caso, sem querer estabelecer nexos e relações que deveriam ser mais pontualmente especificadas e documentadas, não me parece ser uma forçação destacar que o Francisco que se delineia nessas reflexões de Hélder Câmara apresenta muitas analogias tanto com o quadro oferecido por Bergoglio para explicar a sua decisão de assumir o seu nome, quanto com atos e gestos que caracterizaram o início do seu pontificado: porque, com toda a evidência, até mesmo para ele, para além da opção preferencial pelos pobres, a questão da pobreza da Igreja parece se configurar também em termos de renúncia ao poder e aos seus símbolos, em uma escolha de simplicidade e de partilha, com o consequente abandono da opulência e do fausto que foram e são uma expressão primária das reivindicações do poder pontifício.
Ao Francisco que optou por "seguir a Cristo e servir aos outros", que no beijo ao leproso, como Bergoglio sublinha em alguns de seus discursos, "conheceu o momento em que tudo isso se tornou concreto na sua vida", ao mais tradicional Francisco pobre entre os pobres, que na secular devoção dos povos da América Latina por São Francisco das Chagas encontrou expressões e retomadas singulares, associa-se, na sua visão, o Francisco reformador, que, na pobreza, no abandono de todo triunfalismo e autorreferencialidade, indica à Igreja o caminho para poder falar às pessoas.
Portanto, parece possível dizer que, nas orientações pastorais que amadurecem na América Latina no pós-Concílio, emergem traços de uma reflexão sobre Francisco de Assis que lê a sua obra principalmente nos termos de uma reforma da Igreja, com o seu centro, para ela, na escolha da pobreza e da opção preferencial pelos pobres. Eu não acredito que se trate de um fato casual.
Uma condição de extrema miséria, de exploração e de opressão é largamente generalizada no continente: envolve milhões de pessoas. A Conferência de Medellín não tinha deixado de destacar isso explicitamente: "Um surdo clamor nasce de milhões de homens, pedindo a seus pastores uma libertação que não lhes chega de nenhuma parte". É a consciência que inspira a teologia da libertação. A grande afirmação de regimes autoritários e repressivos agravava ainda mais a situação.
Não é estranho que hoje, no momento mesmo em que essas Igrejas locais tomam cada vez mais consciência de tais realidades (e da sua anterior inadequação culpada), elas olhem para modelos capazes de lhes sugerir uma plena reatualização da mensagem evangélica originária.
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A Igreja pobre desejada por Francisco. Artigo de Giovanni Miccoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU