08 Março 2013
Na sequência da notícia da última quarta-feira de que os norte-americanos não irão mais fazer coletivas de imprensa diárias na corrida rumo ao conclave, aparentemente depois que os cardeais na Congregação geral expressaram preocupação com os vazamentos nos jornais italianos, há inúmeras boas perguntas que se pode fazer.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 06-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Três delas, no entanto, parecem ser imediatamente intrigantes.
As duas primeiras são mais fáceis de responder, ao menos sem virar em especulação.
Quanto à razão para a ordem de silêncio, um comunicado dos bispos dos Estados Unidos indicou que as preocupações foram expressadas nos encontros da Congregação Geral sobre detalhes de suas discussões supostamente confidenciais que apareceram em jornais italianos, e, como uma medida de precaução, os norte-americanos decidiram não dar entrevistas.
Isso, sem dúvida, faz parte do quadro, mas há mais.
Uma das coisas é a preocupação entre alguns cardeais de que a agenda para o conclave deveria ser definida por eles mesmos, e não pela mídia. Ao longo dos séculos, o Vaticano lutou batalhas titânicas para proteger esse processo da influência externa, e a preocupação com a independência de uma eleição papal está conectada diretamente ao DNA local.
Há também um fator mais prosaico em ação. Nos últimos dois dias, jornalistas de outras partes do mundo haviam metralhado seus cardeais com uma pergunta óbvia: se os norte-americanos estão fazendo isso, por que vocês não? Parte do impulso de fazer com que os norte-americanos "baixem a bola" pode estar relacionado com o fato de não pressionar os demais cardeais a seguir o exemplo.
Finalmente, os próprios norte-americanos podem estar se sentido um pouco aliviados, já que a sua disposição de se encontrar com a imprensa já estava sendo definida em alguns lugares como uma tentativa de sequestrar o conclave ou de promover candidatos norte-americanos ao papado. Dessa forma, eles podem evitar o fato de ter que alimentar teorias conspiratórias, sem assumir a culpa de desligar o plugue.
Agora, com relação às consequências em termos de relações públicas, provavelmente elas não serão nada boas.
O primeiro resultado do fato de os cardeais se subtraírem da conversa é que o tempo de rádio e TV e a centimetragem das colunas de jornal serão preenchidos por outras vozes, e a história será conduzida por outras narrativas. Vamos dar um exemplo prático.
Durante uma coletiva de imprensa no Colégio Norte-Americano na última segunda-feira, o cardeal Francis George, de Chicago, respondeu a uma pergunta sobre os escândalos de abuso sexual de crianças. Em essência, ele disse que a "tolerância zero" agora é lei da Igreja, e o próximo papa será obrigado a segui-la. Essa frase de efeito tornou-se a história do dia e, se ela não tivesse sido disponibilizada, os meios de comunicação provavelmente teriam passado o dia reciclando as reações à admissão de má conduta sexual por parte do cardeal escocês Keith O'Brien.
A partir de um ponto de vista estritamente de relações públicas, George transformou um dia de notícias ruins sobre a Igreja em um dia bastante bom. Agora, esse tipo de "salvação" não é mais uma opção.
Outra consequência, e uma consequência rica em ironia, é que os cardeais expressaram a sua irritação com os jornais italianos assegurando que serão eles que irão conduzir essa história a partir de agora. Na ausência de obter qualquer coisa diretamente dos próprios cardeais, a mídia mundial irá contar ainda mais com os relatos da imprensa italiana – alguns dos quais serão críveis e precisos, mas muitos deles serão bobagens.
Finalmente, a decisão de parar de dar entrevistas certamente irá irritar os repórteres que têm prazos para cumprir e, bastante legitimamente, estão famintos por acesso aos fazedores de notícias. Um corpo de imprensa irritado provavelmente não é uma receita para uma cobertura "justa e equilibrada".
Agora, com relação à pergunta mais hipotética: dado que essa decisão foi dirigida principalmente contra os norte-americanos, ela ajuda ou prejudica as chances de um papa norte-americano?
A impressão inicial parece ser a de que ela poderia ajudar, por duas razões.
Primeiro, já houve um humor anti-italiano e antivelha-guarda circulando entre muitos cardeais, que já assistiram repetidamente como o sistema do Vaticano deixou de funcionar ao longo dos últimos oito anos. Sob a lógica de "o inimigo do meu inimigo é meu amigo", o desdobramento dessa quarta-feira pode fazer com que alguns cardeais eleitores de outras partes do mundo se inclinem mais favoravelmente aos norte-americanos. Eles podem parecer menos como parte de um bloco de "Primeiro Mundo", e mais como companheiros forasteiros frustrados com a mesmice de sempre.
A declaração final do escritório de imprensa dos bispos dos EUA simplesmente disse isso em voz alta.
"Os cardeais norte-americanos estão comprometidos com a transparência e têm tido o prazer de compartilhar uma visão geral relacionada com o processo do seu trabalho com os membros da mídia e com o público", afirma-se. A implicação é de que há algumas pessoas dentro do sistema que não compartilham o compromisso com a transparência.
Segundo, para aqueles cardeais que acreditam que uma capacidade de evangelizar e de se envolver com o público em geral é um requisito importante para o próximo papa, eles podem olhar para o modelo norte-americano e pensar: "Esse é o caminho a percorrer".
Mais em geral, alguns cardeais podem concluir que tiveram apenas um breve aperitivo de 48 horas de como seria um estilo de gestão mais funcional no Vaticano. Talvez eles pensarão que, se quiserem que essa abordagem se torne a nova normalidade, eles precisam de um norte-americano para conseguir isso.
Na realidade, não é que os dois briefings dos cardeais norte-americanos na segunda e terça-feira passadas tenham inovado muita coisa ou oferecido quaisquer intuições deslumbrantes. Eles foram, no entanto, o único acesso que muitos repórteres tiveram aos pontos principais dessa história. Aquilo que começou como uma multidão principalmente da mídia norte-americana estava sendo ampliada por repórteres de todo o mundo.
A ideia de "um pouco de transparência", em outras palavras, estava vencendo a ideia de "nenhuma transparência". Agora que um bloqueio foi imposto, a nostalgia pelas 48 horas de "Primavera de Praga" no Colégio Norte-Americano pode se tornar outro fator na política do pré-conclave.
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Uma breve ''Primavera de Praga'' no pré-conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU