05 Julho 2013
"Terras indígenas, principalmente na Amazônia, têm uma tendência a “atrapalhar” projetos governamentais no Brasil. Esse negócio de ter que consultar índio, que impede empresa internacional de extrair ouro e nióbio livremente, atrapalha muito certos planos de poder", escreve Telma Monteiro, especialista em análise de processos de licenciamento ambiental, em artigo publicado por Racismo Ambiental, 04-07-2013.
Segundo ela, "o novo marco regulatório da mineração foi elaborado no conchavo dos bastidores de Brasília, sem a participação da sociedade. Uma incrível riqueza logo ali, na região onde se planeja a construção de dezenas de hidrelétricas nos rios Tapajós, Jamanxim, Teles Pires e Juruena. Coincidência ou não, os projetos hidrelétricos na Amazônia parecem atrelados aos grandes projetos de mineração de ouro".
Eis o artigo.
“Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos ainda guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último resquício da magia da sua história.Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as Mães da Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais"
Os Munduruku estão dando o tom. Não querem a construção de nenhuma hidrelétrica em seu rio precioso. O governo diz que vai construí-las mesmo que na consulta os indígenas decidam não aceitar. Para os grandes interessados em grandes obras que continuam sendo as empreiteiras e os políticos, a Amazônia é a última fronteira hidrológica do Brasil. Quem foi que decidiu que é?
Usinas com pequenos reservatórios, as já famosas a fio d’água como quer o Ministério de Minas e Energia (MME), pretendem falsamente evitar os impactos ambientais. No caso do rio Tapajós, o MME foi ainda mais longe e criou um conceito de usinas plataforma que até hoje não conseguiu explicar direito. Não se sabe se são plataformas de petróleo no meio da floresta, que jorram água para girar turbinas ou se são hidrelétricas em forma de plataformas suspensas no meio da mata. Mas, outro dia, vi o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, jurando de pés juntos que com elas não haverá impactos e a floresta ficará intocada. Milagre?
Explicaram isso para os Munduruku? Bem que tentaram. Esse conceito de usina plataforma, segundo o governo, é a solução milagrosa para impedir impactos que afetem terras indígenas e áreas protegidas. Claro que eles, os Munduruku, não acreditaram na conversa. Ainda bem!
Nem a presidente Dilma Rousseff acreditou nesse conceito que só pode ter saído de uma seção governamental de terapia grupal alucinógena. Dilma, então, deu uma mãozinha e editou medida provisória para alterar os limites das unidades de conservação na região, que assim escapariam dos reservatórios das futuras usinas. Aliás, ela aproveitou a canetada e mandou parar as demarcações de terras indígenas. No Brasil todo.
Interessante é que todas essas medidas e outras parecem estar diretamente relacionadas com o novo marco regulatório da mineração que Dilma mandou para a apreciação do Congresso em 18 de junho. Terras indígenas, principalmente na Amazônia, têm uma tendência a “atrapalhar” projetos governamentais no Brasil. Esse negócio de ter que consultar índio, que impede empresa internacional de extrair ouro e nióbio livremente, atrapalha muito certos planos de poder.
O governo da Dilma já tentou reunião com os Munduruku que reafirmaram não querer ninguém perambulando por suas terras. Uma aldeia foi atacada covardemente durante uma operação contra garimpos ilegais e um indígena foi morto pela polícia federal. Os índios reivindicam apuração dos fatos e justiça.
Os Munduruku, então, foram até Belo Monte, se juntaram aos parentes da Volta Grande e pararam as obras do monstro duas vezes. Na última, o governo ofereceu uma carona aos índios até Brasília, no avião da FAB, para uma conversinha com Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, e sua tropa. Lá foram os Munduruku.
Não teve acordo na reunião. Os Munduruku fizeram passeata em Brasília, tentaram ser recebidos no palácio do Planalto e acabaram acampando na sede da Funai. Justo, afinal, o órgão é responsável pelos indígenas e deve pelo menos honrar isso, já que o resto de suas obrigações para com eles nem é bom comentar.
De volta a suas terras, os Munduruku hospedaram por uns dias três pesquisadores da empresa Concremat, que estavam em suas terras sem autorização. A Concremat presta serviços para o Consórcio Grupo de Estudos Tapajós, formado pelas empresas Camargo Correia, GDF Suez, Eletrobras e Eletronorte.
Muita gente pergunta por que os Munduruku não aceitam as “ofertas” do governo. A resposta é simples. O rio Tapajós é sagrado para os Munduruku, pois lá habita Karosakaybu, o deus criador do mundo, e que pode transformar homens em animais. Ele protege os Munduruku da escassez de caça e de pesca e assegura a harmonia entre eles e a natureza. Para os que ainda não compreenderam, é bom nem pensar na possibilidade de se construir hidrelétricas no rio sagrado dos Munduruku!
Karosakaybu não vai gostar… “Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu.”
Lá vem de novo a mesma ladainha da compensação e mitigação dos impactos. Isso não cola mais, Dilma. Entenda o povo Munduruku que ainda vive no ambiente da floresta e nas áreas de savana da Amazônia, chamadas de “campos do Tapajós”, no vale do rio Tapajós. Sua cultura é ancestral com atividades de subsistência ritualísticas para a agricultura, caça, pesca e coleta.
Os Munduruku já foram vítimas das pressões da expansão da exploração da borracha na segunda metade do século XIX. Essa região ocupada por eles ainda é chamada de Mundurukania. Os primeiros contatos com os Munduruku datam de 1768. Repito: 1768. Então quem é que tem que dar a palavra final sobre a utilização do rio Tapajós? Já são mais de sete mil indígenas espalhados em 101 aldeias e que querem garantir sua sobrevivência, preservar sua cultura e manter a integridade de seu território.
Hoje, os projetos de exploração de ouro de grandes mineradoras internacionais na maior província aurífera do mundo e os planos do governo de construir hidrelétricas são as ameaças que tiram o sono dos donos da floresta. Em 2009, os Munduruku enviaram uma carta de protesto ao Presidente da República em que manifestaram sua preocupação com a construção do Complexo Tapajós. Em 2013 mandaram mais nove delas.
O novo marco regulatório da mineração foi elaborado no conchavo dos bastidores de Brasília, sem a participação da sociedade. Uma incrível riqueza logo ali, na região onde se planeja a construção de dezenas de hidrelétricas nos rios Tapajós, Jamanxim, Teles Pires e Juruena. Coincidência ou não, os projetos hidrelétricos na Amazônia parecem atrelados aos grandes projetos de mineração de ouro.
A terra indígena Munduruku ocupa 12% da bacia do Tapajós e guarda uma riqueza mineral incalculável. Precisa dizer mais alguma coisa?
Mapa: usinas hidrelétricas na região do Tapajós
Fonte: Racismo Ambiental
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Hidrelétricas e mineração causam insurreição no Tapajós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU