16 Setembro 2013
Fundador da The School of Life vem ao País dar palestras sobre compaixão e trabalho. Para o filósofo australiano, colocar-se no lugar do outro é a verdadeira revolução.
Há 20 anos, Roman Krznaric se inscreveu para um curso de culinária na Bahia; mas, como não conseguiu uma bolsa de estudos, declinou a viagem. Hoje, o filósofo australiano, um dos fundadores da The School of Life, na Inglaterra, finalmente conhecerá o Brasil. Abriu uma exceção para viajar de avião – ele se preocupa com as emissões de carbono – e virá ao País para uma palestra sobre trabalho, dia 22, no Teatro Augusta.
A reportagem e a entrevista é de Sônia Racy e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-09-2013.
Escritor do best seller Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida, o filósofo continua interessado em culinária, mas se dedica a incentivar o que chama de “questionamentos sobre a vida”. E a vida laboral, segundo o escritor, é uma das questões que causam mais insatisfação e inquietação no mundo contemporâneo. “Hoje, pessoas de todas as classes sociais começam a enxergar o trabalho como algo para além da sobrevivência. É uma ocupação que pode fazer você se sentir preenchido”, conta. A saída para a insatisfação, explica, tem algumas alternativas: aplicar seus valores pessoais no trabalho; procurar um emprego que faça diferença no mundo; e usar seus talentos e habilidades; entre outras. “Uma das maiores razões de satisfação no trabalho não é dinheiro, mas autonomia”, diz.
Além de aulas e conferências pelo mundo, o australiano toca, paralelamente, um projeto definido por ele como “a grande ambição de sua vida”: a criação de um Museu da Empatia. “Trata-se de um lugar onde você poderá entrar e conversar com pessoas que não conhece. Assim como emprestamos livros de uma biblioteca, será possível emprestar pessoas para uma conversa”, explica. O projeto não é de todo utópico. Segundo o filósofo, depois de um vídeo explicando seu conceito de empatia, com 500 mil visualizações, sua caixa de e-mail recebe, pelo menos, uma mensagem por dia de pessoas do mundo inteiro se propondo a ajudar na criação do museu.
É por meio dessa troca e da disseminação desse conceito de empatia que o filósofo acredita ser possível fazer uma revolução: “As pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos”, diz.
Eis a entrevista.
No seu livro, o senhor fala que 60% das pessoas estão insatisfeitas com a vida profissional. Por que esse desconforto crescente?
Parte dessa insatisfação vem do fato de que, nos últimos 20 ou 30 anos, houve um grande crescimento de expectativa com relação ao trabalho. Antes disso, poucos se questionavam sobre seus empregos. Hoje, pessoas de todas as classes sociais começam a ver o trabalho como algo para além da sobrevivência. Uma ocupação pode fazer você se sentir preenchido. De taxistas a investidores de banco, médicos, faxineiras… todos procuram por mais significado no trabalho. Nasceu o conceito de que trabalho pode ser um lugar para se aplicar os talentos, as paixões, os valores.
Como essa mudança ocorreu?
À medida que as necessidades básicas são alcançadas, como casa, comida, educação, as pessoas buscam mais propósitos na vida. E, claro, hoje em dia há mais profissões. Na Europa do século passado, se você quisesse trabalhar com algo que envolvesse suas visões políticas e sociais, existiam poucas possibilidades. Atualmente, há um enorme mercado de trabalho para isso, como ONGs, órgãos de meio ambiente, sociais, em que as pessoas podem sentir que estão fazendo a diferença diariamente. Isso é algo novo. Ter um trabalho onde me sinto valioso e cheio de significados.
O senhor não acha que essa tendência contemporânea de que o emprego tem de ter alguma função social pode criar uma certa culpa coletiva?A maioria das pessoas não trabalha com algo que faz diferença para o mundo.
Sim. Nossos valores são grandes motivadores para o trabalho e para a satisfação laboral. E sim, existe uma culpa de quem pensa “se eu não estou trabalhando com meninos de rua, então sou uma pessoa ruim”. Entretanto, há outras maneiras de encontrar satisfação no trabalho. Uma delas é essa: aplicar seus valores pessoais na prática. Outra é usar seus talentos – sendo um artista ou um jogador de futebol, você não está necessariamente mudando o mundo, mas sua satisfação virá do uso de suas habilidades e paixões. Para mim, o maior problema não é a culpa, mas o arrependimento. É a sensação de chegar ao fim da vida e saber que não fez o que gostaria realmente de ter feito.
O que acha da corrente que defende que as pessoas trabalhem em casa, sozinhas?
Isso é um tópico contemporâneo muito importante. Nos últimos meses, especialmente nos EUA, as empresas não estão deixando seus funcionários trabalharem de casa. O exemplo mais clássico é a nova chefe executiva do Yahoo, Marissa Mayer, que há alguns meses não permite que seus funcionários trabalhem de casa. Isso é trágico. Uma das revoluções modernas laborais, no mundo ocidental, é a ideia de trabalhar de casa.
Por quê?
Uma das razões apontadas pela maioria das pessoas que são felizes no trabalho não diz respeito à remuneração, mas à autonomia. É o senso de liberdade, o poder de decisão sobre o próprio trabalho, que cria satisfação. Mesmo que não seja o emprego dos sonhos. Trabalhar de casa é uma dessas possibilidades. Controlar o próprio horário, a disciplina.
Recentemente, um estagiário se suicidou na Inglaterra, depois de trabalhar 72 horas seguidas. O que acha da cultura que incentiva trabalhar demais?
Muitas empresas fazem o culto do “overwork”, em que trabalhar muito, além da conta, é valorizado. Especialmente em bancos e consultorias. Na Inglaterra, um milhão de pessoas afirmam ser viciadas no trabalho. Ou seja, trabalham mais do que precisariam. A ideia de “work adiction” é um grande problema. O Japão é um caso clássico. Muitas pessoas cometem suicídio ou sofrem de ataque do coração, depois de trabalhar demais. Existe, inclusive, uma palavra no dicionário japonês para “morrer de tanto trabalhar”. Espero que isso seja uma mensagem para indivíduos e para essas empresas.
No livro, o senhor afirma que encontrar o “trabalho da vida” é como encontrar o amor perfeito.
Isso aprendi com uma mulher que, aos 30, pediu demissão e testou 30 profissões diferentes durante um ano. E ela me disse, no fim desse processo, que encontrar o emprego perfeito é como encontrar um amor perfeito. Você pode fazer uma lista com qualidades que gostaria num parceiro e, no fim, se apaixonar por um que não tenha nenhuma delas. Trabalho é isso. Empregos inesperados podem ser surpreendentemente bons. Por isso, experimentar é importante. Para se dar chance de descobrir novas paixões e talentos. O contrário também acontece.
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‘A ideia de felicidade ocidental, baseada no individualismo, falhou’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU