A revolução do Deuteronômio

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25 Julho 2012

Entre os estudos sobre a Bíblia que trazem novas reflexões, deve ser assinalado o amplo livro Torah e storiografie dell'Antico Testamento [Torá e historiografias do Antigo Testamento]. O autor, Gianantonio Borgonovo (e colaboradores, como se lê no frontispício), além de doutor da Biblioteca Ambrosiana, é um dos mais perspicazes exegetas do nosso tempo.

A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 16-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O que ele propõe? Primeiro, lembremos que, até os anos 1960, a chamada "hipótese documentária" considerava que o Pentateuco (ou Torá, ou seja, os cinco primeiros livros da Bíblia) era o fruto de uma redação, além de desvalorizada, de obras anteriores. Esta concepção era quase um dogma no âmbito exegético. Acreditava-se que, para entender essa parte, tinha-se que dissecá-la, reencontrar as fontes originais, e a primeira finalidade de uma leitura crítica “tinha” que dar razão ao fato histórico. Era o mito genético da hermenêutica romântica que continuava.

Agora, encontramo-nos em uma situação que pode ser definida como contrária à anterior, pelo menos no que se refere às fontes (ou tradições) mais antigas como a javista ou a eloísta. A primeira era considerada pela "hipótese documentária" como uma obra do tempo de Davi e de Salomão; a segunda, uma fonte profética do Reino do Norte (século VIII a.C.). Havia também o esquema clássico de Julius Wellhausen, serviçal de Hegel, que previa uma síntese do período de Ezequias (fim do século VIII): era chamada jehovista.

Aquele que era chamado de redator, ou hagiógrafo, Borgonovo considera como um verdadeiro autor que explorou material antigo não organizado, disperso em relatos ligados a memórias coletivas ("memórias fundadoras"). O ensaio conecta o livro de Deuteronômio, o último da Torá, ao que Karl Jaspers chamava de Achsenzeit, ou seja, o momento em que toda a história mundial passa do tempo mítico à “reflexão” sobre o tempo mítico.

Seria justamente o Deuteronômio o responsável por essa revolução no âmbito judaico: entre 520 e 515 se realiza a síntese da tradição profética anterior. Não apenas se tem um Templo em Jerusalém exclusivamente dedicado ao Deus do Êxodo, o JHWH, mas também uma constituinte que dá forma às tradições passadas e dá origem ao que hoje se chama de judaísmo.

Tudo isso se realiza com a centralização do culto na própria Jerusalém, com a instituição da Páscoa e das outras grandes festas historicizadas, com a fixação de um calendário em que o sábado é o pivô. E também com uma forma de governo de reis e sacerdotes; esta última, no entanto, não teve uma implementação por causa – ao que parece – da intervenção persa.

Da sistematização de Borgonovo deriva uma nova forma de fazer exegese da Torá: olhar para o conjunto da narração antes de ir ao particular. A perspectiva teológica deveria surgir da atenção às memórias do passado. Em suma, chegou o momento de distinguir entre teologia e ideologia.

  • Gianantonio Borgonovo e colaboradores. Torah e storiografie dell'Antico Testamento. Ed. Elledici, 736 páginas.