13 Março 2013
"A Igreja Católica demonstra que seus caminhos são insondáveis. A escolha de Bergoglio é certamente uma ruptura na tradicional escolha de papas europeus. Mostra que a instituição religiosa se atenta para os desafios globais, que se avolumam", escreve Rodrigo Coppe Caldeira, historiador, professor do departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 14-03-2013.
Segundo ele, "o olhar se volta para o hemisfério sul do planeta, onde se encontra a maioria dos católicos e também aqueles mais necessitados materialmente. Um arcebispo jesuíta latino-americano, que escolhe ser o papa Francisco".
Eis o artigo.
A escolha pelos cardeais de Jorge Mario Bergoglio como papa surpreendeu o mundo. Como no conclave de 1978, que elegeu o polonês Karol Wojtyla como sucessor de Pedro, o cardeal argentino, arcebispo de Buenos Aires, surge como uma surpresa.
Naquele momento, Wojtyla apareceu como um terceiro nome para o papado, que tinha como seus principais candidatos o conservador Giuseppe Siri (candidato da Cúria Romana) e o arcebispo de Florença, Giovanni Benelli. Se pudermos encampar as informações que circularam esses dias na imprensa mundial por ocasião do conclave que se seguiu à renúncia de Bento XVI, é possível especular que uma conjuntura semelhante se sucedeu.
Muitos nomes foram apontados como favoritos. Nos últimos dias, despontaram Angelo Scola, de Milão, e Odilo Scherer, de São Paulo. Disse-se que Scola era o candidato do papa emérito Bento XVI, enquanto Scherer, aquele que representaria os interesses curiais. Nem um nem outro.
Mais uma vez, a Igreja Católica demonstra que seus caminhos são insondáveis. A escolha de Bergoglio é certamente uma ruptura na tradicional escolha de papas europeus. Mostra que a instituição religiosa se atenta para os desafios globais, que se avolumam.
O olhar se volta para o hemisfério sul do planeta, onde se encontra a maioria dos católicos e também aqueles mais necessitados materialmente. Um arcebispo jesuíta latino-americano, que escolhe ser o papa Francisco. Nenhum outro cardeal na história bimilenar da igreja escolhido como papa usou esse nome.
Giovanni di Pietro di Bernardone (1182-1226), o São Francisco de Assis, viveu para testemunhar o Evangelho na sua radicalidade. Anunciou Jesus com palavras, mas sobretudo com ações, dando em testemunho sua própria vida, simples e humilde. Filho de uma rica família, deixou as regalias da burguesia ascendente para viver no meio dos pobres.
A dúvida que resta nessas primeiras horas do novo pontificado é se o nome foi escolhido tendo como referência Francisco de Assis ou Francisco Xavier (1506-1552). Xavier, espanhol de Navarra, foi um dos pioneiros da Companhia de Jesus fundada por Inácio de Loyola (1491-1556) e é considerado o grande evangelizador da Ásia.
Não seria um risco dizer que Bergoglio, como pastor da igreja de Buenos Aires, mescla os dois carismas. Como contumaz defensor da caridade e da ajuda aos pobres, Bergoglio, porém, não provém de correntes progressistas do catolicismo argentino nem tem vínculos, o que era de se esperar, com a Teologia da Libertação.
Com grande sensibilidade política, entrou em choque com os governos Kirchner. Néstor Kirchner o via como o "verdadeiro representante da oposição". Reagiu fortemente contra a legalização do casamento homossexual na Argentina e foi tido como "inquisidor" pela presidente Cristina.
De personalidade simples e discreta, entende que a atividade ordinária da igreja é a missão. Falando sobre a evangelização num de seus discursos antes da eleição, afirmou que se "deve evitar a doença espiritual de uma igreja autorreferencial" e que "se a igreja permanece fechada em si mesma, autorreferenciada, envelhece". Sinal de que está disposto à escuta, necessidade premente da igreja universal.
Sua aparição na sacada da Basílica de São Pedro, terminado o conclave, chamou atenção por reação contida e discreta. Mas suas palavras deixaram claro a que veio. Relembrou o papa emérito e pediu aos milhares de fiéis na Piazza di San Pietro uma oração por ele. Humildemente, exortou a todos para que rezassem por ele e fez referência a um "caminho de igreja que nós começamos".
Com 76 anos e saúde frágil, a questão que resta é se o seu papado terá o tempo necessário para concretizar as intuições que inicialmente desperta.
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O insondável caminho de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU