Por: André | 27 Fevereiro 2013
Os quase oito anos de Pontificado de Bento XVI representaram, para a América Latina – continente que aglutina a metade dos católicos do mundo –, a consolidação do conservadorismo imposto por seu antecessor João Paulo II como parte da sua ofensiva contra a Teologia da Libertação, segundo apontam diferentes especialistas.
A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 25-02-2013. A tradução é do Cepat.
O papado de Joseph Ratzinger projeta, em sua reta final, a imagem de um pontificado pouco significativo para a região, que cumpriu com menos agressividade o roteiro traçado por seu antecessor, João Paulo II (1978-2005), e que carregou os escândalos de pedofilia do clero no México, Estados Unidos e Europa.
“Ratzinger não queria gerar conflitos na Igreja da América. Foi um papa de transição, que não fez grandes mudanças e manteve as coisas em seu lugar”, disse à AFP o professor Jeffrey Klaiber, historiador das religiões da Universidade Católica de Lima, Peru.
Segundo Klaiber, “Bento XVI seguiu na América Latina a pauta de João Paulo II, só que foi menos agressivo porque em um sentido a Teologia da Libertação já havia passado como movimento intelectual”.
“Para além da Teologia da Libertação é difícil falar de um legado específico de Bento XVI para a América Latina”, disse, por sua vez, à AFP o especialista norte-americano John L. Allen, ‘vaticanista’, ao semanário National Catholic Reporter e à cadeia CNN.
“Bento provavelmente consolidou uma forma madura de Teologia da Libertação, que foi tomando forma durante muito tempo”, indicou Allen sobre quem foi o braço executor, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, da ofensiva conservadora de João Paulo II contra os partidários dessa teologia na década de 1980.
“O impacto maior foi a consolidação da linha conservadora que João Paulo II impôs durante seu papado”, afirmou à AFP Luis Pásara, pesquisador do catolicismo e professor da Universidade de Salamanca.
“Ratzinger foi o teórico por trás desse giro à direita, dando-lhe um voo intelectual de que carecia o polonês Karol Wojtyla; como Bento XVI, aprofundou o caminho adotado”, assegurou Pásara.
“Sua herança – acrescenta – pode ser medida em termos das nomeações de bispos na América Latina. Ao colocar como pastores da grei católica personagens conservadores ou ultraconservadores, Bento XVI buscou perpetuar essa característica que prevalece na Igreja Católica de hoje”.
Segundo o ‘vaticanista’ Allen, Bento XVI deixou ao seu sucessor a abordagem do “desafio para o catolicismo na América Latina representado pelo crescimento dos movimentos pentecostais e evangélicos, e pela indiferença religiosa básica”.
“Na América Latina as pessoas não abandonam a igreja por seu conservadorismo, mas porque os sermões dos padres são chatos. É uma mistura de um clero que não desperta atenção, pouco carismático, com um discurso defasado”, alerta Klaiber.
“Cuidado – disse Klaiber – em colocar ênfase apenas no doutrinal, como fez Bento XVI, porque, por exemplo, as igrejas pentecostais atraem muita gente pela maneira de realizar seus serviços e não por sua doutrina”.
Allen evocou as únicas passagens do pontífice pela região: Brasil 2007, e México-Cuba 2012, para assinalar que ambas traçaram um perfil público dos temas que lhe interessaram e giraram em torno de uma recuperação de algumas premissas da Teologia de Libertação.
No Brasil, Bento XVI se “identificou com as aspirações básicas da Teologia da Libertação, com a crítica de um sistema econômico injusto e em colocar a Igreja do lado dos pobres, mas insistiu na primazia da fé em oposição à análise sociológica”, evocou Allen, autor de “Dez coisas que o papa Bento XVI quer se saibas”, entre outros livros.
A resistência em abordar temas capitais para o futuro da Igreja católica em uma região considerada reduto do catolicismo por seu maior número de fiéis “me dá a impressão de que não é um homem dogmático, mas um homem desconectado do mundo real”, afirma o historiador Klaiber.
Klaiber ressaltou que no escândalo da pedofilia, que estremeceu a Igreja nos últimos anos, o Papa em final de pontificado “não encobriu os fato, mas não se deu conta da gravidade da situação”.
“Ele teve a coragem de pedir perdão pessoalmente a muitas das vítimas nos Estados Unidos e na Europa”, admitiu Klaiber.
A Teologia da Libertação surgiu na América Latina há mais de quatro décadas para renovar a mensagem do catolicismo com a ideia central de que “os pobres eram a opção preferencial” dessa religião. A reflexão foi acusada de desvios marxistas por João Paulo II.
O paradoxo na posição de Roma é que foram o Concílio Vaticano II (1962) e a Conferência Episcopal Latino-americana de Medellín (1968) que serviram de inspiração para a Teologia da Libertação.
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Bento XVI consolidou o giro conservador que João Paulo II impôs à América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU