Por: Cesar Sanson | 01 Fevereiro 2013
Na tarde de 30 de janeiro de 2013, a Campus Party de São Paulo serviu de espaço para importantes debates sobre o futuro da Internet e as novas leis que podem garantir ou limitar a liberdade dos usuários na rede. Um deles foi a discussão, ocorrida às 14h30 no palco principal do evento, sobre o Marco Civil da Internet, o mais importante e audacioso projeto de lei de garantias básicas dos usuários da rede com especialistas na área e pessoas envolvidas com a elaboração e aprovação do projeto de lei, como Carlos Affonso Souza (FGV-Rio), Guilherme Almeida (Ministério da Justiça), Demi Getschko (NIC.br) e Manuela D'Ávvila (PCdoB-RS).
Além do debate sobre o Marco Civil, uma segunda conversa foi promovida pelo Partido Pirata do Brasil via videoconferência (Google Hangout) para analisar qual é o legado de Aaron Swartz, ativista que se suicidou no dia 11 de Janeiro e incinerou as discussões sobre a legislação penal cibernética e o embate entre proteção de direitos autorais e ampliação do acesso ao conhecimento na Internet. Neste debate, mediado por Leandro Chemalle (coordenador Sudeste do Partido Pirata), participaram eu e Tatiana Dias, jornalista da coluna Link do Estadão.
Em razão da baixa qualidade do áudio, fiz a transcrição do debate (reprodução mais próxima do possível das falas) no intuito de fomentar mais discussões deste tipo, tão necessárias neste turbulento século XXI. O elemento norteador da discussão foi: qual o legado de Aaron Swartz para nós, brasileiros?
O relato é de Rafael Zanatta no blog e-mancipação, 30-01-2013.
Leandro: Bom, boa tarde a todos.
A gente está aqui na Campus Party, na mesa do Partido Pirata, e agora a gente vai ter aqui uma conversa com a Tatiana Dias, do Estadão, e o Rafael Zanatta sobre o legado e a morte do Aaron Swartz - o hacker e pirata Aaron Swartz. Aqui no evento acabou de acontecer uma mesa sobre o Marco Civil da Internet, onde foi feita a proposta de modificar o nome da lei para Lei Aaron Swartz.
Eu vou passar a palavra para a Tatiana para ela explicar quem é o Aaron e o que ele fez. Ela acompanhou vários fatos, os processos judiciais enfrentados e vai falar sobre a vida dele e como ela o acompanhou no jornalismo.
Tatiana: Oi. Bom, todo mundo já deve ter ouvido falar do Aaron. Ele era um menino de 26 anos que começou a programar muito cedo, ele começou a andar com programadores e aprendeu a fazer isso sozinho. Aos 13 anos ele trabalhou em equipe e ajudou a desenvolver o RSS 1.0. Como ele tinha 13 anos, ele tinha muito tempo livre pra desenvolver o RSS, a primeira versão. Como os outros tinham atribuições com outros empregos, ele acabou fazendo muito do RSS e foi chamado pra fazer parte do grupo efetivamente - não como menino, mas como participante igual a todos.
Depois, mais pra frente, pelo fato desse trabalho... na verdade ele conheceu o Lawrence Lessig, porque ele leu um artigo no jornal - ele tinha 14 anos -, ele leu um artigo sobre Creative Commons ainda quando era uma ideia. Ele escreveu para o Lessig sugerindo a adoção de um padrão técnico para o sistema. O Lessig curtiu, eles foram apresentados e acabaram virando amigos.
Isso tudo aconteceu com pouca idade. Depois ele foi para Stanford, eu acho, e começou a estudar lá. Largou, pois achou que o ensino formal não era legal. Aí ele largou e fundou uma empresa na incubadora. Ele fundou uma empresa que depois deu origem ao Reddit. Depois ele se desentendeu com o pessoal. Eu li um monte de coisas, que ele era um cara solitário, um cara recluso - mas eu não quero entrar nesse tipo de detalhe. Enfim, ele acabou saindo, e depois essa última década de vida dele foi dedicada ao ativismo político. Ah, ele criou o web.py, que é um programador muito usado... ele é um cara muito respeitado, quando ele criou o web.py, ele documentou tudo e deixou disponibilizado livre, tanto as coisas técnicas quando os pensamentos e ideias, que aos poucos a gente vai conhecendo - eu tinha falado sobre isso como o Rafael.
Eu não conhecia ele. Só conheci depois do processo. Em 2011, ele foi pego na rede do MIT baixando milhões de documentos acadêmicos, usando a rede do MIT. Ele foi, o MIT encerrou uma investigação contra ele. Aí o governo de Massachusetts resolveu continuar a investigação e no final, a história que muitos devem conhecer, foi processado e, inicialmente, poderia pegar 35 anos de prisão e pagar uma multa milionária. Ele pagou uma fiança e foi liberado depois. Eu conheci ele no meio do processo. Ele ficava em silêncio, ele não falava sobre o assunto. Enfim, ele era um cara que era uma ameaça potencial a algumas coisas que o governo americano queria esconder e, de certa maneira, ele foi utilizado como bode expiatório. Eu não conhecia esse caso. Eu mandei um e-mail e depois de muito tempo ele respondeu, mas ele respondeu muito rápido o e-mail. Ele respondeu sobre a carreira, coisas técnicas e coisas "ah, quando você vem para o Brasil?", só que ele ignorou as perguntas que eu fiz sobre o processo. Não sei se por indicação de advogado ou, não sei. A gente publicou uma reportagem com ele em Abril do ano passado. Eu contei a história, enfim, sobre como que um hacker respeitadíssimo tanto tecnicamente quanto politicamente acabou em uma briga de Davi e Golias, contra o Estado.
E aí foi isso. Eu fiquei sabendo do suicídio sábado de manhã. Ele se matou na sexta-feira, 11 de janeiro. Uma amiga minha que estava de plantão me avisou e eu fiquei chocada. Foi uma das mortes de quem eu não conhecia que mais me chocou. Porque é impressionante ver uma pessoa, para mim, promissora acabar com a própria vida tendo um monte de coisas ainda para realizar. O Rafael, que escreveu várias coisas incríveis sobre isso, acho que ele tem mais um monte de coisas para falar, eu vou passar a palavra para ele, pois eu já falei muito.
Rafael: Boa tarde. Como a Tatiana estava explicando, o Aaron Swartz não era somente um gênio da informática - ele tinha uma capacidade técnica impressionante, solução de problemas que ele tinha, domínio da linguagem -, mas ele se destacou nos últimos anos por uma capacidade incrível de experimentalismo institucional político. Ele ficou muito próximo do Lawrence Lessig, que talvez tenha sido uma influência intelectual do Aaron. O Lessig abandonou um pouco o debate sobre propriedade intelectual, copyright - que está sintetizado no livro Free Culture -, e o Lawrence Lessig tem focado a produção acadêmica dele na questão política, de como funciona o Congresso, e de como é possível fazer um ativismo cívico de base.
O Aaron levou muito a sério esse projeto e ele foi capaz de desenvolver veículos e ferramentas on-line, como o Demand Progress, que é um site que permite que as pessoas criem e façam petições públicas. Mas não é só isso, o Demand Progress tem um grupo de ativistas, advogados e pessoas de diversas áreas atuando em Washington. Eles fazem um lobby profissional em defesa do interesse público. Esse é um tipo de estratégia política que não tem sido experimentado no Brasil, talvez com exceção da Avaaz, que é uma rede internacional, mas nós precisamos levar a sério esse experimento do Aaron e ver de que modo ele pode ser replicado aqui de acordo com as nossas características.
Outro ponto, outro experimentalismo do Aaron também foi o Watchdog, que é um sistema em que as pessoas identificam políticas públicas mal coordenadas ou projetos de lei que podem ser potencialmente lesivos para liberdades básicas. Esse é um tipo de vigilância que deveria ser aprimorado no Brasil e também levado para outras esferas, como, por exemplo, a vigilância do orçamento público. Se pudéssemos, de fato, escancarar como que o Estado utiliza os recursos - e nós tivemos já um importante avanço no ano passado, com a Lei de Acesso à Informação, que permite o acesso à informação pública por qualquer pessoa independentemente do motivo - nós poderíamos levar isso para um outro nível, inspirado pela atitude do Aaron de desenvolver ferramentas participativas. Antes da transmissão, eu conversava com a Tatiana justamente sobre isso: o legado do Aaron tem que ser o de nos revoltar para ações concretas e não colocar um poster do Aaron no quarto e ficar conversando na Internet, não é isso.
Sobre o processo, o Aaron Swartz chamava o processo de "the bad thing". Ele não conversava a respeito do processo, talvez por sugestão dos advogados, mas ele não conversava nem mesmo com os pais ou com a namorada. A namorada dele deu uma palestra no memorial do dia 24 e ela disse que o nível de insegurança, de medo, de pavor na cabeça do Aaron era muito grande. Na última audiência, quando o advogado do Aaron conseguiu mais tempo para produzir provas na audiência de Abril - que iria acontecer, pois ele se suicidou em Janeiro -, a namorada foi dar um abraço nele na frente do promotor e o Aaron empurrou a namorada e disse: "não, na frente do promotor não". Ele não queria demonstrar com o abraço a insegurança e a fragilidade diante do processo. O Ronaldo Lemos tem o mesmo ponto de vista, o Lawrence Lessig também, todo mundo que conviveu com o Aaron diz a mesma coisa: um dos fatores que levou o Aaron ao suicídio foi o fato dele ter enfrentado isso sozinho.
Por alguma opção individual, uma escolha deliberada, ele não quis escancarar o processo e promover um grande debate público sobre o processo. Por exemplo, o Julian Assange fez isso, e fez isso muito bem. Ele não foi extraditado do Equador porque ele conseguiu promover um debate internacional sobre o caráter técnico e jurídico para extradição. O Aaron não promoveu esse debate jurídico. Ele não amplificou, ele interiorizou. Eu acho que ele tinha essa estratégia de suicídio, de apertar o gatilho para uma discussão global. Hoje nós estamos...o ponto central do livro do Lawrence Lessig é como o sistema jurídico está sendo moldado para limitar a criatividade humana e proteger o interesse de grupos econômicos organizados com relação a propriedade intelectual. Isso está acontecendo hoje. Esse é um debate global.
Eu fiz algumas reflexões desde a morte do Aaron, sobre o que fica de legado, o que a gente pode aproveitar para o debate brasileiro. Eu consegui pensar basicamente em duas coisas.
Primeiro, é o projeto de emancipação pelo conhecimento. O Aaron tinha essa ideia muito clara na cabeça - ele era um leitor e um pesquisador extraordinário, ele lia em média 100 livros por ano e centenas de artigos científicos de diversas áreas -, ele compreendia muito bem aquela tese do Michel Foucault e do Noam Chomsky de que informação é poder. Conhecimento é poder. O grande problema hoje é que o acesso à informação é limitado para um grupo muito privilegiado, tipo nós, que temos formação universitária e acesso a banco de dados. Você tem um potencial muito grande com a Internet hoje de emancipar as pessoas pelo conhecimento, garantindo o acesso a esse conhecimento. No Brasil, nós poderíamos promover um debate... A motivação do Aaron de copiar os arquivos acadêmicos existia porque havia muito investimento público nas universidades nos Estados Unidos para produção daquele conhecimento. Portanto seria injusto que empresas como Elsevier, ou portais como JSTOR, mantivessem o controle sobre esse conhecimento. Agora no Brasil esse debate é muito mais profundo, porque as universidades são públicas. Nós não temos as "fees" e as taxas, como nos Estados Unidos, para manter as universidades. O debate é muito mais sério com relação a isso e ele fica complicado, quando a CAPES exige a publicação em revistas Qualis que são controladas por companhias privadas - e o professor, para subir de carreira, para ser um professor Adjunto ou Titular, ele tem que cumprir uma série de publicações acadêmicas que são restritas. Justamente essa é a complicação: nós não temos acesso. Nós temos que pagar para acessar uma publicação, ou estar em uma universidade logada - como na USP, por exemplo, que tem acesso a JSTOR, assim como na MIT, onde o Aaron ficava lendo artigos e copiando artigos. Esse é um debate atual, que é a questão da produção do conhecimento e as próprias regras do jogo que o Brasil tem utilizado nas universidades para promoção de carreira, como que nós estamos em uma armadilha institucional. Isso precisa ser superado.
O segundo ponto, que eu acho o mais brilhante do Aaron, é a apropriação das ferramentas disponíveis para garantir as liberdades nesse projeto político. Ele foi muito inteligente quando ele foi visitar o Congresso, pois ele percebeu como funcionava a dinâmica do Congresso - tal como a Manuela D'Ávila explicava no debate sobre o Marco Civil da Internet. Existe uma lógica de funcionamento, existem normas procedimentais. Nós precisamos entender essa lógica, precisamos entender como que os grupos se organizam para fazer pressão na criação de leis.
Tatiana: É, é a mesma lógica de hackear um sistema. Você aprende como o sistema funciona, você domina a linguagem e os códigos para superá-los. O Aaron levava essa lógica do hackeamento para esferas diversas.
Rafael: Exatamente. É essa lógica do hacker, de entender e superar. Se você olhar o modelo de atuação do Aaron, eu classificaria como um tipo de apropriação estadunidense, ou seja, ele compreendeu como funcionava o lobby de base, ele criou o Demand Progress para ser uma plataforma de identificação de demandas e pressão nos legisladores e parlamentares para fazer isso funcionar. Nos Estados Unidos isso deu certo e tem dado certo porque eles têm uma cultura de participação enraizada. Historicamente, eles têm uma cultura de corporações, em que você participa tanto no local quanto no federal. Depois nós poderíamos discutir se esse modelo daria certo no Brasil diante do nosso distanciamento com a política, que é histórico, e com as nossas características próprias, como o patrimonialismo, que são muito peculiares. Esse é um projeto.
Há um outro modelo de apropriação das ferramentas do sistema que eu classificaria como modelo europeu, que é o modelo sueco e o modelo espanhol. É aquilo que o Manuel Castells tem falado, que é o "Partido do Futuro", que eu enxergo um pouco no Partido Pirata. O Partido Pirata se encaixa no modelo europeu, que é o seguinte: utilizar as ferramentas institucionais de criação de partidos para justamente mudar o modelo de democracia representativa para um modelo de democracia direta. Você utiliza um partido acentralizado e heterárquico, com mecanismos de deliberação internos on-line, para justamente levar esse partido para as esferas institucionais existentes para daí modificar justamente o sistema - algo que a Islândia conseguiu fazer de forma surpreendente, reescrevendo a Constituição com mecanismos de democracia direta, mas um país com muita homogeneidade cultural e uma população de 300.000 habitantes.
Então, os debates que podem ser feitos a partir do Aaron, de emancipação pelo conhecimento e apropriação das ferramentas do sistema para modificar e aprofundar a experiência democrática, são debates fantásticos que a gente não pode perder de vista. E se o debate tiver que ser feito aqui, ele tem que ser um debate brasileiro, entendendo como é o nosso povo, como que as coisas funcionam e quais são os próximos passos. Não é simplesmente olhar o "blueprint", olhar o modelo de fora, mas, na verdade, ter o nosso próprio experimentalismo.
Tatiana: Eu acho que é muito fácil criar um mártir, uma figura a ser cultuada, mas a gente tem que ir um pouco além disso. Justamente pelo que o Rafael falou. O Aaron entendeu como o sistema funcionava e adaptou a lógica do jeito dele para desenvolver instrumentos para mudar as coisas na prática. No Brasil, o que eu vejo é um ativismo que grita muito, mas que faz pouco pelas bases. Eu acho que mais do que renomear a lei do Marco Civil, pois foi feita a sugestão de chamar de Lei Aaron Swartz - e nem sei se faz sentido isso, pois são lógicas muito diferentes -, eu acho que o que a gente tem que aprender com isso é que o Aaron sabia fazer lobby. Eu lembro que eu perguntei para ele por e-mail: "Você acha que o lobby dos usuários da Internet é muito fraco?" e ele respondeu "Com certeza, o lobby da indústria é muito mais forte". Aqui no Brasil também. Lobby é uma coisa que ninguém mostra muito interesse em falar sobre isso, ninguém gosta de ouvir. Todo mundo gosta de esconder, embora a gente saiba que exista. O Marco Civil está sendo uma lição de lobby no Brasil, tem muitos interesses por todos os lados - aqui no debate a Manuela falou um pouco sobre isso, mas não deu nome aos bois como deveria ter sido dado.
Eu acho que é isso. Eu acho que a gente tem que levar isso para uma melhora muito prática e, quem sabe, entender melhor como as coisas funcionam e mudar alguma coisa na prática, construindo e fazendo. Talvez o Aaron tivesse pensando nisso. O Rafael escreveu sobre isso, o suicídio como uma forma de gatilho - eu não sei se isso foi algo planejado ou não -, mas é claro que essa história vai se desenrolar muito. Nos Estados Unidos eles estão discutindo a Lei Aaron mesmo para mudar a lei de crimes eletrônicos lá e no Brasil a gente tem uma legislação de crimes eletrônicos. Eu fiquei pensando depois: a gente está em um momento muito chave de leis que estão sendo discutidas e não tem ninguém para hackear esse processo - quer dizer, existem sim alguns grupos no Brasil que sabem hackear processo políticos. Eu acho que esse é o legado que a gente tem que levar para frente.
Leandro: Obrigado, Tatiana. Eu acho que a mensagem que a gente está passando é que o Aaron é um autêntico pirata. Sem dúvidas, ele é que defendeu na sua vida tudo aquilo que hoje a gente está lutando, por acreditar que aquilo era verdade e que nós precisamos de uma Internet livre. (...) Nós também estamos aqui na batalha. Eu acho que no Brasil a maior arma que a gente tem hoje é a aprovação do Marco Civil, e nós precisamos levar sua mensagem adiante colocando o nome de Aaron nesta lei, assim como fizeram com a Lei Carolina Dieckmann com a lei dos crimes da Internet, nós precisamos também colocar o nome do Aaron lá. Ele tem uma obra importantíssima. A gente tem que colocar o Aaron como uma pessoa tão importante quanto os grandes líderes que a História hoje relaciona. Daqui 100 anos eles vão perceber que ele estava com a verdade. Nós já estamos em uma outra idade, muito diferente do que era o contemporâneo. E quando ficar claro essa nova idade, o nome dessa nova idade, com certeza, será o Aaron, que morreu por causas sérias. Realmente, ele simboliza o que é nossa realidade hoje. Essa é a mensagem que a gente queria passar. Rafael, gostaria de falar algo para finalizar?
Rafael: Só dizer que a gente tem que aprender a trabalhar em rede. O Aaron Swartz sabia muito bem como trabalhar em rede. Ele tinha um círculo em Boston, um círculo em Harvard na Faculdade de Direito, ele tinha um grupo de ativistas em Washington, um grupo espalhado de Leste a Oeste dos Estados Unidos. A gente precisa superar o desafio das limitações geográficas e criar uma rede entre os grupos de Brasília, da FGV-Rio, de São Paulo, Recife, Porto Alegre, para, de fato, pensar nessas estratégias de se apropriar dessas ferramentas em defesa de direitos. A mensagem do Aaron é um idealismo, mas um "idealismo factível", pois ele construiu muita coisa em pouco de vida e deixou a peteca para gente bater agora com força.
Leandro: Obrigado, Rafael. Continuem acompanhando as notícias do Partido Pirata, através do @PartidoPirataBR, e as nossas atividades na Campus Party.
Até onde vai um texto?
O último texto deste blog teve uma repercussão inédita, fortemente relacionada com o impacto global do politizado suicídio de Aaron Swartz (1986-2013), ocorrido nos Estados Unidos na sexta-feira, 11/01. Logo após a publicação da reflexão sobre sua morte - resultado de intensas horas de pesquisa na tarde de domingo e profundas reflexões sobre a singular visão de Swartz sobre as transformações contemporâneas e as tentativas de grupos organizados de limitação institucional da liberdade e criatividade humana -, o efeito em rede se materializou. Na segunda-feira, intensificaram-se os compartilhamentos via Facebook. O recado final (fique livre para copiar este texto), alinhado com as ideias do copyleft, produziu então efeitos não esperados.
Na quarta-feira, o editor do Outras Palavras - portal de comunicação compartilhada criado pelos antigos coordenadores da Le Monde Diplomatique Brasil e direcionado a debates político-sociais críticos -, corrigiu pequenos erros no texto e o publicou como matéria de capa do website (cf 'Aaron Swartz, guerrilheiro da Internet livre' ). Após a circulação em mailings do Outras Palavras, o texto rapidamente foi lido por mais de mil pessoas de todo o Brasil. Na quinta-feira, o texto apareceu na edição on-line da Revista Forum. No dia seguinte, o texto foi adaptado para o português lusitano e publicado em Portugal no sítio eletrônico Esquerda.net. A partir de então, replicou-se em diversos outras veículos, ora reproduzido integralmente (como no Observatório da Imprensa), ora citado em reflexões de outros autores que se dedicaram à compreensão da morte de Aaron (como no texto da escritora Eliane Brum, da Época, ou do Caio Moretto, do Mistura Indigesta). As republicações seguiram fielmente os termos da licença do Creative Commons, arquitetada por Swartz em sua adolescência: é livre a cópia do conteúdo, desde que para fins não-comerciais, realizada a menção ao autor.
O que isso revela? Analisando a repercussão do texto nos espaços independentes e o debate promovido pela mídia brasileira, chega-se a uma conclusão: a ampla circulação do texto ocorreu não pelo brilhantismo de sua redação, mas sim pelo (i) trágico ato de protesto contra o truculento sistema criminal estadunidense e, principalmente, pela (ii) importância da vida, obra e morte de Aaron Swartz - importância esta ainda desconhecida por quase todos. Este, aliás, foi o erro dos grandes veículos de comunicação: noticiaram a morte de um "programador genial", sendo que este era o aspecto menor da vida de Aaron.
Se os fatos não forem ocultados, a história provará que Swartz não era somente um gênio da informática, mas sim um sociólogo aplicado, um inovador ativista político e um pensador original, livre de amarras acadêmicas disciplinares. Acima de tudo, como afirmou o amigo e professor Lawrence Lessig em um debate sobre o legado de Swartz, ele será visto como um verdadeiro idealista, no sentido nobre do termo.
Uma proposta para um debate indispensável: qual o legado de Swartz?
Dentre os efeitos positivos gerados pela publicação do texto, o mais interessante - sem dúvidas - foi o convite feito pelo Partido Pirata do Brasil para participar de uma mesa-redonda na Campus Party para discutir a vida e obra de Aaron Swartz. Apesar da magnitude da CP (considerada um dos maiores encontros de tecnologia do mundo), a proposta do debate é modesta. Ele não será realizado em nenhum palco principal, mas sim no Barcamp, que é um espaço aberto para que os participantes possam expor suas ideias. Eis a programação do Partido Pirata: "Quarta 30/01 – 14h00 – Palco Barcamp – Painel em homenagem ao hacker e pirata Aaron Swartz com Tatiana Dias, jornalista do Link Estadão, Rafael Zanatta, mestrando em Direito pela USP e João Caribé, ciberativista Movimento Mega Não".
A ideia dos membros do Partido Pirata, no entanto, é excelente. Afinal, que discussões são possíveis a partir da morte de Aaron Swartz? Esse é um debate tem sido promovido com mais intensidade nos Estados Unidos, onde aqueles que conviveram com Aaron se comprometeram em manter viva sua obra. Note-se, por exemplo, a profundidade dos depoimentos dados no memorial realizado no Internet Archive, em 24 de janeiro. Em quase todas as falas, ecoa a mensagem: é preciso lutar contra as injustiças da estrutura do sistema criminal (incluindo a tipificação de condutas cyberativistas) e garantir o acesso à informação.
o Brasil, umas das poucas discussões disponíveis on-line sobre Swartz foi feita no programa Metrópolis, com o excelente professor Ronaldo Lemos, mestre em Harvard (onde estudou com Lawrence Lessig), doutor em sociologia jurídica pela USP e criador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, onde leciona atualmente.
Tanto no memorial promovido nos Estados Unidos quanto na fala de Ronaldo Lemos, há uma questão em comum: o que a opção do suicídio de Swartz revela sobre o mundo hoje? É justo que cidadãos sejam processados por longos anos e acusados criminalmente por "violar direitos autorais" ou "invadir sistemas privados"? Qual a finalidade do sistema de proteção dos intellectual property rights? Por que o interesse tão grande de corporações econômicas em limitar o poder de acesso na rede? Qual o futuro da Internet e da sociedade diante das mudanças institucionais que objetivam impedir o compartilhamento de dados e informações na rede?
É certo que essas questões já foram discutidas em excelentes livros da última década, como Free Culture (2003), de Lawrence Lessig (publicado no Brasil como Cultura Livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade), e Direito, Tecnologia e Cultura (2005), de Ronaldo Lemos. Mas a questão é: em que ponto chegamos em 2013? Como reverter o cenário que levou à morte de Aaron Swartz?
O revoltante suicídio de Swartz serve como um grande sinal de fumaça de um cenário potencialmente perigoso neste turbulento século XXI. Como bem sintetizou o sociólogo Sérgio Amadeu, "com a morte do Aaron fica nítido o exagero e a absurda perseguição contra aqueles que compartilham e criam tecnologias de conhecimento. Ele é um exemplo claro de um desenvolvedor brilhante que tinha uma prática social intensa. O aparato repressivo, dominado pela indústria do copyright, queria fazer o que se fez com o The Pirate Bay. Ele foi acusado de uma coisa que não tinha feito. Ele é uma expressão desse enfrentamento entre as possibilidades que a tecnologia dá e o enrijecimento das práticas". Trata-se da tese apresentada no texto sobre a morte de Swartz: o sistema jurídico está sendo moldado por grupos de interesse para limitação da liberdade de cidadãos engajados com a luta de uma Internet livre.
Essa é uma questão política que precisa ser enfrentada por todos. O debate swartziano é urgente e indispensável. Seu suicídio não ocorreu por acaso. Swartz queria nos radicalizar. É preciso agora transformar a revolta em ação coletiva, libertária, democrática e transformadora.
Se já começa a ficar claro qual o poder da mensagem de Swartz - e não é exagero afirmar que se trata de uma mensagem para toda a humanidade -, a questão então é: como agir?
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Qual o legado de Aaron Swartz? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU