05 Junho 2012
O ativista americano Kenny Bruno é um sujeito meio anônimo até mesmo no mundo ambiental. Mas pouca gente ignora hoje a expressão que ele lançou: "greenwash", ou maquiagem verde.
A reportagem e a entrevista é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 05-06-2012.
O conceito foi difundido durante a Eco-92, em um documento feito por ele para o Greenpeace. O relatório denunciava a indústria química por fazer propaganda de ações "verdes" para disfarçar práticas que, na verdade, eram pouco sustentáveis.
A expressão acabou entrando para o dicionário de Oxford em 2000.
Em 2002, durante a conferência de Johannesburgo, Bruno voltou à carga, denunciando parcerias entre empresas com práticas trabalhistas pouco corretas e as Nações Unidas, o que foi chamado de "bluewash" (devido ao azul, cor oficial da ONU).
Hoje trabalhando como consultor, Bruno prepara um novo relatório sobre a relação entre a ONU e empresas, a ser lançado durante a Rio+20. E qual é a expressão, desta vez? "É bullshit' [baboseira]", diz ele à Folha, rindo.
Eis a entrevista.
Pode falar sobre esse relatório que o sr. prepara?
Vamos olhar algumas empresas que dizem praticar o desenvolvimento sustentável e ver o que elas estão fazendo de fato. Vamos olhar seis ou sete e fazer estudos de casos. E fazer um histórico do envolvimento corporativo no desenvolvimento sustentável nos últimos anos.
Como surgiu o conceito de "greenwash"?
Surgiu em meados dos anos 1980, quando tivemos vários desastres ambientais: a explosão de Bhopal, a descoberta do aquecimento global, em 1988, e do buraco na camada de ozônio. A indústria, a química em especial, organizou-se em torno de algo chamado "cuidado responsável". Foi uma reação a Bhopal (1). A associação das indústrias químicas tentou juntar todo mundo para assinar esses princípios e tentar evitar regulação e responsabilização legal. Até hoje a Union Carbide e a empresa que a comprou, a Dow, nunca foram punidas pelo que houve em Bophal.
Mas a expressão só nasceu em 1992 ou antes?
Descobrimos mais tarde que outra pessoa havia usado a palavra antes [o americano Jay Westervelt], para se referir a hotéis que não lavavam as toalhas e diziam aos clientes que era para economizar energia. Mas nosso relatório de 1992, que virou livro em 1996, difundiu a palavra.
O que espera da Rio+20?
Algum acordo para não passar vergonha, tipo o que aconteceu [na conferência do clima] em Copenhague. Vinte anos depois, não caminhamos da forma como esperávamos. Espero um acordo sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, algo assim, e as pessoas poderão dizer que fizeram alguma coisa.
Isso é bom?
Boa pergunta. Mas é melhor do que nada, é bom para lembrar aos chefes de Estado que esses assuntos são importantes e as pessoas ligam para eles. Mas os temas que já têm suas próprias convenções, como no caso do clima e da biodiversidade, são mais importantes. Não acredito que a maioria dos cidadãos esteja olhando para esses processos multilaterais em busca de grandes soluções para o problema do desenvolvimento sustentável.
Então essas conferências são mais importantes pelo que acontece em volta delas?
Mesmo em 1992 - e é impressionante, porque foi antes da internet - houve uma explosão de energia na sociedade civil. Vamos ver isso de novo. A energia nas conferências paralelas é muito alta. A diferença, agora, e uma diferença que acho triste, é que em 1992 houve uma conferência paralela dos povos, e os povos fariam tudo o que pudessem pelo desenvolvimento sustentável.
Na cúpula de Johannesburgo, em 2002, isso se transformou: era um protesto lá fora em vez de uma conferência paralela. Em Seattle, na conferência da OMC [Organização Mundial de Comércio], o que houve foi um grande protesto. Em Johannesburgo, a sociedade civil se dividiu em dois grupos: aqueles que achavam que a ONU ainda nos representava e os que achavam que ela tinha ficado parecida com a OMC. Sobre o desenvolvimento sustentável, o sentimento é o de que as grandes empresas e os grandes países o capturaram e não têm permitido que ele seja um princípio guia. Eles o escantearam.
E o que ficou no lugar?
O livre comércio, o crescimento do setor financeiro, a globalização corporativa. E tudo isso é mais do interesse das grandes empresas e de alguns países. Vimos no que deu a desregulamentação do setor financeiro. Não foi tão ruim para o Brasil, mas foi uma tragédia total para a Grécia, a Irlanda, a Espanha e até mesmo para os Estados Unidos. Esse não é o modelo que vai produzir desenvolvimento, muito menos sustentabilidade.
Há milhares de empresas que concordariam comigo, mas elas não têm lugar na ONU. As que se inseriram no processo, os membros da Câmara Internacional do Comércio, têm conseguido ditar a maneira como a ONU trata as parcerias corporativas.
Em 1992, a palavra era "greenwash". Em 2002, vocês criaram "bluewash", para as más práticas sociais das empresas. Qual é a palavra em 2012?
Não sei se você pode escrever, mas a palavra é "bullshit" [baboseira]! Chegamos ao ponto em que os desafios são tão grandes, 20 anos depois, que ficar tagarelando e discutindo esses parágrafos [do documento base da conferência] é decepcionante. Temos todos um desafio profundo, que é mudar os padrões de produção e consumo. Não fizemos isso. Os padrões provavelmente são menos sustentáveis agora. Se não arrumarmos um jeito de lidar com isso, ou de ao menos admitir isso, estaremos no reino da "bullshit".
Nota:
1.- Em 3 de dezembro de 1984, cerca de 40 toneladas de gazes letais vazaram da fábrica de pesticidas da Union Carbide em Bhopal, na Índia, poluindo o ar e matando imediatamente 3.000 pessoas. Cerca de 25 mil morreram em consequência do acidente, considerado a pior catástrofe industrial da história. A partir dessa tragédia, empresas passaram a buscar padrões de controle ambiental.
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Da maquiagem verde ao 'reino da baboseira' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU