21 Dezembro 2012
As novas regras do Vaticano não vão obrigar as instituições de caridade católicas ao redor do mundo a renunciar ao dinheiro do governo, dizem autoridades do Vaticano e das principais agências dirigidas pela Igreja, insistindo que os principais objetivos são um forte senso da identidade católica, incluindo uma relação mais direta com os bispos e uma maior transparência financeira.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e publicada no jornal National Catholic Reporter, 18-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os especialistas acrescentam, no entanto, que parte do pano de fundo das novas regras é o alerta entre algumas lideranças da Igreja acerca da influência das organizações seculares que financiam o trabalho de caridade, incluindo algumas agências das Nações Unidas, enquanto promovem uma agenda social liberal em questões como a contracepção, o aborto e os direitos gays.
Com o tempo, dizem os observadores, essa preocupação poderia anunciar uma abordagem mais cautelosa para a colaboração com essas organizações por parte das agências católicas.
Como o documento exorta os bispos locais a exercerem uma maior vigilância sobre a atividade caritativa, os observadores também alertam que o seu impacto prático provavelmente será determinado por uma base caso a caso em nível local.
A reação entre as lideranças das instituições de caridade católicas tende a acentuar o lado positivo, elogiando o forte endosso por parte do documento do serviço de caridade e o seu apelo por uma boa gestão financeira.
Publicadas no dia 1º de dezembro, as novas regras vieram na forma de um motu proprio, ou seja, de um decreto legal sob a autoridade pessoal do papa. Dentre outros pontos, o Papa Bento XVI estipula:
• Um grupo de caridade pode se chamar "católico" apenas com a autorização por escrito das autoridades eclesiais. Se se considera que uma agência em particular não está mais "em conformidade com o ensino da Igreja", o bispo deve tornar isso conhecido e tomar medidas para impedir que ela use o título de "católica".
• Os empregados devem "compartilhar, ou ao menos respeitar", a identidade católica das organizações de caridade afiliadas à Igreja e também devem "dar um exemplo de vida cristã" para além da sua competência profissional.
• As instituições de caridade católicas não podem receber dinheiro "de grupos ou instituições que busquem fins contrários ao ensino da Igreja".
• Para evitar que se induza as pessoas "ao erro ou ao engano", os bispos devem garantir que as paróquias e as dioceses não divulguem iniciativas que, "ao se apresentarem como caritativas, proponham escolhas ou métodos em desacordo com o ensino da Igreja".
• As instituições de caridade dirigidas pela Igreja devem praticar a boa gestão do dinheiro e oferecer um "testemunho de sobriedade cristã" na forma como os seus recursos são administrados, incluindo a manutenção dos salários e de despesas "proporcionais aos gastos análogos de outros escritórios diocesanos".
O título do documento é De Caritate Ministranda, "Sobre o Serviço da Caridade". Bento XVI escreveu que o emitiu sob recomendação do cardeal Robert Sarah, da Guiné, que lidera o Pontifício Conselho Cor Unum, a principal agência do Vaticano para a supervisão das atividades de caridade.
Naquela que muitos observadores consideram como uma frase-chave, Bento XVI escreveu: "O serviço da caridade é um elemento constitutivo da missão da Igreja e é uma expressão indispensável da sua própria essência".
A referência a fontes de financiamento dispararam alertas em alguns círculos, dado que os prestadores de serviços dirigidos pela Igreja muitas vezes são fortemente dependentes do dinheiro público. A organização Catholic Charities USA, por exemplo, recebe cerca de 2 bilhões de dólares por ano do governo dos EUA, enquanto a Catholic Relief Services, a agência de ajuda internacional dos bispos dos EUA, recebe cerca de 600 milhões de dólares.
Falando em off ao NCR no dia 3 de dezembro, uma alta autoridade vaticana disse que as novas regras não colocam esses fundos em perigo.
"Os fundos governamentais não estão em jogo aqui, já que o governo por si só promove o que é bom e necessário para toda a comunidade e tem o direito de fazer isso por sua própria natureza", disse a autoridade, acrescentando que "o governo não deve anexar quaisquer condições inaceitáveis sobre os fundos que ele dá para as instituições da Igreja, às quais deve ser garantida total liberdade para seguir o seu ethos".
O Pe. Larry Snyder, presidente da Catholic Charities EUA, em grande parte reforçou essa avaliação.
"Eu não acho que as regras se dirigem ao financiamento governamental", disse Snyder ao NCR, acrescentando que, em sua opinião, "as organizações de caridade católicas dos Estados Unidos já estão em conformidade com o documento".
Snyder advertiu, no entanto, que provavelmente "o que isso significa exatamente será interpretado individualmente por cada bispo".
Em geral, Snyder disse que o documento o "encoraja", porque ele "confirma a importância do trabalho de caridade na Igreja".
Em off, um veterano europeu das instituições de caridade católicas, familiarizado com o processo de elaboração das novas regras, disse ao NCR que o Cor Unum e Sarah desempenharam um papel de liderança. A preocupação com o fato de obter dinheiro de grupos com uma agenda contrária ao ensino da Igreja, disse ele, provavelmente reflete a experiência africana de Sarah.
Enquanto atuava como arcebispo de Conakry, na Guiné, durante os anos 1980 e 1990, disse esse observador, Sarah ficou preocupado que algumas agências da ONU e algumas importantes organizações não governamentais internacionais estavam usando o seu dinheiro e a sua influência para minar os tradicionais valores africanos sobre a família e a ética sexual.
Sarah manifestou esse alerta em várias ocasiões, inclusive no Sínodo dos Bispos sobre a África em 2009. Em um discurso durante esse encontro, ele condenou uma "teoria do gênero" ocidental, que, segundo ele, estaria subjacente aos esforços para forçar a África "a redigir leis favoráveis aos serviços de contracepção e ao aborto (o conceito de 'saúde reprodutiva'), assim como à homossexualidade".
Sob essa luz, disse esse observador, a preocupação do documento com as fontes de financiamento provavelmente tem mais a ver com as Nações Unidas e com as organizações não governamentais seculares do que com os governos nacionais.
Entre as lideranças das instituições de caridade católicas, as disposições sobre transparência financeira pareciam mais imponentes no comentário inicial.
Ernesto Olivero, fundador do Movimento Missionário Juvenil, na Itália, e do Arsenal of Peace, que promove a resolução de conflitos, disse que as regras são necessárias porque, em algumas organizações de caridade, os custos gerais "às vezes parecem desproporcionais para os fundos que deveriam ser usados para fins de caridade".
Na mesma linha, Mario Marazziti, da Comunidade de Santo Egídio, disse que as disposições financeiras do documento "podem ajudar a evitar muitos abusos", para "reforçar a confiança das pessoas comuns".
A maioria dos observadores dizem que o núcleo das regras é um apelo por uma identidade católica mais forte, incluindo uma supervisão mais próxima por parte dos bispos.
A medida ocorre cerca de um ano depois de o Vaticano reforçar o seu controle sobre a principal federação global das instituições de caridade católicas, a Caritas Internationalis, com sede em Roma. A secretária-geral da organização à época, a leiga natural do Zimbábue Lesley-Anne Knight, não recebeu a permissão para permanecer por um segundo mandato, e os seus estatutos foram revistos para proporcionar mais supervisão por parte da Secretaria de Estado do Vaticano e do Cor Unum.
O observador europeu disse que as novas regras estendem essa mesma abordagem para outras instituições de caridade católicas.
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Papa exige uma forte identidade católica das instituições de caridade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU