06 Março 2013
"Na minha família, nunca houve dúvida sobre nossa posição a respeito de Stálin. Em 1941, meus pais e dois irmãos estavam entre os milhares de cidadãos lituanos deportados para as regiões mais remotas da Sibéria. Dois anos depois, mais de 40% dos deportados tinham morrido. Ainda assim, o exílio ofereceu aos meus pais uma melhor chance de sobrevivência do que a alternativa", escreve Samuel Rachlin, jornalista dinamarquês baseado em Washington, nasceu na Sibéria, onde sua família viveu no exílio por 16 anos, e chegou à Dinamarca aos 10 anos. Uma coleção de seus ensaios, "Me and Stalin", foi publicada na Dinamarca em 2011. O artigo foi publicado no jornal Herald Tribune e reproduzida pelo portal Uol, 05-03-2013
Eis o artigo.
Sessenta anos após a morte de Josef Stálin, em 5 de março de 1953, a Rússia ainda não sabe se o vê como um assassino em massa ou como um herói nacional.
Apesar de seu nome e estátuas estarem quase ausentes da Rússia desde a campanha de des-stalinização que se seguiu após sua morte, ele continua se impondo no discurso político do país de modo mais proeminente do que Lênin, o fundador do Estado soviético cujo corpo se encontra em um mausoléu na praça Vermelha.
Apesar dos russos saberem mais sobre os crimes de Stálin do que antes, muitos políticos e historiadores querem tirá-lo das sombras e celebrá-lo por seu papel na industrialização do jovem Estado soviético e na vitória sobre a Alemanha nazista.
Os comunistas reuniram 100 mil assinaturas em uma petição para devolver a Volgogrado o nome de Stalingrado; outros estão pedindo um referendo a respeito. Se há uma estação de metrô em Paris chamada Stalingrado, eles argumentam, por que o nome deveria ser banido na Rússia? Neste ano, no 70º aniversário da batalha de Stalingrado, ônibus de várias cidades russas foram decorados com retratos de Stálin.
Parece ser difícil ainda existirem dúvidas sobre o papel de Stálin, que, ao lado de Hitler e Mao, está entre os piores assassinos em massa do século 20. Mas os russos nunca conseguiram concordar sobre como deveriam ver Stálin.
No 60º aniversário da morte de Stálin, o Fundo Carnegie para a Paz Internacional realizou outro levantamento a seu respeito. Ele apontou que Stálin fica incontestavelmente em 1º lugar na lista dos russos de grandes figuras históricas, à frente de Lênin, Marx e Pedro, o Grande. Em 1989, apenas 12% dos russos pensavam assim. Hoje, são 50%.
Em 1994, 27% dos russos tinham uma visão positiva de Stálin. Em 2011, eles chegavam a 45%; 50% dos entrevistados viam Stálin como um líder sábio que deixou a União Soviética poderosa e próspera. Ao mesmo tempo, 68% concordaram que ele foi um tirano cruel, culpado pela morte de milhões de cidadãos inocentes. Além disso, 68% também disseram ter sido ainda mais importante que, sob a liderança dele, o povo soviético venceu a Segunda Guerra Mundial.
Já no século 19, um poeta russo disse que era impossível entender a Rússia com o cérebro. De sua tumba atrás do mausoléu de Lênin, da qual foi despejado em 1961, Stálin deve estar orgulhoso com o fato de ainda poder dividir o povo que ele governou e aterrorizou há 60 anos. Os apoiadores de Stálin, revivendo o velho slogan de propaganda política, ainda podem dizer "Stálin vive!", e os tiranos de hoje ainda podem ter esperança de escaparem impunes de assassinato em massa.
Na minha família, nunca houve dúvida sobre nossa posição a respeito de Stálin. Em 1941, meus pais e dois irmãos estavam entre os milhares de cidadãos lituanos deportados para as regiões mais remotas da Sibéria. Dois anos depois, mais de 40% dos deportados tinham morrido.
Ainda assim, o exílio ofereceu aos meus pais uma melhor chance de sobrevivência do que a alternativa. Logo após a deportação deles, os nazistas invadiram a Lituânia e todas as famílias judias da cidade deles pereceram. Assim, paradoxalmente, minha família poderia dizer: "Obrigado, camarada Stálin, por nos deportar".
Mas não foi exatamente gratidão que caracterizava nossa visão de Stálin. Meus pais nunca tiveram dúvida de que ele era um criminoso de Estado em escala global. Logo, eles nunca sucumbiram ao pânico que tomou a União Soviética quando Stálin morreu.
Eu me recordo vividamente do momento em que nosso vizinho correu ao redor do quintal de nossa casa gritando histericamente, quando a notícia da morte de Stálin chegou à nossa vila remota na Sibéria. A morte de Stálin acendeu uma faísca de esperança de que agora nós poderíamos voltar para a Dinamarca, a terra natal de minha mãe. Isso aconteceu quatro anos depois. Obrigado, camarada Khruschov.
O fato é que a campanha de des-stalinização nunca foi concluída, seja por Nikita Khruschov ou por seus sucessores. Sob o longo governo de Leonid Brejnev, Stálin foi relegado a uma terra de ninguém da história, que permitiu ao seu culto semiescondido persistir em uma mistura de desafio e protesto contra a fraqueza dos governantes no Kremlin.
Uma indústria clandestina de memorabília de Stálin se desenvolveu, distribuindo fotos e calendários do líder. Caminhoneiros passaram a colocar o retrato de Stálin no para-brisa, como símbolo do antigo poder e grandeza. Eles eram os "outros dissidentes".
Sob Mikhail Gorbatchov, o último líder soviético, e Boris Yeltsin, o primeiro presidente da Rússia, qualquer tentativa de lidar com Stálin era afogada no caos político daqueles anos. Quando Vladimir Putin assumiu, ele abordou a questão do legado de Stálin com sua habitual ambivalência e evasividade.
Putin deplorou abertamente as vidas perdidas durante o governo do terror, mas nunca condenou Stálin. Um produto da KGB, a base de poder de Putin se apoia na mesma estrutura que empoderou e serviu a máquina de terror de Stálin. Toda a conversa sobre um monumento nacional para as vítimas do terror de Stálin desapareceu do debate público sob Putin.
Assim, em vez da catarse que o país precisa e merece, os russos seguirão lidando com dificuldade com um ditador que se recusa a partir. Como os russos gostam de dizer: "Nosso passado se tornou de novo tão imprevisível quanto nosso futuro."
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Após 60 anos, russos ainda não sabem se Stálin foi um assassino em massa ou um herói nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU