29 Junho 2012
“Trata-se da velha estratégia utilizada no Brasil há mais de 500 anos. Quando os portugueses chegaram aqui, não tinham poder de fogo para combater os índios, então, colocaram índio contra índio”, constata o biólogo.
Confira a entrevista.
Diferente da articulação dos povos indígenas na Cúpula dos Povos, em Altamira, Pará, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, as “comunidades indígenas estão muito desarticuladas”, diz Rodolfo Salm à IHU On-Line. Em entrevista concedida por telefone, ele esclarece que a desarticulação das comunidades indígenas é consequência, além dos seus conflitos internos, da “ação dos construtores e idealizadores de Belo Monte, que dividiram os índios. Eles se aproveitaram de antigas divisões entre os Xikrins, da região de Altamira, e os Caiapós, que estão mais perto do Mato Grosso, e estabeleceram um conflito entre eles. Por isso alguns índios aceitam, de certa forma, a barragem, e outros são radicalmente contra. Esse conflito entre as etnias favoreceu a construção da barragem”.
Salm comenta também o acampamento dos índios Xikrins no canteiro de obras de Belo Monte e é enfático: “Existem alguns índios que não querem saber das condicionantes, que são totalmente contra a barragem, mas tenho a impressão de serem minoria. A minha esperança é que esse movimento se torne numa ‘bola de neve’; gostaria que viessem mais e mais índios. Seria ótimo se viessem os indígenas do Mato Grosso, e a mobilização aumentasse e até, quem sabe, inviabilizasse a obra. Isso parece um sonho impossível, mas é a nossa esperança, porque sempre esperamos que, de alguma forma, essa obra não aconteça”.
Rodolfo Salm é Ph.D em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, Inglaterra, e formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. É professor da Universidade Federal do Pará, onde desenvolve o projeto Ecologia e Aproveitamento Econômico de Palmeiras.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi realizado o encontro Xingu+23? Foi uma resposta a Rio+20?
Rodolfo Salm – O encontro “pegou carona” na ocorrência da Rio+20, como uma oportunidade de chamar a atenção para o problema ambiental da região do Xingu. Não foi exatamente uma resposta. Foi mais um evento paralelo a Rio+20.
IHU On-Line – Como avalia a articulação dos povos indígenas durante esses 23 anos? Que semelhanças e diferenças aponta hoje em relação ao 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que aconteceu em 1989? Percebe que hoje há mais articulação?
Rodolfo Salm – Os povos indígenas estão mais articulados, de certo modo. Mas em Altamira, por exemplo, há um nível de desagregação muito grande, e as comunidades indígenas estão muito desarticuladas. Isso é consequência da ação dos construtores e idealizadores de Belo Monte que dividiram os índios. Eles se aproveitaram de antigas divisões entre os Xikrins, da região de Altamira, e os Caiapós, que estão mais perto do Mato Grosso, e estabeleceram um conflito entre eles. Por isso alguns índios aceitam, de certa forma, a barragem, e outros são radicalmente contra. Esse conflito entre as etnias favoreceu a construção da barragem. Trata-se da velha estratégia utilizada no Brasil há mais de 500 anos. Quando os portugueses chegaram aqui, não tinham poder de fogo para combater os índios. Então colocaram índio contra índio.
Atualmente alguns índios estão ocupando parte do canteiro de obras de Belo Monte, mas nem todos estão lutando contra a barragem. Alguns são contra, mas as lideranças estão exigindo o cumprimento das condicionantes. Por outro lado, os Caiapós do Mato Grosso, liderados por Raoni, não querem nem saber de condicionantes. Eles são radicalmente contra Belo Monte. Então, não há uma união. Os índios Mundurucus, por exemplo, da região do alto Tapajós, vieram para o encontro do Xingu+23, porque estão preocupados com a perspectiva da construção de barragens na região de Teles Pires. Mas eles já estão engajados na luta contra esse processo de degradação do rio Xingu, que tende a se espalhar por toda a região amazônica.
Então, é muito difícil a articulação, porque eles têm um histórico de conflitos internos, e isso dificulta muito o diálogo. É só ver o exemplo de como os Xikrins têm dificuldade de se articular com os Caiapós na luta contra Belo Monte. Agora, em algum nível a articulação isso deve acontecer, especialmente na Cúpula dos Povos, em que deve ter acontecido algum tipo de união.
IHU On-Line – Qual a importância do Xingu para os povos indígenas, e que relação eles estabelecem com o rio?
Rodolfo Salm – O rio é tudo para eles. Ele é fundamental não só por causa do sustento, mas também devido a aspectos culturais e existenciais. O discurso do governo federal diz que nenhuma terra indígena será alagada. É verdade que algumas não serão, mas outras terras indígenas perderão o rio que passa na frente da aldeia. Atualmente o rio Xingu passa na frente da aldeia e é um rio extremamente fértil, cheio de recursos. Depois da construção da usina, será um rio morto, sem peixes, porque a água ficará quente, sem oxigênio.
No leito do Xingu também tem uma grande quantidade de ouro, e isso vai atrair garimpeiros para a região. Imagina um monte de garimpeiros entrando numa terra indígena? Será catastrófico. Esses são impactos nas comunidades da região de Volta Grande. Ainda é preciso considerar os impactos indiretos, que estão sobre todos os povos indígenas da região do Xingu. Esses impactos indiretos serão decorrentes da imigração em massa de imenso contingente populacional, em consequência da construção da barragem. A previsão é que cerca de cem mil pessoas venham para a região. Com isso aumentará a probabilidade de invasão de terra, e todos os problemas sociais relativos ao contato tendem a se aprofundar.
IHU On-Line – Por quais motivos os índios estão acampados em Belo Monte?
Rodolfo Salm – Os índios Xikrins estão reivindicando o cumprimento das condicionantes. Existem alguns índios que não querem saber das condicionantes, que são totalmente contra a barragem, mas tenho a impressão de serem minoria. A minha esperança é que esse movimento se torne numa “bola de neve”; gostaria que viessem mais e mais índios. Seria ótimo se viessem os indígenas do Mato Grosso, e a mobilização aumentasse e até, quem sabe, inviabilizasse a obra. Isso parece um sonho impossível, mas é a nossa esperança, porque sempre esperamos que, de alguma forma, essa obra não aconteça.
IHU On-Line – No início deste mês, a presidente Dilma anunciou a homologação de sete terras indígenas, cinco no Amazonas, uma no Pará e outra no Acre. O que essa medida significa ou sinaliza num contexto de Rio+20?
Rodolfo Salm – Toda a homologação de terras indígenas é uma boa notícia. Isso fez parte daquele pacotão para o governo ficar “bem”, durante a Conferência da Rio+20. É importante demarcar as terras indígenas, porque elas são essenciais para a concentração da biodiversidade. Mesmo nas áreas mais impactadas, se compararmos o estado de preservação das terras indígenas com as áreas em torno, veremos que as áreas indígenas são sempre melhores para a conservação.
Recentemente, a revista Veja publicou uma matéria criticando os índios e a demarcação de terras indígenas. Eles mostram uma paisagem em que, de um lado da estrada tem uma fazenda de soja e, do outro, uma terra indígena recém-demarcada, e questionam: “Qual dos dois lados é o preservado?” De um lado teria a produção e, de outro, uma terra abandonada, degradada, cheia de lixo. Mas quando você olha a foto, quem entende de natureza, de biodiversidade e de conservação, percebe claramente que a área indígena é a que preserva pequenos mamíferos, aves, a biodiversidade de insetos etc.
IHU On-Line – E como você analisa a posição da sociedade civil em relação a todas essas questões que dizem respeito aos povos indígenas, ao modelo do desenvolvimento do governo que impacta diretamente nas comunidades?
Rodolfo Salm – Quando falo com as pessoas, elas se sensibilizam para essa questão. Penso que a maior parte do povo brasileiro se preocupa com os povos indígenas e não gostaria de ver isso acontecendo, mas o sistema político impõe essa condição. A questão indígena não foi debatida na campanha presidencial. Quando a Dilma se candidatou a presidente, ela nem falava de Belo Monte, porque sabia que iria “queimar seu filme”. As grandes empreiteiras que financiaram a campanha dela, essas sim estão interessadas na construção da barragem. Agora, o povo, de forma geral, é simpático à preservação da floresta, à conservação dos povos.
IHU On-Line – Como o modo de vida dos indígenas contribui para pensarmos um planeta sustentável?
Rodolfo Salm – Fiz meu doutorado na aldeia indígena Caiapós, morei dois anos com eles e vi que têm uma vida simples, de contato com a natureza, não consomem muitos bens materiais, cuidam dos animais e das plantas. Isso tudo que está no imaginário popular tem um grande teor de verdade. Você vê que eles não são incorruptíveis, é claro que eles querem um rádio, uma televisão. Mas o que eles têm para mostrar é que é possível ser feliz usufruindo da natureza preservada.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Rodolfo Salm – Gostaria de ressaltar que Belo Monte não irá gerar uma energia limpa. É uma energia muito suja por causa do metano produzido pelas barragens. Outra coisa importante é que não é uma energia para o desenvolvimento do Brasil, não é uma energia para a nossa industrialização, mas sim para exportar minérios. O Brasil está exportando energia barata na forma de minérios processados. Não se trata de uma energia para 60 milhões de habitantes, como aparece na propaganda da televisão.
Muitas pessoas estão colocando em dúvida o aquecimento global, o que é uma bobagem. Infelizmente, esse é um problema real e que se agrava a cada dia. Então, Belo Monte é suja e contribui muito para o aquecimento global e para a degradação do clima geral do planeta, sem contribuir em nada para o desenvolvimento da nossa sociedade. É possível fornecer energia para todos reduzindo o desperdício nas linhas de transmissão, atualizando as barragens já feitas, além de investir em fontes alternativas para a produção de energia.
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Belo Monte agrava desarticulação indígena. Entrevista especial com Rodolfo Salm - Instituto Humanitas Unisinos - IHU