05 Agosto 2013
Muito tem sido escrito sobre o padre e reformador austríaco Helmut Schüller desde que ele deu início à sua turnê por 15 cidades dos Estados Unidos chamada "O ponto de virada católico", em Nova York, na semana passada.
A reportagem é de Jamie Manson, publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Schüller tem gerado notícias no movimento de reforma da Igreja Católica Romana desde 2006, quando ele e um grupo de colegas padres organizaram a Iniciativa dos Párocos Austríacos. Em 2011, eles geraram manchetes mundiais quando lançaram o "Apelo à desobediência", um apelo para que o Vaticano abordasse a escassez de padres e outros impasses enfrentados pela Igreja institucional.
A Iniciativa dos Párocos Austríacos está preocupada que a diminuição do número de clérigos esteja impactando a qualidade do cuidado pastoral oferecido aos católicos batizados. O seu "Apelo à desobediência" sugere reformas como a ordenação de mulheres e de homens casados para resolver essa crise em curso.
O que faz de Schüller uma figura intrigante entre os reformadores é que ele não é simplesmente um pároco arrivista. Ele passou anos como um infiltrado hierárquico, ocupando os papéis muito públicos de presidente da Cáritas Áustria e de vigário-geral do cardeal austríaco Christoph Schönborn. Ele tem a rara intuição de quem atuou tanto na hierarquia quanto na paróquia. Mais raro ainda, ele arriscou a sua posição e o seu privilégio ao estar em plena e franca solidariedade com os leigos católicos reformadores.
Horas antes da estreia de Schüller no dia 16 de julho em Nova York, ele e eu nos sentamos para uma entrevista. Já que muitos das metas e ideias que discutimos – como o plano para um encontro internacional de padres, a nova evangelização, as suas opiniões sobre o fato de o cardeal Sean O'Malley tê-lo impedido de falar e o tratamento dado pela Igreja institucional aos casais de mesmo sexo – não tiveram cobertura por grande parte da mídia que acompanhava as suas palestras, eu estou oferecendo o texto da nossa conversa, que foi editado para uma melhor clareza.
Eis a entrevista.
Você está usando as suas férias de verão para embarcar em uma turnê de 15 cidades pelos EUA. O que você espera realizar?
Essa viagem é uma forma para que as organizações de reforma e os padres de inclinação reformadora se conectem uns com os outros. O nosso objetivo é construir uma rede internacional de movimentos de reforma. Queremos tornar públicos os nossos sofrimentos, questões, problemas e desejos para a nossa Igreja e deixar claro que os católicos de inclinação reformadora podem ser encontrados em toda a Europa e EUA.
Nos EUA, não há muitos padres que pertençam abertamente a grupos de reforma da Igreja. Como você vai chegar até eles?
Como eu viajo de cidade em cidade, eu estarei me encontrando com padres informalmente em sessões fechadas. Estou encorajando os padres dos EUA a permanecerem junto com os movimentos leigos. Os padres aqui são cautelosos, porque há muita pressão dos bispos norte-americanos. Nós devemos ser defensores do povo de Deus, especialmente quando as suas iniciativas são postas de lado. Eu não estou completamente familiarizado com a situação dos EUA. Espero que nas próximas semanas eu enriqueça o meu ponto de vista sobre as lutas daqui.
Os movimentos de reforma na Áustria são igualmente postos de lado?
Na Áustria, estamos em uma situação um pouco diferente. É claro para os nossos bispos que os reformadores têm uma grande maioria por trás deles. Nós estimamos que, na Áustria, 80% dos fiéis católicos e dois terços dos padres concordam com a nossa plataforma. Se há pressão dos bispos, a mídia ajudou a torná-la pública. Os bispos não podem nos pôr de lado facilmente por causa da pressão pública.
Existe algum plano para reunir padres de inclinação reformadora para um encontro?
A Iniciativa dos Párocos Austríacos, que eu ajudei a fundar, está chamando 2013 de "um ano de internacionalização". Em outubro deste ano, estamos planejando um encontro internacional de padres da Áustria, Alemanha, França, Irlanda, Grã-Bretanha, EUA e outros países para tentar ampliar a nossa rede e continuar discutindo o "Apelo à desobediência".
O que motiva o "Apelo à desobediência" e toda essa organização dos padres na Áustria?
Os padres na Áustria perceberam que, depois que nos aposentarmos, as nossas comunidades serão fundidas. A falta de padres é uma situação urgente e desesperadora. Os membros leigos das nossas comunidades são os únicos que estão construindo a Igreja. Quanto mais as paróquias se fundem, mais os padres estão perdendo a oportunidade de caminhar com os membros das suas comunidades através das suas vidas diárias. Trata-se mais do que compaixão. Trata-se de companheirismo e solidariedade com os leigos. A vida não vai ficar mais fácil, e queremos oferecer às pessoas o serviço da Igreja.
A nossa segunda motivação vem das questões que têm surgido a partir do nosso cuidado pastoral das nossas comunidades paroquiais. As doutrinas da Igreja sobre os católicos divorciados em segunda união e os casais do mesmo sexo têm criado uma série de problemas pastorais. Precisamos de um novo modelo de ensino sobre as relações sexuais. O nosso ensino deveria se concentrar na qualidade dos relacionamentos, e não na forma. Em vez de condenar os católicos em segunda união ou os casais do mesmo sexo, deveríamos estar nos perguntando: como eles estão vivendo o seu relacionamento? Estão respeitando a dignidade um do outro? Temos que respeitar que as pessoas queiram viver juntas, que elas se sentem responsáveis umas pelas outras, e que elas cuidam umas das outras.
Como você se tornou o rosto público da Iniciativa dos Párocos Austríacos?
Eu era presidente da Cáritas Áustria e também atuei como vigário-geral do cardeal Christoph Schönborn. Eu sou mais conhecido na Áustria por causa desses papéis públicos, de modo que me tornei o representante do grupo. Isso ajuda com a mídia, porque eles só tendem a respeitar as pessoas individuais em vez de movimentos como um todo. Mas a iniciativa não é um movimento meu. Um grupo de padres o fundou, e nós trabalhamos como comunidade. Temos um conselho que se reúne regularmente para refletir sobre o nosso trabalho, discutir os problemas e dar assistência aos párocos que estão sozinhos.
Alguns alegaram que a Igreja Católica Romana na Europa está morrendo ou sendo substituída pelo secularismo. Como você responde a essas afirmações?
Por causa da história da reforma na Europa, a Igreja teve que se engajar seriamente com a sociedade moderna. Isso não significa que a Igreja esteja morrendo. Ela está simplesmente lutando com as questões da modernidade. Sim, algumas comunidades de fé são pequenas, mas são muito ativas. Estamos confrontando as questões, não cedendo ao secularismo. Alguns querem uma "Igreja do contraste" que seja contrária à sociedade. Mas essa não é a ideia de Jesus ou dos Evangelhos. A Igreja deve ir para dentro da sociedade e compartilhar as vidas diárias das pessoas.
No início do seu pontificado, o Papa Bento XVI falou de recristianizar a Europa. O Papa Francisco parece apaixonado pela nova evangelização. Você acha que a Europa precisa ser evangelizada?
Se a evangelização significa que o Evangelho precisa ser levado de "nós" para "eles", e que "eles" têm que aceitar que nós [a hierarquia] têm a sabedoria, então eu acho que não haverá sucesso com a nova evangelização. A primeira evangelização que é necessária é a evangelização da Igreja. O Papa Francisco parece ter começado isso agora: ser simples, para os pobres, distanciar-se da riqueza. A evangelização é se encontrar com as pessoas, compreender as suas questões, entender as mudanças na sociedade, respeitar que essa sociedade moderna realizou muitas das ideias originalmente cristãs e encontrar novamente a origem do nosso Evangelho. Se a nova evangelização se tornar um monólogo, haverá um problema. Sim, nós temos que pregar o Evangelho, mas devemos levá-la na linguagem do nosso tempo. Isso não significa diluir o Evangelho, mas sim entrar em diálogo com o mundo sobre o Evangelho.
O que você pensa sobre a alegação de que vivemos em uma "cultura de morte"?
O Concílio Vaticano II tinha uma visão otimista da sociedade moderna. Não houve nenhuma fala sobre uma cultura de morte. Os bispos respeitaram os sucessos da sociedade humana. Claro, a Gaudium et Spes reconheceu que a sociedade moderna tem a sua escuridão, caos e conflito, mas também reconheceu que a sociedade moderna desenvolveu as ideias sobre uma sociedade justa e íntegra, sobre a igualdade de participação dos seres humanos, bem como sobre o direito à consciência individual. Esse é realmente o espírito da Declaração dos Direitos Humanos [das Nações Unidas], e o Concílio o respeitou. A Mater et Magistra afirmou que a posição da Igreja não é olhar desprezar a sociedade e dizer que ela está morrendo, mas, ao contrário, olhar para o que é bom na sociedade e discutir o que é problemático. A Igreja deveria ser uma boa companheira para a sociedade moderna. Claro, isso é arriscado. É mais confortável ficar em uma fortaleza. Mas o caminho de Jesus é ir ao encontro das pessoas onde quer que elas estejam.
Você foi proibido de falar em ambientes católicos em Boston pelo cardeal Sean O'Malley. Preocupa-lhe o fato de o cardeal O'Malley ser um dos oito cardeais que o Papa Francisco escolheu para o seu conselho de assessores?
Bem, realmente não é um sinal de esperança, mas deixemos estar. Esses são os reflexos antiquados de um sistema antiquado de pensar. Em vez de proibir essas discussões, a hierarquia poderia, ao invés, pedir para ser representada nessas conversas. Proibir alguém de falar é algo triste, mas a verdadeira tristeza está em proibir as pessoas de ouvir. Para mim, ser proibido de falar não é dramático – eu apenas vou para outra igreja. Mas um bispo dizer: "Vocês não devem ouvir"? Isso simplesmente não é possível no nosso tempo. Vivemos em uma sociedade aberta. As pessoas podem obter informações onde quer que elas queiram. Mas essa visão de uma Igreja em que os batizados são "protegidos" contra a obtenção de informações que o bispo não quer que eles tenham? É um ponto de vista ridículo, eu acho. Talvez o que estejamos vendo são os últimos reflexos de um sistema moribundo. Eu sinto que essas formas estão desaparecendo. Esqueçamos isso e tenhamos esperança.
E sobre a alegação da hierarquia de que você está criando desunião na Igreja?
Nessas conversas, estamos reunindo pessoas que estão envolvidas aqui nesta Igreja. Elas têm discussões comigo e uns com os outros, e, depois, retornam para as suas comunidades e continuam o seu trabalho pela Igreja. Não estamos desviando-as da Igreja, as estamos inspirando a continuar pedindo reformas. É a Igreja delas. Se os bispos pudessem ver quem são as pessoas que estão se reunindo aqui, eles não ficariam com medo de que estamos dividindo a Igreja. Eu acho que está acontecendo o contrário. Houve pessoas que me disseram: "Eu teria ido embora [da Igreja], mas depois de ouvir você, eu sinto que há alguma esperança em lutar pela Igreja e pela sua reforma, por isso vou ficar".
Quais são os primeiros passos que você gostaria que o papa e os bispos dessem com relação à reforma?
Um dos passos importantes seria o de encorajar os bispos a estar com as pessoas, a não serem contra elas em nome do Vaticano. Uma medida-chave será descentralizar a autoridade papal e convocar os bispos à colegialidade e a responsabilidades compartilhadas. O sínodo dos bispos deve funcionar como um sínodo de verdade. É a única forma de dar aos bispos a possibilidade de preencher o espaço com novas ideias. Além disso, os leigos devem ser trazidos para dentro da tomada de decisão da Igreja. Devemos pressionar as lideranças da Igreja para abrir o diálogo e para usar os dons e os carismas dos fiéis.
O que você diria para aqueles que argumentam que os problemas de vocês com a Igreja institucional dizem respeito apenas à Europa e aos EUA e que a maioria dos católicos romanos que vivem no Sul global e na Ásia não compartilham essas preocupações?
Essas sociedades irão se confrontar com as mesmas questões. Os nossos colegas sul-americanos e latino-americanos já estão nos dizendo: "Não pensem que nós não temos os mesmos problemas". Globalmente, as sociedades estão mudando muito rapidamente. Em 10 ou 20 anos, o Sul global vai enfrentar as mesmas questões que nós. Nas megacidades, eles já estão. As lideranças da Igreja não devem esperar que poderão evitar essas questões. Elas irão surgir. Talvez a Igreja na Europa e nos EUA deveria ser pensada não como uma Igreja moribunda, mas sim como um laboratório para o futuro, onde a Igreja se engaja com a sociedade moderna. Não devemos superestimar o número de pessoas que vão à Igreja, e não devemos subestimar os problemas que a Igreja está enfrentando.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A necessidade de evangelizar a Igreja institucional. Entrevista com Helmut Schüller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU