06 Março 2013
"Este é o tempo de uma longa reflexão. As coisas deverão ser diferentes com relação a quando Joseph Ratzinger foi eleito em 2005. Este conclave deve ser preparado com calma. Entre nós, cardeais, quase não nos conhecemos. Não há pressa, o extra omnes pode esperar por enquanto". Walter Kasper, alemão como Ratzinger, é uma das figuras mais eminentes do próximo conclave. Nessa terça-feira, ele completou 80 anos, mas estando a Sé Apostólica já vaga desde o dia 1º de março, ele poderá ter acesso à Capela Sistina.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 06-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele entra no conclave como o cardeal mais idoso. E não só: entra como o único cardeal que, na Cúria Romana – por 18 anos ele liderou o "ministério" que se ocupa do ecumenismo –, foi capaz de enfrentar Ratzinger no seu campo, o da alta teologia.
Eis a entrevista.
Eminência, o que o senhor dirá a Bento XVI quando, depois do encerramento do conclave, for encontrá-lo?
Muitas coisas. A primeira é uma recomendação. Vou lhe sugerir que não se deixe usar por ninguém. É grande demais o risco de que o governo da Igreja sofra a sua influência. Ele fez uma escolha precisa, que pressupõe um passo atrás. Ele deverá, portanto, ser discreto. Evitar entrar em problemas pertinentes ao governo da Igreja. Depois, falarei com ele amigavelmente sobre aquilo que mais nos agrada, a teologia.
Um tema muito sentido na Alemanha é o da independência das Igrejas locais de Roma. O papa é visto como uma figura autoritária que impõe os seus ditames. E a sensação de separação de Roma, o sentimento de que se pode abrir mão de Roma, está enraizado. O que o senhor pensa?
Que é preciso uma nova modalidade no exercício do governo da Igreja. Essa modalidade se chama colegialidade, um governo mais horizontal. A colegialidade deve se estender dos bispos a formas de representação de todos os componentes do povo de Deus. Uma colegialidade desse tipo iria na direção do Concílio Vaticano II, da unidade na diversidade entre todos os crentes no Evangelho e de um maior diálogo com as outras religiões. É preciso sair dos baixios do centralismo romano, crescendo na convicção de que centro não significa centralismo.
Justamente à luz da necessidade de uma maior colegialidade, o senhor acha que a Cúria Romana deve ser repensada?
A reforma da Cúria é uma prioridade. Mas, ao mesmo tempo, é um grande problema. Porque hoje falta à Cúria Romana o diálogo interno. Os dicastérios não se falam, não há comunicação. E esse estado de coisas deve ser mudado.
Foi também à luz de uma Cúria estruturada de modo verticalista que puderam nascer facções contrapostas que depois levaram à deflagração do chamado Vatileaks?
Eu penso que a Cúria em geral, para além do que emerge com o Vatileaks, deve ser revolucionada. E considero que, além da palavra reforma, é preciso usar uma segunda: transparência. A Cúria deve começar a se abrir, a não temer a transparência.
Ratzinger, nas meditações da Via Sacra de 2005, falou da "sujeira" presente na Igreja. Há poucas horas, um cardeal escocês anunciou que não participará do conclave por ter tido "comportamentos inapropriados" com relação aos seminaristas. Como se sente um príncipe da Igreja diante dessas notícias?
Nada bem. Ratzinger, porém, indicou um novo caminho, que é a linha da limpeza na Igreja. É preciso reconhecer: ele agiu diferentemente de outros.
Celibato, sacerdócio feminino, homossexualidade. Os temas que agitam a consciência de muitos fiéis voltam com força no debate público. Sobre os católicos divorciados que, uma vez em segunda união, não podem ter acesso à Comunhão, Ratzinger disse que "o problema ainda precisa ser mais aprofundado". Até onde a Igreja pode ir?
A proibição de dar a comunhão aos divorciados em segunda união é uma ferida. Eu não quero indicar o caminho a seguir, mas uma coisa é certa: é precisa repensar seriamente o assunto. É preciso a humildade para abordar o assunto caso a caso. A norma pode ser modificada de acordo com as diversas situações.
O senhor tem alguma preferência para o próximo papa?
Eu gostaria que não houvesse impedimento para ninguém. Devemos estar abertos a todos, a qualquer nacionalidade e geografia eclesial.
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''Não há pressa para o conclave, primeiro as reformas''. Entrevista com Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU