03 Janeiro 2013
No recente Sínodo sobre a nova evangelização, o tema foi pouco abordado. No entanto, a questão feminina é um dos pontos em que a nossa sociedade mais mudou, explica o teólogo Hervé Legrand. Portanto, é preciso fazer as contas com uma civilização não mais androcêntrica.
A reportagem é de Vittoria Prisciandaro, publicada na revista italiana Jesus, de dezembro de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Reavaliar o papel dos leigos e valorizar a presença das mulheres na Igreja: são duas urgências que foram destacadas por muitos bispos participantes do recente Sínodo sobre a Evangelização.
Celebrada por ocasião da abertura do Ano da Fé e em concomitância com o 50º aniversário do Concílio Vaticano II, a assembleia sinodal se interrogou sobre como anunciar o Evangelho a um mundo que já não se faz mais a questão de Deus. Ou talvez a faz de modo diferentes. Entender como dialogar hoje com as antigas questões da humanidade é o esforço da nova evangelização.
Uma das mudanças que pede para ser investigada com atenção é a das relações entre os gêneros e as gerações, temáticas que, durante os trabalhos do Sínodo, foram muitas vezes citadas: "Na Igreja, dois terços dos membros são mulheres. No entanto, muitas delas se sentem discriminadas. Damos graças pela qualidade e pela especificidade da contribuição consistente das mulheres para a evangelização", enfatizou no seu discurso Dom André Léonard, arcebispo de Bruxelas e presidente da Conferência Episcopal da Bélgica. "Gestos fortes deveriam indicar isso claramente. Sem mulheres felizes, reconhecidas na sua essência e orgulhosas de pertencer à Igreja, não haverá nova evangelização".
E da síntese do círculo italiano presidido pelo padre Renato Salvatore, superior-geral dos camilianos, chegou o pedido de confiar "às mulheres o ministério do leitorato, atualmente proibido pelo direito canônico", pedido que não aparece nas proposições finais entregues ao papa.
Tudo o que chegou do Sínodo sobre o assunto é a proposição 46, onde se diz que "a Igreja aprecia a igual dignidade das mulheres e homens na sociedade" e que os seus "pastores reconhecem as capacidades especiais das mulheres, como a atenção pelos outros e a capacidade de sustento, principalmente na sua vocação de mães".
Um pouco de menos, se considerarmos o tipo de análise feita, justamente durante os trabalhos sinodais, por um dos maiores estudiosos do Vaticano II, o professor Hervé Legrand: "Há cerca de 50 anos, de fato, do Vaticano II em diante, mas não por causa dele, a nossa Igreja tomou consciência de um novo equilíbrio que se instaurou entre homens e mulheres no conjunto das sociedades ocidentais. Trata-se de uma ruptura cultural de um porte enorme".
No dia 4 de outubro, Legrand abriu, na Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, em Roma, o congresso internacional das teólogas dedicado ao tema "Teólogas releem o Vaticano II: Assumir uma história, preparar o futuro".
O estudioso dominicano, professor emérito da Faculdade de Teologia do Instituto Católico de Paris, se deteve sobre as mudanças antropológicas que o Concílio adotou e que hoje pedem para ser levadas em consideração, também para poder dizer de uma nova forma a palavra do Evangelho a mulheres e a homens que, principalmente no Ocidente, vivem em um contexto cultural completamente modificado em relação ao passado.
Sobre esses temas, de grande atualidade e centrais para as reflexão sobre a "nova evangelização", entrevistamo-lo.
Eis a entrevista.
Em que medida a leitura que as culturas fizeram da mulher influenciou a visão da Igreja?
Todas as culturas, sem exceção, foram androcêntricas. Também o são aqueles matrilineares, ainda presentes na África, porque dão a autoridade ao tio por parte masculina. No Ocidente, a mudança que ocorreu nas relações homem-mulher não aconteceu porque somos melhores do que os nossos pais, ou porque a nossa sociedade é progrediu sabe-se lá quanto no plano moral. O esfacelamento do androcentrismo se deve a dois fatores: em primeiro lugar, aos progressos da medicina, que fizeram com que as mulheres não morressem mais de parto e que as crianças permaneceram vivas.
Em 1910, em Paris, por exemplo, durante uma epidemia, 60% das mulheres grávidas morreram de febre puerperal: eram tempos em que era preciso ter 5-6 filhos para se ter certeza de que ao menos dois sobreviveriam e para se ter uma garantia para a velhice dos pais. Nessa sociedade, os filhos eram a aposentadoria dos pais. No Ocidente, graças aos progressos da medicina, as mães e as crianças não morrem mais de parto e já está assegurada uma certa longevidade: uma mulher ocidental, depois de ter dado à luz e criado os seus filhos, ainda terá dezenas de anos de vida e de trabalho.
O segundo fator que incidiu e mudou a relação homem-mulher é o salário: enquanto no passado normalmente a mulher, sem nenhuma compensação, fazia o duplo trabalho, no negócio e em casa, hoje, nas sociedades pós-industriais, ela é uma assalariada. E isso também muda o status masculino, porque a mulher é independente do ponto de vista das finanças, e o homem deve compartilhar a educação dos filhos e o trabalho doméstico. Parte da vida de um e de outro é fora de casa, com o consequente aumento dos divórcios, que, como dizem as estatísticas, em dois terços são pedidos pelas mulheres. Essa nova relação que se instaura é um passo cultural importantíssimo e irreversível, não só do ponto de vista da cultura, mas também da vida prática.
Que impactos essa reviravolta tem sobre a leitura teológica da vida comunitária e dos diversos papéis na Igreja?
Até agora, os nossos simbolismos e a nossa organização das relações entre homens e mulheres foram vividos no mundo androcêntrico. Mas as coisas mudaram, a mentalidade das jovens não tem nada a ver com a das suas avós. Seria arbitrário pedir que as mulheres que vivem neste tempo assumissem, em nome do Evangelho, a cultura de uma época passada. O Evangelho deve evangelizar todas as culturas e, no que se refere à androcêntrica, ela certamente fez muito, porque as mulheres foram liberadas para se casar ou não, protegidas do divórcio e assim por diante.
O Evangelho foi capaz de evangelizar a velha civilização androcêntrica. Mas agora devemos aprofundar o mesmo compromisso para esta nova civilização: isso não é difícil, porque o Evangelho está mais em sintonia com a parceria entre homem e mulher do que com o androcentrismo. Em Jesus, de fato, as mulheres são tratadas como os homens, como iguais. Desse ponto de vista, o Evangelho é muito mais próximo da nossa cultura do que a velha cultura androcêntrica.
Essa reflexão tem consequências práticas, por exemplo, na atribuição dos ministérios pastorais?
Se a Igreja é o povo de Deus, segundo o que afirma a Lumen Gentium nos capítulos 2 e 3, as mulheres, assim como os homens, têm uma responsabilidade na Igreja. Não se trata tanto de ordenação ou de ministério ordenado, mas sim da articulação entre "alguns", "um" e "todos" na Igreja. Não há muitas mulheres nos conselhos paroquiais, nos sínodos, no setor do ensino da teologia: se não se derem esses primeiros passos antes, mesmo aqueles dos ministérios nunca serão dados. O velho modelo ainda está presente, não na teologia acadêmica, mas sim na prática cotidiana, na piedade popular e no magistério, onde reina um simbolismo que considera as mulheres como "complementares" aos homens.
Muito frequentemente, a figura de Maria continua sendo uma referência apenas para as mulheres, mesmo que Paulo VI, na Marialis cultus, a havia apresentado como um modelo para todos os cristãos. Considerar a mulher como "especial" é um tipo de raciocínio ilógico: se em um conjunto há apenas dois elementos, um dos dois não pode ser mais especial do que o outro. A "especificidade" da mulher, um conceito ainda muito usado na nossa Igreja, é perigoso, assim como a supervalorização da maternidade com relação à paternidade. É uma mentalidade que tem impactos culturais muito graves: eu penso nas chamadas famílias monoparentais em que o marido está ausente. É o caso, por exemplo, de um percentual importante de mulheres católicas caribenhas muito devotas de Maria, que ficaram sozinhas com muitos filhos para cuidar. Marido e mulher devem ser pensados em uma reciprocidade ontológica fundamental.
Que contribuição o Concílio deu ao redefinir os modelos de relação na Igreja?
Com a Lumen gentium, ele pôs na frente o povo de Deus, que é feito de homens e mulheres, dando a possibilidade de serem, ao mesmo tempo, responsáveis pela interação entre "alguns" e "todos". Depois de João XXIII, o Concílio também falou dos sinais dos tempos, principalmente na Gaudium et Spes. Ele não se deteve sobre o fato de que as mulheres têm um novo status na sociedade e na Igreja, mas, por exemplo, no decreto Apostolicam actuositatem, diz-se que é preciso ampliar a presença das mulheres no apostolado. O pós-Concílio foi muito vivo, houve debates, agitação: basta lembrar o cardeal canadense George Bernard Flahiff, que no Sínodo de 1971 propôs a constituição de uma comissão mista para estudar o estatuto das mulheres na Igreja, e depois a comissão desejada por Paulo VI sobre a mulher. João Paulo II, ao invés, retomou um tipo de teologia que ontologizou o simbolismo das mulheres "especiais", "diferentes".
Mas isso não significa que as Igrejas da Reforma estejam em uma situação melhor, mesmo que tenham pastoras: o grande dicionário da teologia alemã tem um artigo sobre a mulher de 67 páginas, mas não se encontra nada sobre "homem", "masculino" ou "virilidade cristã". O mesmo acontece na enciclopédia do protestantismo da França. Portanto, há também um trabalho ecumênico a ser feito, porque nem todas as Igrejas deram passos na inteligência dos sinais dos tempos. A maioria das Igrejas Ortodoxas vivem em uma região cultural não ocidental, em sociedades tradicionais, onde a mulher é vista como complementar ao homem.
A Igreja Católica, que é multicultural, tem muitas dificuldades, porque as suas decisões são tomadas em nível mundial, o que que não acontece com as outras Igrejas que têm uma dimensão nacional ou local. E, na realidade, quando os anglicanos tiveram que enfrentar decisões em nível mundial, eles correram o risco de rachar, por causa da multiculturalidade.
No entanto, devemos sempre lembrar que há coisas possíveis na fé e coisas que não o são na situação atual. Parece-me importante dizer às mulheres que não é a fé que as torna segundas, mas há situações que herdamos e que não pode mudar em um instante.
Assim como há uma teologia feminista, é possível pensar em um movimento teológico masculino?
O masculino hoje, quer seja pai, esposo ou religioso, precisa de uma imagem cristã de si mesmo. Mas sobre isso há silêncio. Fala-se muito de feminilidade e muito pouco de virilidade. É preciso uma nova imagem positiva relacional: o que é o homem do ponto de vista cristão? Há resistências contra esse tipo de percurso, mas seria um enriquecimento que o homem se pensasse na sua identidade com a mulher, e vice-versa. A verdade se encontra nas relações recíprocas homem-mulher.
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Um evangelho para homens e mulheres. Entrevista com Hervé Legrand - Instituto Humanitas Unisinos - IHU