19 Junho 2013
Uma sala (algumas poltronas e um sofá) com uma escrivaninha, atrás um austero crucifixo, uma estante de livros de vidro, um tapete com desenhos persas. Muito (demasiado?) uso de neon. Depois, o quarto, um frigobar, um corredor e um banheiro. Um piso de parquê industrial polido como um espelho e especialmente aquela cama de madeira escura tornam os ambientes muito frios. Mas o inquilino não reclama. O homem é austero, o despertador geralmente toca às 4h45min, 15 minutos depois ele já está em oração e assim permanecerá por uma hora, meditando sobre as leituras da missa diária.
A reportagem é de Alessandro Speciale, publicada no sítio Vatican Insider, 17-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O mapa dos centros dos Grandes Poderes do mundo mudou há algumas semanas. O novo pontífice da Igreja Católica guia seus fiéis (1,214 bilhão, segundo o último Anuário Pontifício) do apartamento 201 no segundo andar da Casa Santa Marta. Bergoglio usa outro nome. Chama-a de "Internato": 106 suítes, 22 quartos individuais e um apartamento.
Ele se encontra muito bem, quase é impensável que ele volte a morar no imenso Apartamento papal do Palácio Apostólico. Ele explicou durante a audiência às escolas italianas dos jesuítas: "Eu tenho necessidade de viver entre as pessoas, e se eu vivesse sozinho, talvez um pouco isolado, não me faria bem".
O fato de que Santa Marta, o hotel no coração da Cidade do Vaticano, nasceu para hospedar os cardeais nos conclaves já é um ponto axial fundamental na nova página da Igreja é demonstrado pela recente nomeação de Dom Battista Mario Salvatore Ricca ao posto-chave de prelado interino do IOR, o discutido Instituto para as Obras de Religião. Por acaso, Ricca é diretor das casas de hospitalidade vaticanas e especialmente de Santa Marta. As suas frequentes conversas com o Papa Francisco, às vezes na janta, construíram uma direta relação de confiança.
O Papa Francisco se move em Santa Marta como os jesuítas em suas residências coletivas. Muitas vezes, ele aparece no átrio sem aviso prévio (na recepção, há turnos de equipe de mulheres leigas que atendem o telefone). Quanto às refeições, nenhuma formalidade: Bergoglio se senta com quem estiver e à noite, se o bufê estiver funcionando, ele se serve com uma bandeja.
Como cardeal de Buenos Aires, ele cozinhava as suas refeições sozinho e se orgulhava do "seu" leitão assado. O refeitório de Santa Marta consolidou uma fama de mediocridade no Vaticano. Cozinha continental, de verdadeiro hotel como é Santa Marta. Assados, ensopados, massa de forno. Mas o papa não se opõe. Lá vivem estavelmente cerca de 30 eclesiásticos da Secretaria de Estado, alguns empregados leigos, aqueles bispos que de todo o mundo chegam a Roma por alguns dias. Ele também hospeda Ernst von Freyberg, o novo presidente do IOR, quando vai a Roma.
A gestão da Casa é pilotada por Dom Ricca, que conta com seis irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo (chamadas antigamente de "le cappellone" por causa do imenso chapéu). Mas o resto do pessoal, masculino e feminino, é leigo. Incluindo a cozinha. O serviço de segurança é discreto: gendarmeria pontifícia, guardas suíços. Nenhum corpo especial.
Bergoglio ama Santa Marta, acha-a funcional. Lá, no dia 19 de março, ele recebeu Cristina Fernández de Kirchner, a presidente argentina, que comeu no refeitório com ele. Em Santa Marta, foram recebidos no sábado, 15 de junho, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o cardeal Stanislaw Dziwisz, arcebispo de Cracóvia e ex-secretário particular de João Paulo II.
Ele utiliza o grande Apartamento papal apenas para as visitas oficiais de Estado (aquela com o presidente da República italiana, Giorgio Napolitano, por exemplo) e para as bênçãos dominicais. Quanto ao resto, ele vive na "normalíssima" Santa Marta.
Depois de acordar de madrugada e da meditação, missa às 7h (é frequente uma antecipação de quatro a cinco minutos), com uma breve homilia (síntese cotidiana no L'Osservatore Romano), saudação ao grupo convidado, fotografias, finalmente o café da manhã no refeitório. Nas missas matinais, as pessoas são convidadas por agrupamentos homogêneos: empregados vaticanos no início, a comunidade argentina em Roma, recentemente os Cavalheiros de Sua Santidade (incluindo o duque romano Leopoldo Torlonia).
Depois, há o dia de trabalho, o exame dos vários casos. Uma breve pausa para o almoço, seguida de meia hora de repouso (o despertar da madrugada pesa). Depois, mais trabalho, janta às 19h30min, 20h, oração, luz apagada pouco depois das 22h.
O uso de Santa Marta resultou na evacuação do estacionamento "italiano" na Via della Stazione Vaticana, em frente aos números 3-5-7, cerca de 20 postos seguros no caos romano em torno de São Pedro. Algumas reclamações dos moradores, mas era impensável que houvesse carros estacionados à noite quase sob as Sagradas Janelas.
É impossível contar quantas vezes o Papa Francisco se encontrou com Bento XVI na sua nova residência no ex-mosteiro Mater Ecclesiae, a 200 passos de distância de Santa Marta. Bergoglio é imprevisível, move-se com agilidade. Ratzinger continua a sua vida extremamente retirada: oração, meditação, lentas caminhadas nos jardins vaticanos. Nenhuma novidade. Sabe-se lá quantas vezes eles terão se visto protegidos de olhos indiscretos. Só Santa Marta sabe.
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Na casa do papa em Santa Marta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU