01 Outubro 2012
Um economista com ligações históricas com o PT, que se afastou num momento dramático da campanha presidencial de Lula em 2002, entrou no governo há cerca de um mês, quase em silêncio. O professor Ricardo Carneiro, da Universidade de Campinas (Unicamp), é novo diretor-executivo do Brasil e Suriname no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), organismo tido como estratégico pelo governo Dilma para afirmar a liderança brasileira na América Latina.
A reportagem é de Alex Ribeiro e publicada pelo jornal Valor, 01-10-2012.
Uma das primeiras decisões foi aumentar a participação no capital do BID, elevando de 11,7% para 12,5% o poder de voto da cadeira brasileira no organismo. O Brasil ocupou o vácuo deixado pela Venezuela, que abriu mão de subscrever a chamada de capital negociada pelos membros do BID em 2010.
No ultimo mês, o Brasil deu um empurrão para aprovar US$ 1 bilhão em financiamentos à Argentina, derrubando tentativas dos Estados Unidos e Espanha de negar crédito ao país vizinho, por causa da moratória de sua dívida externa e nacionalização da Repsol YPF. Também ajudou a bloquear iniciativa, patrocinada por países desenvolvidos, de rejeitar novos empréstimos à Venezuela com base em critérios macroeconômicos duvidosos.
De interesse direto do Brasil, está sendo negociado o desmembramento de uma instituição irmã do BID, o Banco de Desenvolvimento da América Latina, conhecido pela sigla CAF, para duplicar a sua capacidade de empréstimo para o setor privado, para US$ 5 bilhões.
O Brasil tem um setor privado forte, comparado com outros países da América Latina, e quer ampliar o financiamento direto paras as empresas. Outra prioridade é expandir as linhas de crédito aos projetos de infraestrutura física para interligar a América do Sul.
"O Brasil deve tentar usar o BID, no bom sentido, para fazer a reafirmação de seu papel de liderança na região", afirmou Carneiro ao Valor, na sua primeira entrevista no cargo.
Levou dez anos para Carneiro, um economista desenvolvimentista, se integrar a um governo do PT. Em 2002, ele se recolheu à Unicamp depois de perder para os setores mais ortodoxos do partido, liderados pelo então ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Palocci, a disputa para definir a plataforma econômica da campanha de Lula.
O estopim de sua saída foi uma entrevista ao Valor em que fez críticas ao sistema de metas de inflação, considerado um dos tripés sagrados da política econômica, ao lado do câmbio flutuante e do superávit primário. Lula, que já despontava como favorito nas eleições e tentava conquistar a confiança dos mercados financeiros, preferiu seguir com o grupo de Palocci.
Carneiro sentiu a primeira repercussão de suas declarações ao ligar o rádio do carro, na estrada de Campinas para São Paulo, na manhã em que a entrevista foi publicada. "O Arnaldo Jabor estava me chamando de bolchevique", lembrou Carneiro. Hoje, passada uma década, ele se sente confortável para contar os bastidores. "A entrevista não foi uma coisa da minha cabeça."
Dias antes, relata, o então deputado José Dirceu havia convocado uma reunião no Hotel Hilton, em São Paulo, para organizar uma reação à ala de Palocci, que estava dominando a plataforma de campanha de Lula. Entre economistas ligados à campanha, como João Sayad, Maria da Conceição Tavares e Wilson Cano, ficou decidido que Carneiro daria uma entrevista. "Sabia que podia me queimar", relatou. "Mas estava tão descontente com os rumos que assumi o risco."
Carneiro, 60 anos, é um filho de usineiros pernambucanos que, depois de ir estudar economia, resolveu apagar suas raízes latifundiárias para se juntar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão. Ficou sem espaço na agremiação depois da anistia de 1979, quando velhos quadros do partido voltaram do exílio, e foi empurrado para o PMDB. Lá, Apoiou a campanha presidencial de Ulysses Guimarães em 1989 e, no segundo turno, juntou-se a Lula. Desde então, manteve-se ligado ao PT.
Logo depois de perder a sua terceira eleição, em 1998, Lula convidou Carneiro para participar de um grupo de intelectuais que, sem a pressão eleitoral, iria desenhar um programa da campanha presidencial seguinte. Uma das suas tarefas foi viajar o país para convencer os grupos mais à esquerda a abrir mão das posições mais radicais. "Me acusavam de reformista", disse. "Não me importava. Sou reformista mesmo." O documento final assumiu compromissos de honrar contratos, não dar o calote na dívida e controlar a inflação.
Para o reformista Carneiro, porém, Palocci era muito ortodoxo. Até hoje, ele é crítico do sistema de metas. "Não existem os pressupostos para a sua operação no Brasil", disse. Boa parte dos preços, afirma, é indexada, e a oscilação das cotações das commodities determina muito da inflação. Num ambiente como esse, argumenta, a política monetária acaba sobrecarregada. Para manter a inflação sob controle, opina, o Banco Central durante muito tempo usou a sobrevalorização cambial como âncora. Segundo ele, hoje o regime de metas tem sido operado de uma forma muito mais flexível pelo BC presidido por Alexandre Tombini.
Muito dessas críticas Carneiro escreveu no boletim "Política Econômica em Foco", editado pelo Instituto de Economia da Unicamp, que virou um contraponto às políticas ortodoxas de Palocci e do BC. "Nunca deixei de ser do partido, de votar no Lula", observou Carneiro. "Mas, ao não entrar no governo, o meu papel como intelectual foi preservado."
A ex-presidente da Caixa Economica Federal Maria Fernanda Coelho tinha sido a primeira escolha para o BID, mas acabou desistindo por questões pessoais. Carneiro chegou a ser sondado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para representar o Brasil num outro organismo multilateral. O convite acabou sendo feito pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que é a governadora brasileira do BID.
O governo Dilma considera o BID estratégico para sua política externa. Visão diferente da Venezuela, que decidiu não subscrever as cotas do BID, onde os Estados Unidos têm grande influência, para dar prioridade à criação do Banco do Sul, sem os americanos. "O Banco do Sul deve ser criado", opina Carneiro. "Mas ele vai demorar, e as duas instituições são muito diferentes."
O BID tem avaliação de risco de crédito AAA, o que significa acesso a dinheiro barato no mercado, e controla um orçamento de US$ 12 bilhões anuais. Seu corpo técnico é considerado de primeira linha e, para muitos países, sua assistência é mais importante do que os empréstimos em si.
Mas o sócio mais importante do BID, reconhece Carneiro, são os Estados Unidos, com um poder de voto de 30%, duas vezes e meia o do Brasil. "Uma das coisas que temos claro é que esse não é o Banco do Sul. É o BID, e os Estados Unidos estão aqui", afirmou. "Muitos vão dizer que os americanos exercem sua hegemonia nesta casa. Nem sempre estamos do lado oposto aos Estados Unidos. Mas é bom lembrar que este é o único organismo multilateral em que os países em desenvolvimento tem a maioria dos votos."
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Economista da campanha de Lula faz as pazes com PT e assume o BID - Instituto Humanitas Unisinos - IHU