10 Outubro 2012
A física quântica é uma área que faz previsões que vão tão além do senso comum e demandam tanta capacidade de abstração para compreendê-las que ontem rendeu um Prêmio Nobel a trabalhos que foram chamados por um dos próprios laureados de "truques de mágica".
O pesquisador francês Serge Haroche e o norte-americano David Wineland receberam o Prêmio Nobel de Física por terem descoberto métodos de medir e manipular partículas individuais sem destruí-las, podendo assim observar fenômenos quânticos (que ocorrem no mundo atômico e subatômico) e repeti-los. Wineland estudou átomos e Haroche, fótons (a partícula elementar da luz).
A reportagem é de Giovana Girardi e Andrei Netto e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 10-10-2012.
Os trabalhos são considerados o primeiro passo para o desenvolvimento da desejada computação quântica, que teria uma capacidade de processamento imensamente maior que a da tradicional.
A importância das pesquisas se dá pelo fato de que fazer medidas repetidas em sistemas quânticos sempre foi considerado uma coisa difícil de executar. Isso porque o próprio processo de medição afeta o sistema, destruindo-o.
Com experimentos vistos pela comunidade científica como muito elegantes, os grupos dos dois pesquisadores conseguiram fazer essa interferência para ilustrar princípios fundamentais da teoria quântica.
Em especial foi estudado o fenômeno conhecido como superposição de estados, que prevê que duas coisas podem ocorrer ao mesmo tempo. É exatamente essa possibilidade que torna a computação quântica tão atraente. Imagine que na computação tradicional se trabalha com o sistema binário de zero e um. Um bit só pode estar no zero ou no um. Já o bit quântico pode estar ao mesmo tempo no zero e no um, o que permitiria processamentos paralelos simultâneos.
Haroche, por exemplo, trabalhou com uma cavidade de espelhos em que é possível ter um fóton dentro dela ou não. Mas é possível gerar um estado em que há uma superposição de zero e um fóton. E ele pode medir isso usando átomos para trocar energia com os fótons. A equipe de Wineland fez um processo parecido (mais informações nesta página), mas aprisionando átomos com carga (íons).
Uma das grandes dificuldades para criar computadores quânticos é o fato de que esses estados especiais são muito frágeis. Se a superposição é destruída, volta a se observar o que ocorre no mundo clássico: ou é zero ou é um. Daí o desafio de criar um processo em que seja possível rapidamente corrigir esse desmonte.
À imprensa, Wineland foi realista. "Eu não recomendaria a ninguém agora comprar ações de uma companhia de computação quântica", mas disse acreditar que eventualmente será possível construí-la.
Expectativa
Em Paris, em entrevista coletiva, Haroche foi saudado por professores do Collège de France - uma das instituições mais respeitadas da França - e por seus alunos. "Estou tão surpreso e feliz pela notícia e fui tão assediado ao longo do dia que ainda não pude refletir e compreender o que aconteceu", afirmou em seu pronunciamento, no qual confessou ter tido "10%" de expectativa de receber a distinção em 2012.
O laureado elogiou o americano Wineland e sua equipe pela conquista, que classificou de "espelho" de suas próprias. "Um grupo é o espelho do outro. O tema da pesquisa também é espelhado", ressaltou. Foi uma brincadeira por ele ter usado espelhos em sua experiência. E também pelo fato de que as duas pesquisas foram, de certo modo, invertidas. Por um lado, Wineland usou campos magnéticos para aprisionar os íons e utilizou feixes de luz para estudá-los. Já o grupo de Haroche usou matéria, espelhos, para aprisionar a luz e uma injeção de átomos para poder estudá-la.
'Jornada tenta entender melhor o mundo'
Dois pesquisadores brasileiros se sentiram ontem particularmente satisfeitos com a escolha do comitê do Nobel de Física por terem, de algum modo, colaborado com essas pesquisas.
Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colabora há cerca de 30 anos com o grupo de Serge Haroche, na Escola Normal Superior de Paris, na Universidade Pierre e Marie Curie. Já Paulo Nussenzveig, da USP, fez seu doutorado no mesmo grupo.
Davidovich pondera que, apesar de a possibilidade da computação quântica ser bastante interessante, a beleza das pesquisas foi ter permitido desmontar propriedades muito sutis. "É bom lembrar que a física quântica foi desenvolvida no início do século 20 por pesquisadores como Einstein, Heisenberg e Schrödinger porque eles queriam conhecer melhor a natureza", diz.
"Eles jamais imaginavam que seria a base para a criação de transistores, do laser, da ressonância magnética nuclear, do relógio atômico de alta precisão, que por sua vez é a base do GPS. A computação quântica é a nossa imaginação mais imediata, mas ninguém sabe onde vai parar."
Para Nussenzveig, os trabalhos são inspiradores na jornada de tentar entender melhor o mundo que nos cerca. "Há mais de cem anos nos deparamos com fenômenos na escala microscópica. E o entendimento deles foi proposto pela mecânica quântica, formulada por volta de 1926. Mas é uma teoria tão diferente do nosso cotidiano, que tem previsões tão contrárias ao nosso senso comum, que há vários conceitos sutis da teoria que a gente ainda está aprendendo", afirma.
Segundo ele, tanto Serge Haroche quanto David Wineland puseram as mãos na massa para desnudar aspectos fundamentais dessa teoria, em especial na fronteira entre o mundo quântico e o clássico. Os trabalhos ajudaram a entender como ocorre essa interação e como é possível fazê-la de modo controlado.
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Física quântica dá Nobel a cientistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU